O Labirinto Dos Desejos



Estava numa grande loja no shopping olhando algumas coisas para comprar, depois das escolhas me dirigi ao caixa para fazer o acerto de contas. Nesta loja porém, há uma estratégia muito bem elaborada dentro dos padrões capitalistas do consumo: tem-se um corredor em ziguezague repleto de um lado e outro de gostosuras. É um labirinto minuciosamente elaborado para excitar os desejos daqueles consumidores, que ao final de uma compra não poderiam sair da loja sem de alguma forma levar alguma ´´ besteira ``. São tantos atrativos tentadores, que são poucos os que conseguem chegar ao caixa sem ao menos dar uma paradinha em algum ponto daquele corredor dos desejos. É realmente tentador.

Quando entrei no labirinto a minha frente tinha um casal com uma criança de colo. Foi entrarmos naquela outra dimensão, naquele estado surreal e a criança brilhou os olhinhos, se esticou para olhar, e inevitavelmente, quase que por um impulso nato da natureza infante, esticou a mãozinha em direção a uma barra de chocolate, como se ela fosse o que mais lhe interessasse em todo shopping e balbuciou um da, da. A mãe sem muitas resistências, pegou a barra e deu ao seu filhinho que abriu um majestoso sorriso e ficou extremamente grato e envolvido com o presente por uns logos segundos e novamente esticou os bracinhos, mas agora em direção a um belo panetone. Agora foi a fez do pai em fazer o agrado, pegou a caixa da prateleira e orgulhoso também presenteou o filho que novamente ficou muito feliz, que pena que só por mais alguns segundos aquele presente era o que ele mais queria, mas que depois de tê-lo, não poderia satisfazê-lo e então começou novamente a procurar uma nova vítima e... ? Bem, ele agora estava com os sentidos um pouco confusos, estavam em pane e começou a querer qualquer coisa, apontava para todos os lados, mas os pais não podiam mais atendê-lo, talvez não tanto por motivos de boa vontade, mas por escassez monetária.E quando foi malgrado em seus pedidos apelou para sua arma mortal; o choro. Chorou, chorou e esperneou, mas depois de um combate mortal, ele esmoreceu no colo da mãe. Até se esqueceu do que já tinha ganhado, na verdade sua cabecinha pensava no que tinha deixado de ganhar.

Fiquei pensando sobre aquela criança que ainda não formou o que chamamos de consciência e percebi que de alguma forma todos nós somos parecidos com ela. Desejamos de mais. Na verdade passamos a vida a desejar coisas e na tentativa de conseguir o máximo do que desejamos. Porém quase sempre não sabemos o risco que corremos. Os desejos tem um poder enorme sobre nós. E passa a ser um grande perigo quando não damos a eles limites. Somos arremessados de um lado a outro e com o tempo perdemos o sentido, a direção. Temos que aprender a querer objetivamente. O nosso desejo as vezes é tão disfuncional e sem direções certas. São de fato, desorientações do desejo.E chega a realmente ser engraçado como desejamos tão dispersivamente. Queremos e não queremos, queremos e queremos mais, queremos aquilo e isto também. E o pior é que percebemos que quanto mais satisfazemos nossos desejos desmedidamente, mais eles crescem e passam a querer sempre mais.

Há muitos exemplos de como a quantidade não satisfaz o homem. Por exemplo, o politeísmo, o desejo de possuir muitos deuses, um deus para cada circunstancia. E nas religiões politeístas não há limites de deidades, sempre que se cria umcom uma especialidade específica ( deusa do amor, deus da guerra, deus do fogo etc)surge a necessidade de mais um novo e assim não conseguem gerar um culto de latria objetivo. Hoje fazemos assim também: uma bolsa para cada ocasião, um perfume para cada momento, por que não um deus para cada necessidade? Outro exemplo é a poligamia, ficamos pensando por que mesmo aquele que tem o direito de ter várias mulheres ainda assim sente não só a cobiça por outra que não é as dele, como literalmente adultera. A poligamia era para ser um remédio contra o adultério, mas o que vemos que mesmo num arem o homem sente seu corpo e seu coração inquieto a procurar o que ele não tem. Para quem lê a bíblia sabe da história do rei Davi, que mesmo possuindo inúmeras mulheres e concubinas, foi desejar a mulher de outrem e caiu em adultério. Conta-se a história de um grande rei que após longos anos em combate para conquistar o mundo, enfim se tornou soberano de toda a terra, mas para surpresa de seus generais ele ficou triste. Depois de dias em silêncio ele convocou seu conselho e disse: distribuam meu reino aos meus inimigos, pois preciso conquistá-lo novamente.

É assim, o que movia este rei não era as posses mas o desejo de posses. Não eram as coisas, mas o desejo que tinha sobre elas e se ele as tem todas, então não há uma moção dos desejos. Por isso entendemos que não rara as vezes as pessoas mais abastadas sentem um certo desprazer com vida.

Desejamos um outro carro melhor, uma casa mais confortável, um cônjuge mais romântico, um emprego mais satisfatório, um salário mais digno e assim sucessivamente...

O mundo moderno não fala muito de mortificação. Na verdade a palavra mortificar tem a ver com algo como morte da carne. Talvez isso não soe bem. Talvez dá a entender algo próximo do masoquismo. Por isso prefiro falar de desertificação. Acho que realmente precisamos desertificar alguns setores de nossa alma. Tornar nu, pobre, silencioso e talvez inabitado. Se aquele labirinto da loja não estivesse com suas prateleiras cheias de doces e chocolates, passaríamos por ele com tranqüilidade, mas isso era impossível mediante a impressão visual que ele causava. Temos labirintos dentro de nós cheios de coisas desejosas, mas não menos dispersivas. Por isso a necessidade de criar desertos dentro de nós. Não acho que os desertos existem no mundo a toa. E não vejo o deserto como sendo apenas um lugar improdutivo e sem vida. É também um lugar de paz, de realidade e de vida. O desejo muito tem a ver com a fantasia e o deserto nos arremete a realidade crua como é. O deserto tira os aparatos e nos deixa com o que somos de fato. Por isso o deserto é tão insuportável. E por isso não vemos turismo para desertos, ou se vemos, são muito infrequentes e escassos, algo para poucos corajosos. Muitas vezes desejamos coisas tão secundárias e as essenciais ficam esquecidas. O fato é que possivelmente desejamos tantas coisas supérfluas por que nos mantemos distantes das essenciais.

É indiscutível que quem não adestra seus desejos acaba escravo deles e o pior é que depois o prazer de possuir vira vazio. Caímos no dessentido das coisas quando desejamos tudo. Acontece o efeito que se deu com aquela criança, primeiro ela tinha ficado extremamente feliz, depois nem tanto e depois não sabia mais o que queria e o que ela já tinha nas mãos nem tinha mais importância por que ela estava preocupada demais em ter o que ainda não tinha.

Quem sabe desejar é quem deseja sem por nisso um fim, é quem sabe perder o que tem, é quem deixa livre as coisas que estão na sua vida.


Autor: Rodrigo Virtuoso


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