TRÊS AMORES



Três amores te dei,

o Universo, o Sol, a Lua.

O Universo, eterno e desconhecido,

majestosamente inalcançável,

que foge à compreensão do homem.

O Sol, que com raios misteriosos

aquece e agasalha a humanidade,

imperceptivelmente efêmero e fugaz.

E a Lua, brilhante feiticeira

que enternece o coração do homem,

levando-o ao delírio da paixão.

 

Ágape foi o primeiro,

amor do espírito, sem forma,

imaculado pela plenitude divina,

amor que devora a quem o sente,

amor eterno, sem magoas, sem ressentimentos,

que não precisa de um corpo

para se manifestar.

 

Philo, o amor da amizade,

eterno companheiro da vida feita carne,

que procura atingir o cerne da razão

e que ultrapassa os limites da juventude

alcançando os limiares da ilusão perdida,

foi o segundo.

 

O terceiro e último possível

a nós, que sem pretensões vãs

ludibriamos permanentemente

os desejos do mais caro anelo humano

pela total e inconfundível marca

da primavera em nossos corações,

é chamado de Eros,

e dura exatamente o tempo do esplendor da vida,

da juventude, da atração física dos pares.

 

Três amores te dei,

imaculados por brancos sonhos

sonhados em tempos diferentes.

Na eternidade do ser, antes do verbo ser carne,

-antes mesmo da manifestação material

da provável existência, já te amava-,

com estes mesmos três amores de duração,

imaginando como seria teu vir-a-ser

e em que lugar do Universo te encontraria.

 

 

 

Foi longa a caminhada da forma sem forma,

para encontrar o destino.

Que digo longa... Eterna.

Não do tempo imemorial e passageiro

determinado por longos anos de espera.

Mas no sentido real da palavra,

marcado pelo desejo de ser

e de estar junto a ti, espírito imortal,

objeto primordial e alvo irremediável

do amor que devora.

 

Este amor primário,

gestado no pulsar energético da manifestação,

veio acompanhado da divina presença.

Deslumbrantemente puro para ser

manchado pelo humano, pela carne.

Irremediavelmente deificado, para ser

entendido e humanamente correspondido.

Eternamente cultivado para ser

o berço esplêndido que aguarda o retorno.

Universalmente estendido para ser

amor derradeiro para todos os seres.

 

Quando o divino amor, eternamente espalhado

no foco pontual do nada imanifestado,

amor virtual, sem objeto, puro em sua essência,

foi a nós concedido incondicionalmente

pelo histórico fato de haver-nos transformado

na manifestação da experiência divina,

de haver-nos individualizado

como raio isolado de um sol,

-irradiante energia pura-

lançado ao acaso em direção incerta,

sem desesperança nem necessidade de retorno,

plasmou-se no coração do homem outro tipo de amor;

o amor humano, o amor de amizade,

como forma real de retardar o fogo do amor que queima,

do amor imaterial, do amor sagrado.

 

Por isso Deus possibilitou Philo,

para individualizar o alcance material,

objeto da eterna espera.

Para legar à manifestação

do espírito do homem, enraizado que está

na vida dos costumes, na carne traiçoeira,

para permitir a dignificação humana pelo amor,

que não possui senão sua própria vida

mortificada pela esperança postergada

de ser luz nas sombras, paz na guerra,

alegria na tristeza, bálsamo milagroso

que pretende curar a ferida de existir, de ser.

 

E esse amor verdadeiro, razão de vida,

muitas vezes negado ou escondido por trás

de quimêricas palavras, fruto da exacerbação

animalesca da emoção que sufoca o racional humano,

em prol de falsos argumentos em favor dos despossuídos,

aqueles mesmos que arrancam pedaços do ser

em vampiresca orgia de sobrevivência,

é a argamassa sutil que une o humano ao divino

e que se quebra frequente e perigosamente,

quando o ego tenta sobrepor-se ao Eu

rompendo traiçoeiramente as finas teias

que tecem a felicidade do homem.

 

E por último, Eros, o amor da juventude,

aquele que transmuta o vil metal em ouro,

aquele que sensualmente vivifica a energia

contida e manifesta no homem-besta.

Serpente sagrada que sobe os ínferos degraus,

desde a base ejetora do ser, até a máxima possibilidade.

Kundalínica energia poucas vezes entendida

e muitas vezes malograda, no frenético impulso

da fugaz satisfação corpórea.

Instantes transitórios de carnal  prazer

adrede povoados de sutis fantasias,

que desaparecem transitoriamente

logo após da manifestação do big-bang,

para retornar indefinida e ciclicamente

enquanto permanecer em atividade

a sensualidade do ser.

 

Este tipo de amor, criado propositalmente

como desejo de atração, objetivando

disfarçar a vil humanidade da grosseira carne,

motivo de ciúmes e discórdias entre os homens,

foi concebido para possibilitar a retirada do véu

que cobre Ágape,

para evidenciar Philo, que foi cerceado

pela intenção profana do aparecer do Ego,

na patética aventura de ter sugada a energia vital,

vampirescamente, sem possibilidades reais de retorno,

para re-ligar o humano ao divino,

último vestígio da provável divinização do homem.

 

Mas foi confundido,

tão erroneamente interpretado

que, mesmo profetizado, Deus não imaginou que o homem

fosse capaz de tamanha insensatez.

A pesar do mandamento.

 

Tal vez o plano divino venha substituir Eros

por outro tipo de amor, menos voraz, mais sutil.

Tal vez o Grande Arquiteto deva substituir o homem,

por outro menos humano, menos emocional,

Tal vez o homem devesse enceguecer,

para não ver o par alheio como provável fonte de prazer.

 

Os raros que conseguiram guardar Ágape

no fundo do coração, foram os homens santos,

aqueles que na solidão do seu ser

consomem-se lentamente pela ação do amor que devora,

aqueles que ardem sem chama aparente

abrasados e irremediavelmente consumidos

pelo amor ao espírito do homem.

 

Os poucos que chegaram à manifestação,

com consciência plena da experiência divina,

guardaram Philo no fundo do seu ser,

e espalharam seus benefícios pela humanidade afora,

sem exigir por isto, mais do que a alegria de amar.

São eles sacerdotes, verdadeiros mártires

que, no grande holocausto do celibatismo,

reafirmaram seu compromisso de chegar a Deus.

 

Os muitos que restaram, vivem Eros no dia a dia,

sem perceber a existência do amor sutil,

cujos sonhos são povoados pelos fantasmas da carne,

cuja humanidade se encontra perdida por trás de fálicos desejos.

Aqueles adoram o símbolo como manifestação da vida.

Aqueles neandertaloides seres

que permaneceram presos na evolução,

mais assemelhados aos animais que ao próprio homem.

 

E eu, que não sou santo nem sacerdote,

que me auto-excluo do resto da humanidade

pelo fato de perceber e de querer oferecer

os três amores na medida correspondente,

procurei por toda a eternidade a metade

de meu ser para completar a grande obra

da concreção desses três amores.

 

Encontrei-te um dia,

sorrateiramente clara em tua existência,

pura como flor de loto, em tua essência,

humanamente dedicada, em tua vivência,

e com desejos novos, os três amores te dei,

imaculados por brancos sonhos,

permanentemente renovados pela busca,

eternamente compromissados no espírito,

vivificantemente afiançados na divina presença,

eternamente correspondidos por teu ser,

e teu posterior vir-a-ser.

Por tudo isto, por sempre e para sempre te amarei.


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