Preclusão no Processo Civil



1. Introdução

O ser humano atual é um ser sociável, condicionado a viver em grupos, com o objetivo de preservar sua espécie, porém, a vida em sociedade implica em certos conflitos oriundos da vontade do homem, as quais por muitas vezes se chocam causando um grande desgaste ao equilíbrio coletivo. Com isso, torna-se indispensável a atuação do Estado para solucionar tais problemas com a imparcialidade necessária  para o reestabelecimento da paz social.

Com o passar dos anos, surgiu um instrumento fundamental, que garantia aos sujeitos de direito o acesso à justiça de forma plena, o denominado “processo”, que consiste no conjunto de atos organizados de forma lógica e cronológica, com o escopo de obter a efetiva prestação jurisdicional pelo Estado, que tem como ponto de eclosão uma lide. No entanto, não há o que se falar em processo sem que este seja impulsionado pelas partes que tem como objetivo a solução de um conflito de interesses pretendidos pelo autor e impedidos pelo réu.

Para que tal proteção ofertada pelo Estado seja eficaz, é necessário que o processo seja célere e eficiente, para tanto, torna-se imprescindível que existam limites inerentes às práticas de certos atos, dentro do âmbito processual pelas partes envolvidas, pois, com o surgimento de diversos conflitos, notou-se que sem uma movimentação regular do processo, inatingível seria a formação válida do provimento almejado como forma de compor definitivamente o conflito jurídico. 

A importância da rápida solução do litígio é latente até mesmo no Código de Processo Civil quando estabelece que entre os deveres institucionais do magistrado estão presentes o de "velar pela rápida solução do litígio" e o de indeferir "as diligências inúteis ou meramente protelatórias", conforme redação dos artigos 125, II, e 130 respectivamente.  

Ademais, não há como tratar do tema sem citar o nome de Chiovenda, pois, foi ele quem sistematizou tal instituto, tomando como base o processo civil, especificamente a temática da coisa julgada. O jurista foi o responsável pela sistematização de um grande rol de atos processuais que tem como base o referido instituto, como a revelia, a confissão, a competência, dentre outros. Observou ainda que, em todo processo, havia um invariável mecanismo, que conduzia a relação processual a desenvolver-se em segundo um plano em que, para cada uma das faculdades processuais, se traçavam limites, e, além desses limites, o destinatário da faculdade não mais poderia dela fazer uso. Apenas dessa maneira seria viável alcançar um o provimento jurisdicional efetivo e definitivo. 

2. Conceito

Preclusão é conceituada como sendo a perda da faculdade de praticar algum ato processual, seja pelo decurso do prazo (preclusão temporal), pela prática de ato incompatível com aquele que se pretendia praticar (preclusão lógica) ou pela prática de ato defeituoso, o que obsta realizá-lo novamente (preclusão consumativa).  

Contudo, a doutrina moderna conceitua a preclusão como sendo não somente a perda de uma faculdade processual ou da perda do direito de praticar um ato no processo, mas também a perda de um poder, tendo em vista que apenas as partes possuem faculdades, enquanto o magistrado tem poderes. Segundo Cândido Rangel Dinamarco é a perda de uma situação jurídica ativa no processo, pois assim, engloba a faculdade que pertence às partes e o poder que pertence ao juiz. 

A palavra Preclusão é oriunda do latim praecludere, que significa fechar, encerrar, impedir, e consiste em um instituto processual que visa garantir a segurança jurídica, tendo em vista que evita que os processos se perpetuem pelo tempo revelando-se assim, como um fator fundamental ao desempenho da função jurisdicional desenvolvida pelo Estado.

3. Aspecto Histórico

A sistematização do instituto da preclusão decorre principalmente dos estudos do grande jurista Giuseppe Chiovenda, que foi o responsável pelo desenvolvimento do instituto ao longo dos anos. Inicialmente o ilustre processualista realizou um estudo específico acerca da temática da coisa julgada, a qual foi o ponto de eclosão para viabilizar as bases do instituto da preclusão.

Posteriormente Chiovenda estabeleceu no artigo “Cosa giudicata e competenza” a diferença entre a coisa julgada formal e material, bem como esclareceu a coisa julgada sobre a sentença que não define o mérito da lide, abarcando pela primeira vez o conceito de preclusão, de forma superficial, tendo em vista que estava atrelado ao conceito de coisa julgada formal.

Logo após, na obra “Principii di diritto processuale civile”, o eminente processualista aborda os conceitos e ressalta as diferenças entre a coisa julgada e a preclusão, porém, ainda não havia estabelecido as modalidades do instituto.

Por fim, na obra denominada “Cosa giudicata e preclusione”, Chiovenda aprofundou seus estudos identificando casos de preclusão sobre questões, bem como diferenciando a preclusão da coisa julgada, aduzindo principalmente que esta cerca as decisões que atribuem um bem da vida objeto da lide.

4. Classificação

Preclusão temporal: ocorre quando a parte, no prazo processual legal ou judicial fixado para a prática do ato, não o pratica. Exemplo 1: o Réu tem 15 (quinze) dias para responder à demanda. Caso, devidamente citado, deixa transcorrer este prazo, que é o momento processual adequado para fazê-lo, não terá outra oportunidade, acarretando a decretação da revelia, com as conseqüências processuais previstas no art. 297 do Código de Processo Civil.

Podemos dizer que o decurso do tempo o qual enseja tal modalidade de preclusão é qualificado como um fato jurídico processual, ou seja, um acontecimento da vida, sejam naturais ou humanos, que acarretam consequências jurídicas no processo, visando sempre garantir a progressão dos procedimentos.

Cumpre observar que o termo preclusão temporal serve tanto para a completa omissão do agente que deveria praticar tal ato no prazo determinado pela legislação quanto pela prática do ato a destempo, sendo este considerado ineficaz, ou seja, inábil para gerar os efeitos almejados pela parte.

Ademais a preclusão temporal independe de declaração judicial, com isso, a certificação realizada pelo serventuário da justiça é meramente declaratória, tendo como escopo evitar qualquer dúvida acerca do decurso do prazo, que pode ser reconhecido pelo juiz a qualquer tempo.

Cumpre ressaltar que o próprio Código de Processo Civil autoriza, em caráter excepcional, a prática de um ato após o curso do prazo estabelecido desde que haja justa causa, nos termos do artigo 183, nesse sentido considera-se justa causa as hipóteses de caso fortuito ou força maior.  Diante disso, o magistrado poderá permitir a realização do ato por um prazo menor do que o anterior.

Preclusão lógica: ocorre quando a parte pratica ato incompatível com outro anteriormente praticado. Exemplo: O Réu condenado a pagar determinada quantia ao Autor, deposita, voluntariamente, o valor na conta do Autor ou em Juízo, e, posteriormente, ainda no prazo recursal, interpõe recurso de apelação. Tal modalidade ocorre de forma comissiva e não omissiva como a temporal, tendo em vista que não decorre da inércia, mas sim de um ato antecedente conflitante com o subsequente.

A preclusão lógica tem como objetivo garantir o desenvolvimento do processo, de modo harmônico, sem que haja atos incompatíveis ou incoerentes que obstem a efetiva prestação jurisdicional. Ademais, cumpre ressaltar que tal modalidade de preclusão é praticada de forma comissiva, tendo em vista a necessidade da prática de dois atos e a existência de incompatibilidade lógica entre eles.

Preclusão consumativa: ocorre quando a parte pratica ato dentro do prazo legal e não poderá praticá-lo novamente, eis que já consumado.  Exemplo: prolatada a sentença, a parte sucumbente, recorre. Ainda que não expirado o prazo recursal, o ato processual cabível já foi praticado, não cabendo a interposição de novo recurso.

No entanto, parte da doutrina defende que essa modalidade não existe, tendo em vista que a prática de um ato não impede necessariamente que ele seja praticado novamente ou emendado, pois a emenda a qualquer ato processual realizado de forma válida se demonstra viável desde que seja efetuada dentro do prazo que a lei lhe destina.

Com isso, poderíamos concluir que o que existe de fato é a falta de interesse processual da parte em praticar determinado ato novamente, ou a impossibilidade temporal ou lógica de emendar ato já praticado. Tal entendimento não tem o apoio do restante da doutrina e nem da jurisprudência atual, que tem como um forte argumento a impossibilidade de emenda à contestação, que é o momento oportuno para o réu alegar toda a matéria de defesa que possuir.

Preclusão pro judicato: tal modalidade ocorre no momento em que o magistrado se pronuncia acerca de determinada questão, não sendo possível reapreciá-la sem a provocação de pelo menos uma das partes. Tal afirmação decorre da interpretação do art. 471 do Código de Processo Civil, o qual aduz que “Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide”, apresentando ainda as exceções as quais possibilitam a reapreciação.

Com isso, podemos aduzir que se o juiz decidir questão incidental por meio de decisão interlocutória, caberá à parte interessada, interpor o recurso cabível, sob pena de operar-se a preclusão pro iudicato, tanto para as partes, quanto para o juiz. Sendo assim, podemos concluir que tal modalidade consiste na impossibilidade do magistrado rever decisões proferidas anteriormente ou prolatar novas de forma incompatível com as anteriores.

5. Efeitos Associados à Preclusão

O principal efeito da preclusão é a perda da faculdade ou poder de praticar um ato dentro do processo. Contudo, existem ainda outros efeitos que estão intimamente atrelados ao referido instituto, como, por exemplo, a revelia e a perempção.

Assim, tomando por base a existência da preclusão temporal oriunda da omissão da parte em apresentar sua contestação, tal fato acarretará a revelia, que nada mais é do que a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, nos termos do artigo 319 do Código de Processo Civil, ressalvados os casos do artigo 320 do mesmo texto legal.

Acerca da perempção, trata-se esta de um efeito associado à preclusão, na medida em que é concretizada no momento em que o sujeito ativo da demanda deixa de impulsionar o processo por 3 (três) vezes consecutivas, ensejando, além da perda da possibilidade de praticar o ato processual necessário para o regular prosseguimento do feito, a extinção do feito sem resolução de mérito, com fundamento no artigo 267, III do Código de Processo Civil, bem como estará impossibilitado de repropor a ação, o que de fato caracteriza a perempção.  

Com o objetivo de entender melhor o instituto da preclusão, em especial a temporal, faz-se necessário apontar a importância da observância dos prazos dentro do processo, visando garantir a celeridade da marcha processual, evitando a morosidade excessiva que obsta a justiça.

6. Conclusão

Diante do estudo exposto, podemos concluir que a preclusão é um instituto processual que visa salientar o princípio da segurança jurídica das relações processuais, tendo em vista que delimita o espaço temporal para a prática de determinados atos, evitando que o processo se prolongue eternamente, obstando a efetiva prestação da tutela jurisdicional.

 Ademais, se demonstra como um dos mais importantes institutos do direito processual civil brasileiro uma vez que impede a procrastinação voluntária ou involuntária do processo, viabilizando o exercício constitucional do direito de ação, e consagrando o Estado como um intermediário efetivo nas relações subjetivas das quais emergem os litígios que, na maioria das vezes, deságuam na esfera do poder judiciário, movimentando a engrenagem que se constitui imprescindível para a manutenção da ordem jurídica de nossa pátria, que, ao contrário do que muitos pensam, não consiste apenas no conjunto de normas positivadas em nosso país, mas sim, no reflexo que estas normas geram em todos os aspectos de nossa sociedade, seja no âmbito social, político ou jurídico protegendo tanto os interesses do Estado democrático de direito quanto dos cidadãos que nele habitam.

7. Bibliografia

Dinamarco, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 2ª ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros, 2002, v. II.

Marinoni, Luiz Guilherme; Arenhart, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento, 4ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

Gonçalves, Marcus Vinícius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil, 9ª edição, editora Saraiva, 2012.

Gonçalves, Marcus Vinícius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil, 9ª edição, editora Saraiva, 2012.


Autor: José Etrusco Eugênio


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