Família Baseada No Direito: A Adoção Por Pares Homossexuais



INTRODUÇÃO

A homoparentalidade[1] ao se tornar campo legítimo de interesse e estudo[2] traz ao cenário nacional o questionamento acerca das famílias compostas por pares do mesmo sexo ou se esses podem ser famílias a partir de suas uniões estáveis. Pensar a família para além da heterossexualidade é oportunizar a inclusão dos pares homossexuais ou apenas ao individuo homossexual com filho ou sem ao direito a ser reconhecido sócio-juridicamente como instituição familiar.

Alguns homossexuais se utilizam de algumas formas para conquistarem o status de família entre elas: as tecnologias reprodutivas, a dissolução de união estável heterossexual com filhos e a adoção entre outras.

Observa-se que a adoção torna-se um dos dispositivos que legitima a parentalidade homossexual, pois consiste no acionamento do poder judiciário na tentativa de legitimar juridicamente a nova família como prevê o Estatuto da Criança e Adolescente – ECA e o Código Civil de 2002.

Com o acionamento legal da intervenção jurídica sobre os pedidos de adoção os requerentes deparam-se com requisitos objetivos e subjetivos, estabelecidos no ECA, identificados a partir dos estudos realizados pela equipe interprofissional, onde se destaca o assistente social, na condição de assessoria aos magistrados no que ser refere a habilitação de pessoas a adoção.

Partindo-se desta ótica, o presente trabalho se centra na tentativa de oportunizar uma discussão acerca da adoção por pares homossexuais a partir da solicitação ao pedido de homologação no processo de adoção. Logo, investigou-se na Vara de Infância e Juventude – VIJ/TJDFT, se as assistentes sociais, que lá trabalham, possuem o embasamento teórico-metodológico e ético-político necessário para efetivamente garantir o exercício da paternidade/maternidade de pares homossexuais.

METODOLOGIA

Para a realização do projeto fez-se uso de pesquisa de campo na seção de adoção da VIJ, pois esta é a instituição jurídica socialmente reconhecida que tem como uma das funções legitimar o processo de adoção como direito à convivência familiar e é a porta de entrada privilegiada de pares homossexuais que se habilitam a adoção. E os assistentes sociais foram escolhidos com objeto de pesquisa, pois são uns dos profissionais que o juiz dispõe para subsidiar as decisões acerca dos pedidos de habilitação à adoção.

Foi utilizado como método de coleta de dados questionário estruturado com questões que versaram sobre as categorias: adoção, família e homossexualidade. Para a crítica das falas foi utilizado o método de análise do discurso compreendendo o discurso como um todo pensado que se apresenta como objeto acabado após abstrações[3].

Ressalta-se que os nomes verdadeiros das profissionais foram substituídos pelas letras A e C e essas não correspondem as inicias dos nomes delas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Segundo Fukui, a família é uma estrutura da sociedade criada dentro de laços afetivos com fim à transmissão, de uma geração para outra, da cultura e dos valores ideológicos, morais e éticos que norteiam uma dada sociedade[4].

Assim sendo, a família é responsável pelo processo de socialização de um indivíduo interligado por padrões emocionais que compreende três ângulos diversos e complementares: a de criar condições materiais de vida, ser instituição e um valor de referência[5]. Ou seja, segundo Uziel, é um conjunto de indivíduos aparentemente ligados entre si – seja pela aliança (casamento), seja pela filiação, ou mais excepcionalmente pela adoção (parentesco) – e vivendo sob o mesmo teto (coabitação)[6].

As assistentes sociais percebem que família é um constructo sócio-histórico que ultrapassa a consangüinidade, já que definem a família para além do biologismo conjugal entre homem-mulher.

[Família] é aquele núcleo onde estão configuradas as relações afetivas que têm como referencial básico a caracterização parentalidade/filiação, independente de ser hetero/homoparental; e sim, ser um núcleo com plena capacidade de acolhimento para uma criança/adolescente (A).

Existe uma variedade de famílias e todas são consideradas durante os estudos (C).

Assim, pode-se visualizar que para ambas o conceito de família estende-se ao par homossexual. E isso se confirma ao se perceber que a conjugalidade homossexual pode ser configurada como família. Entretanto, a assistente social A é a única a explicitar a consideração da família homoparental como uma variante das possíveis configurações da instituição familiar.

Nesta relação entre pares homossexuais caracteriza um núcleo familiar e que para a criança/adolescente serão configurados os papéis parentais nesta relação (A).

Para "A", ao destacar a possibilidade de se constituir uma unidade familiar a partir da parentalidade gay ou lésbica, abriu-se precedência para se interrogar se a orientação sexual do adotante pode interferir na concretização da adoção. Ela foi enfática ao responder "não". A profissional C aparenta temor em quanto ao pedido de adoção por par homossexual.

Não. Mas é necessário aprofundar, levar os interessados a refletir sobre a motivação. Será que podemos dizer que a motivação de alguns homossexuais é transparecer ser um modelo normal de família, que não há diferença entre famílias hetero e homo?

As assistentes sociais postulam ser possível à denominação de família ao par homossexual, isto devido à compreensão de que não é a orientação sexual que determina o processo de adoção.

O principal é: como eu lido com a minha homossexualidade? Porque eu posso ser casado levar uma vida de hetero e ser homo, ter um relacionamento extraconjugal (C).

A adoção de uma criança/adolescente ocorre independente da preferência sexual do adotante. O importante nesta situação é que o lar a ser destinado a criança/adolescente seja acolhedor para que seja possível a realização da adoção (A).

As profissionais reconhecem pares homossexuais como família e postulam a possibilidade de adoção de crianças ou adolescentes por esses. Porém, ressaltam que durante alguns estudos realizados houve casos de pares homossexuais reivindicando para si o direito à adoção que tentaram esconder a orientação sexual e a vida conjugal no pleito a adoção. Isso para elas deve-se ao fato de que a sociedade não tolera o "ser diferente". No entanto, há casais que revelam sua orientação sexual e para as entrevistas isso é um ponto positivo.

Segundo Tarnovski

Afirmar publicamente uma identidade homossexual obedece a um cálculo de benefícios e prejuízos, o que faz tal decisão depender de condições extremamente circunstanciais, e o filho é um importante elemento levado em consideração[7].

Isso ocorre devido ao fato de que a sociedade consegue conceber como natural o desejo a maternidade e não a paternidade e quando o desejo é declarado por homem gay, isso pode levar as questões, entre outras, como: esse não irá abusar da criança? Ela não será vitima de um futuro gay?[8]

Segundo Sayão, o legislativo e mesmo o judiciário têm uma parcela de culpa nisso, pois, ainda, não compreendem que é um direito do par homossexual ter filhos. A eles cabe estar a par das discussões que subscrevem o tema família e educação dos filhos seja por homos ou heterossexuais. Não se deve incidir sobre um lar de par análogo biologicamente o preconceito discriminatório de não serem capazes de construir um ambiente familiar adequado à criação e educação de crianças ou adolescentes[9].

Tal fato se confirma ao se pensar que mesmo nos dias de hoje, com movimentos sociais a favor da livre expressão sexual, há, ainda, fortes ondas de violência e preconceito discriminatório. E um casal homossexual pensar em ter um filho é algo que gera desconfiança acerca das reais intenções desse, pois vivemos em uma sociedade, ainda, moralista onde o conceito de família, muitas vezes, é aquele pautado pela união sacra entre homem-mulher que gerará um filho legítimo, tendo em vista a cultura cristã do país.

Todavia, para as assistentes sociais não importa a orientação sexual desde que os propensos pais ou mães tenham reais possibilidades de exercerem a paternidade ou maternidade assegurando aos filhos plena capacidade de desenvolvimento e estejam certos de suas ações e conscientes de sua identidade sexual.

A profissional C, em entrevista disse que a orientação sexual dos adotantes faz parte do parecer social que será encaminhado ao juiz, tematizando-a como uma expressão relacional, como a heterossexualidade, "haja vista que a Lei não faz diferença quando a orientação sexual" (C) dos adotantes.

Percebe-se, assim, a tentativa por meio legal de transformar as letras da legislação brasileira em realidade. Ao incluir nos autos do processo o desejo de um casal homo adotar em conjunto uma criança ou adolescente, as profissionais poderão ajudar o juiz de família a pensar a possibilidade de se conceder a adoção no DF a um casal gay ou lésbico se de fato este casal o desejasse e o parecer social daquelas fossem favorável, legitimando assim a conjugalidade homossexual como uma variante familiar.

Conclusões

A família desde a sua gênese aos dias atuais vem passando por inúmeras modificações principalmente no que se refere à forma de organização. É exemplo o fato de que o laço consangüíneo não caracteriza a única forma de família, pois esta pode ser constituída por meio da adoção ou por afetividade estendida, o que não vem ligado a nenhum tipo de laço consangüíneo.

As famílias constituídas a partir do direito de adoção tem a mesma proteção estatal que as constituída biologicamente. Mas o que há, ainda, nos dias atuais é a falta de legislação que sancione a adoção por casais homossexuais ou a legitimidade da conjugalidade homossexual como instituição familiar.

Cabe assinalar que é permitido a um homossexual adotar isoladamente, mas tem-se que evidenciar, infelizmente, que a adoção conjunta implica, decididamente, aos profissionais nas unidades de adoção, pois a eles cabe o embate pelo reconhecimento sociojurídico das relações sexo-afetivas existentes entre pares homossexuais.

REFERÊNCIAS

AMARAL. M. Virgínia Borges. O invisível da responsabilidade social na estrutura polêmica do discurso. [Internet] http://www.discurso.ufrgs.br/sead/doc/interdiscurso/mariavirginia.pdf em 12/12/2006.

FUKUI, Lia. Família: conceitos, transformações nas últimas décadas e paradigmas. In: Famílias: aspectos conceituais e questões metodológicas em projetos. Orgs. Palma, Luiz A. e Silva, Silvia Andrade. MPAS/SAS, São Paulo: FUNDAP, 1998.

MELLO, Luiz. Família no Brasil dos anos 90: Um estudo sobre a construção social da conjugalidade homossexual. Brasília: UnB, 1999.

SAYÃO, Rosely. A família não foi destruída. Ela mudou. In: revista Época. Ed. Globo, ano IV, nº 191.

TARNOVSKI, Flávio. "Pais Assumidos": adoção e paternidade homossexual no Brasil contemporâneo. UFSC. Florianópolis, 2002 [dissertação].

UZIEL, Anna Paula. "Homossexualidade e parentalidade:Ecos de uma conjugação". In: Família e Sexualidade. Org. Heilborn – Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2004, p. 87-117.




Autor: Ricardo Soares


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