Ciência e Progresso: Notas a Partir do Texto de Pierre Auger Denominado 'Os Métodos e Limites do Conhecimento Científico'



Pensar no progresso da ciência, nos conduz, necessariamente, a pensar em evolução. Desta forma, para explicar as idéias científicas, pode-se, por analogia, examinar os princípios que prescindiram a evolução dos seres organizados, a saber, multiplicação, manutenção e variação.

O primeiro princípio supra mencionado, sempre correlacionado com os demais, remete a idéia de uma reprodução que, ao possuir mutações, atribui um caráter dinâmico na evolução. Porém, é preciso, para que um ser continue a existir, que ele se adapte ao meio em que está situado, tendo, portanto, que acompanhar a mutabilidade de seu ambiente.

Assim, há uma correspondência entre o patrimônio hereditário e o meio externo que molda o desenvolvimento do ser. Há neste processo uma mão de via dupla, uma relação simbiótica entre estrutura interna e os fenômenos da natureza que o envolvem. Desta explanação darwinista, podemos dizer que ocorrre o mesmo com as idéias, ou melhor, que elas são um prolongamento da evolução dos seres vivos.

Mas para pensarmos na evolução da ciência, faz-se de extrema importância atentarmos especificamente para o dispositivo de seleção, ou seja, no caso da idéias, consiste em escolhas, em assentimentos ou rejeições que comprometem o futuro e permanência delas no conhecimento humano.

Se uma pessoa possui uma idéia genial mas não consegue transmiti-la, não existirá progresso, pois ela morrerá com seu criador. É justamente nesta possibilidade de passagem que se encontra a grandiosidade das idéias científicas que perduram além da simples materialidade.

Há três diferentes critérios de utilidade e satisfação de ordem mais sutil e harmoniosa que possibilitam esta transmissão. Aqueles, em seqüência argumentativa com maior grau de importância, relativos ao próprio indivíduo, relativos ao grupo e relativos a espécie inteira. O primeiro propicia uma adaptação da estrutura interna com as condições externas de forma direta. Já a segunda, o faz indiretamente, por meio de um conjunto de indivíduos cujas idéias constituem um patrimônio tradicional. O último, podemos dizer que é dotado apenas de objetividade. Ora, quando se relativiza a idéia de um grupo, ela pode subsistir neste e não em outro, assim como quando em um indivíduo. Estas são idéias morais.

Mas as idéias científicas comportam apenas existir objetivamente, pois há uma correspondência precisa entre estruturas internas e fatos externos. Se não há variabilidade genética em uma espécie de mosca, por exemplo, e um novo veneno é criado para combatê-las de acordo com a constituição genotípica delas, então toda e população será dizimada. O mesmo acontece com as idéias científicas, pois elas possuem valor universal e sensibilidade à prova do contrário. Neste sentido, pode-se dizer que por serem menos subjetivas do que uma idéias míticas, estão mais sujeitas, se forem fracas, a não continuarem a existir. Esta sensibilidade nos remete a um mecanismo de combate, de contraposição argumentativa, como instrumento para se averiguar a consistência das idéias científicas.

Outro ponto interessante a ser notado, diz respeito à interligação das idéias. Na era primitiva do homem, existiram aqueles em que a técnica da caça se desenvolveu enquanto a da pesca não, e o contrário também. Com a evolução da raça humana em sua maneira de lidar com o meio em que vive, passou a estudar, de maneira reflexiva, por meio da lógica e da matemática, a estrutura interna, de conhecimentos isolados como a caça e a pesca, e a notar, conseqüentemente, um chão mais firme para se caminhar do que as explicações causais das coisas e dos acontecimentos naturais dadas pelos mitos, religiões e afins. Em termos históricos, pode-se dizer que a concretização desta solidificação se deu com o Renascimento que propiciou o advento da era científica.

Com estas ligações, faz-se possível encontrar uma adequação às cadeias internas de idéias à estrutura de nosso pensamento constituindo um sistema interior satisfatório, que corresponde exatamente a encadeamentos de fenômenos observados externamente. Segue-se, então, que a ciência é possível e, a partir da comprovação de existência do mundo externo e correlação deste com o nosso espírito, há um monismo que une alma e matéria.

Acrescentar considerações sobre os limites do domínio da ciência também é de fundamental importância para se pensar o seu progresso. Hoje, sabe-se, por exemplo, que a Astrofísica nos mostra ser uma parte do universo inacessível para sempre ao conhecimento humano. Ao constatar o fenômeno da expansão do universo observando-se estrelas, pelo deslocamento do espectro de luz, revela-se que elas se afastam cada vez mais rápido de nós proporcionalmente à distância, ou seja, quanto mais distantes, mais rápido se afastam. Existe, então, uma distância em que não é possível comunicação alguma de mensagem luminosa. Tem-se a certeza da existência destas partes do universo e da inacessibilidade a elas.

Ademais, a ciência evolui em um ritmo cada vez mais rápido e mais intenso. A quantidade de descobertas, não se referindo a graus de importância, por exemplo, na área da ciência computacional nos últimos cinco anos é maior do que nos dez anos anteriores a estes cinco. Isso torna a ciência cada vez menos acessível, em sua totalidade, por um indivíduo, trazendo uma especialização que cega ao dificultar visões gerais. Cada vez mais é difícil conseguir ver o sistema, a rede, de um ângulo não contingente a uma ou outra parte.

Porém, não se deve atentar apenas para o aspecto das idéias científicas com outras idéias científicas. Mas contrapô-las também a outras mencionadas, construindo, a partir de um mundo muitas vezes hostil, um ambiente de conforto que mostra a nosso espírito a beleza de seu próprio interior, reconhecendo a cada instante a projeção de nossa estrutura interna. No mesmo sentido, os ensinamentos da moral que nos ajudam a seguir um caminho, a tomar decisões, deve ser confrontado, não para se sobrepor, mas para se harmonizar com o conhecimento científico. Deve ser instaurada uma relação de cooperação e coexistência entre o saber moral e científico, dando àquele, por meio deste, um caráter informativo que ajuda a construir sabedoria e modos de vida melhores. Neste caso, sempre se deve procurar a causa dos valores, que em geral são idéias que envelheceram. Como não podemos encontrar as origens delas, atribuímos-lhes características transcendentais. É ai que está o erro e onde devemos fazer um exercício de restauração daquilo que nos propicia um imperativo moral.

Quando a religião mostra ser o uso de anticoncepcionais um mal, pois estaria se almejando só o prazer e impedindo que a vontade da procriação divina seja feita, entra em cena a ciência e, fundamentando-se no controle de natalidade e de doenças sexualmente transmissíveis, reformula o pensamento axiológico a respeito desta conduta. Assim, a evolução da ciência se dá apenas com a evolução interior do homem enquanto ser consciente de seu poder em alterar o meio em que está.

Ademais, a pesquisa científica deve ser pura de aspirações outras que não o próprio amor ao conhecimento e não ser movida em função de interesses econômicos. Quando a ambição invade o âmbito da ciência vemos, ao invés de um progresso material que possibilita trazer evolução espiritual, um retrocesso na condição humana. Então, pesquisa-se o cosmético ao invés do remédio e a arma ao invés da melhoria e facilidade da interação entre os homens.

É verdade que muitas tecnologias foram adquiridas a partir da guerra, como a Internet e o microondas, mas nada impede que estas inovações tivessem surgido em um ambiente de paz, já que a demanda por ambas existe e é criada também na esfera civil. Devemos utilizar a ciência não para a guerra, mas para, por exemplo, informar, modificando valores, e manter a paz.

A luz da evolução das idéias científicas, dos limites e dos valores explanados, apreende-se que o progresso da ciência está intimamente ligado a evolução espiritual do homem, sendo esta sustentáculo para aquele. Consoante, a humanidade evolui quando o homem volta-se para si mesmo e pensa em descobrir, criar, construir não apenas para a sua condição enquanto indivíduo, mas para a condição humana enquanto espécie, que respeita a singularidade de cada ser, no presente e futuro. RDC, 2006.

Bibliografia:

- Problemas da física moderna, debates, editora perspectiva / 5. Os métodos e limites do conhecimento científico – Pierre Auger.


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Autor: Rafael De Conti


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