ESCREVER SEM PROBLEMAS



ESCREVER SEM PROBLEMAS

Por: Anderson Herane

1 Quem pesquisa comunica, quem não pesquisa ... copia.

Pedro Demo, na sua obra “Pesquisa: princípio científico e educativo” (1991), afirma que no nosso meio acadêmico predomina a atitude do imitador, que copia, reproduz, faz provas, e não a atitude de quem encara a realidade com espírito crítico, para reconstruí-la. Insiste: “Quem ensina carece pesquisar e quem pesquisa carece ensinar”. Essas análises são retomadas, posteriormente, em sua obra "Educar pela pesquisa" (1996).

Não se deve criar a dicotomia ensino-pesquisa acreditando ser a pesquisa privilégio de uns poucos que não querem carregar o fardo da sala de aula ou de atividades consideradas menos intelectuais. Quando da elaboração dos Planos Individuais e Departamentais de Trabalho, nas universidades públicas, os embates entre docentes, pesquisadores e as “normas” da instituição evidenciam vieses, preconceitos, defesas ou ataques a supostos privilégios.

Há o discurso, nas palavras e nos documentos, da indissociabilidade do ensino-pesquisa-extensão, trilogia esta que paira sobre a instituição como entidade soberana, mas abstrata, longe de acontecer na prática pedagógica da instituição. Na universidade, hoje, faz-se de tudo um pouco, menos pesquisar. Os poucos que se dedicam à pesquisa, fazem-no vencendo todas as limitações impostas, com sobrecargas de atividades as mais diferenciadas, pulverizando suas ações, seus resultados, dando assim a sensação de que se faz pouco na universidade pública. A solução do dilema, porém, não está no refúgio da extensão, de atividades assistencialistas que dão a ilusão de estar a universidade se imiscuindo com a realidade, assumindo comprometimentos com a população. As universidades públicas, em sua maioria, estão longe de concretizar o projeto de uma universidade intrometida nos problemas regionais.

Há uma relação dialética entre estes dois momentos da atividade acadêmica, entre o ensino e a pesquisa. Na prática, o professor (não o repetidor e decorador de textos alheios) necessita pesquisar para ensinar, e o pesquisador precisa de um locus onde colocar seu trabalho em discussão e socializá-lo.

Na Itália, por exemplo, não existem cursos de mestrado ou doutorado. Após a láurea, quem quiser continuar os estudos e ingressar na carreira universitária cursa o chamado “Dottoramento di Ricerca” (doutorado em pesquisa), que forma pesquisadores. É a primeira etapa, o primeiro degrau. A cátedra (para ser professor “ordinário”, isto é com direito a lecionar na universidade) é o último e a ele se acessa por meio de concurso público. O candidato é avaliado e selecionado pela sua produção científica. A pesquisa, portanto, é colocada na base da formação e da atuação do docente. Só ensina e pode ser chamado de “professor” aquele que pesquisa, que produz conhecimento, que pode “professar” seu credo, seu pensamento, sua teoria.

Há necessidade, então, de rompermos com o dualismo arbitrário e enraizado, existente em nossas academias, entre a pesquisa e o ensino, e assumirmos posturas críticas, criativas e científicas, se quisermos participar da construção da cidadania em nossa sociedade e de sua transformação.

2 Alguns pressupostos

O ato de pesquisar, como aliás toda e qualquer atividade humana, está impregnado de intencionalidade e de ações voltadas para os objetivos propostos. Há uma intencionalidade no sentido de que o pesquisador dá direcionamento à sua atividade. É o comprometimento do pesquisador com um tipo de sociedade. Antes das definições técnicas e instrumentais, busca responder a questões como: O que investigar? Por quê? Para quê? Para quem?

A atividade de pesquisa foi durante muito tempo entendida como uma atividade cujos princípios fundamentais estivessem acima de qualquer suspeita, sem contornos ideológicos, válidos para toda e qualquer situação histórica. Hoje, há uma tendência no seio da comunidade científica em identificar a pesquisa como processo situado, circunstanciado, localizado e relacionado com a totalidade, que atende a uma concepção de mundo, também, histórica.

Para isso, é necessária não somente a reflexão axiológica, como a epostemológica, para o encadeamento de teorias e a investigação de categorias que dêem conta de pensar as ações, os fatos em sua totalidade. Alguns pressupostos, então, são necessários ao norteamento da pesquisa:

2.1 A investigação, a pesquisa, a ciência se tornam necessárias porque a realidade não é transparente.

A realidade não é o que se “vê” de imediato, pois a relação entre o "eu" e a realidade que me rodeia (relação entre sujeito e objeto) se dá em diversos graus, desde o mítico ao racional.

Como se dá a relação entre o real e a apreensão e representação que temos dele? Como se dá o movimento do empírico para o concreto, mediado pelo pensamento, pela abstração?

São questões que devem ser postas no início da atividade científica. Conforme a resposta dada, a pesquisa traçará as diretrizes teórico-metodológicas: tomará este ou aquele rumo, optará por um enfoque idealista ou materialista, privilegiará metodologias quantitativas ou qualitativas.

O conhecimento científico é uma das modalidades de apreensão do real; não se satisfaz com o dado como ele é “apresentado” pela situação, mas o questiona e requestiona; busca apanhar os processos, as relações internas, as conexões mais íntimas.

Segundo Lukács (1981), para superar os fenômenos de sua forma imediatamente dada e alcançar a compreensão da realidade, dando-se assim a passagem dos “fatos” aos fatos na acepção verdadeira da palavra:

É preciso penetrar o seu condicionamento histórico enquanto tal e abandonar a perspectiva a partir da qual eles são dados como imediatos: é preciso submetê-los a um tratamento histórico e dialético” (p. 67).

Há necessidade, pois, de romper com o senso comum, com o imediato, com a aparência e reconstruí-los ao nível do concreto. Isso só é possível por meio de uma metodologia que torne concreto o real, que consiga superar as visões empiricistas e idealistas. Em outras palavras, é necessário um método adequado.

2.2 Necessidade de um método de abordagem adequando à própria natureza do objeto a ser investigado.

Um método científico (metá-odós) é o caminho terórico-metodológico a ser seguido não cegamente, miticamente como se aí contivesse a chave da solução do problema que se persegue. É uma “possível” pista que orienta nossa caminhada, que põe questões e problemas novos, inesperados, não percebidos, e que exige constante atenção, reflexão, criatividade e não imobilidade, fixidez a caminhos traçados de antemão, a regras preestabelecidas.

Mas, também, não é uma caminho casuístico, calcado no imediatismo e no pragmatismo. Não se trata de método mistificado, mistificador e conservador. A realidade com a qual defrontamos, em que estamos inseridos, a realidade social, psicológica, educacional, etc. É uma realidade histórica, construída e não dada. Para responder às questões postas por esta realidade complexa, foram se buscando, ao longo da história, novas abordagens, novos métodos de investigação diferentes daqueles empregados anteriormente, tentando preencher as lacunas encontradas como, sobretudo, superá-los qualitativamente na apreensão da realidade.

Esse processo não é evolutivo e cumulativo simplesmente. As metodologias novas incorporam e transformam (reeleboram) metodologias anteriores, como podem apresentar rupturas e negações. Porém, qualquer que seja a escolha teórico-metodológica, importa fazê-la conscientemente e competentemente.

2.3 A pesquisa deve revelar não apenas o movimento do presente dos fenômenos, mas como se reproduzem e se transformam.

Há uma tendência, nas abordagens e nas explicações dos fatos singulares, de perder a globalidade, a visão integrativa do fato. O singular contém o todo, e o todo não é a simples soma de fatos singulares. O fato isolado é uma abstração, é um momento artificialmente separado do todo. Deve-se, pois, pesquisar, pensar e apreender o fato em seu núcleo histórico, compreendê-lo como fato de um todo dialético, dentro de uma totalidade viva, dinâmica, que dê conta das questões postas e torne possível o conhecimento da realidade. É necessário, portanto, ultrapassar as fronteiras fechadas e incomunicáveis das diferentes áreas do conhecimento, os limites do tempo cronológico, da cotidianeidade, do aqui e agora, do imediatismo dos dados para que o fato singular ganhe vulto e dê sua parcela de contribuição na reconstrução do real, do todo, como um mosaico.

A realidade se apresenta complexa, contraditória, mas sua compreensão e explicação deve ser unitária, abrangente, diacrônica e sincrônica ao mesmo tempo. Só assim será possível entender o fenômeno em estudo como se apresenta hoje, como se dá o processo de sua reprodução e transformação. É aqui que ganha sentido e força o estudo e a pesquisa interdisciplinar. Por meio do trabalho coletivo e cooperativo, da superação das “limitações” subjetivas e objetivas próprias dos pesquisadores, de suas instituições e das diversas áreas do conhecimento, a equipe de pesquisadores busca construir outros caminhos, identificando outros objetos de estudo, outras áreas do saber, outras disciplinas.

3 Os caminhos teórico-metodológicos

O caminho da ciência [...] tem que ser concebido como uma prática social, específica e ativa [...] O primeiro momento é o da interrogação [...] para obter as respostas, há um conjunto de disponibilidades conceituais substantivas, as teorias, bem como instrumentos técnicos de recolha e de tratamento de informações organizados pelos métodos (ALMEIDA; PINTO, 1990).

Afinal, o que é uma monografia? O que ela implica ou exige para ser construída? Há algumas "regras" ou passos a serem seguidos? Em que, fundamentalmente, consiste, e em que se diferencia de outras atividades acadêmicas?

3.1 O que é uma monografia

São numerosos os conceitos, mas a própria etimologia do termo é suficiente para esclarecer seu sentido: mono-grapho (um escrito). O termo mono é rico em sentidos: um só, único, unicidade, unidade... A monografia , pois, tem a característica de ser um trabalho único, original (no sentido etimológico de “volta às origens”, às fontes, ao princípio, à essência), que tem uma especificidade (redução da abordagem a um só assunto, a um só problema), uma organicidade (forma um todo) e conduzido de forma metódica e reflexiva. Enfim, trata-se do estudo de um tema específico, delimitado, feito de forma sistemática, pormenorizada, profunda e completa.

a – Especialização: para um grande número de estudantes, talvez, seja o primeiro contato com a atividade científica. Por isso, a monografia objetiva desenvolver o hábito da pesquisa, sob a orientação de um profissional. Exige-se, pelo menos, a capacidade de síntese e ordenação do conhecimento já produzido sobre uma temática específica e a iniciação a algumas análises preliminares;

É isso que dá à monografia o caráter de cientificidade. Não é, pois, para ser confundida com os trabalhos escolares feitos em finais de disciplinas, nem com os trabalhos de síntese, resenhas críticas, informes, relatórios. Normalmente, é um tipo de atividade exigida em cursos de pós-graduação para obtenção de títulos (especialista, mestre, doutor) havendo algumas diferenças:

b – Mestrado: a dissertação a ser apresentada no final do curso resulta de um estudo teórico, ou de observação, ou experimentação, de natureza reflexiva, que consiste na ordenação das idéias sobre determinado assunto. Exige-se capacidade de sistematização, ordenação, organização do conhecimento e de crítica, isto é, o domínio sobre um tema;

c – Doutorado: a tese doutoral defendida importa em contribuição real e original para o conhecimento do tema escolhido.

Monografia é, pois, o estudo científico sobre um tema, sobre uma questão bem determinada e limitada, mas realizado com profundidade e de forma exaustiva, embora esta exigência seja menor nos cursos de especialização.

No entanto, quais os aspectos básicos a serem considerados ao se iniciar o trabalho monográfico? Vejamos em primeiro lugar diversas modalidades, diversas facetas da pesquisa e, em seguida, traçaremos os momentos mais importantes em seu desenvolvimento.

3.2 Os horizontes da investigação

Segundo Pedro Demo (1984, 1991), a pesquisa, entendida como “capacidade de elaboração própria”, pode ocorrer em horizontes diferentes (empírico, teórico, prático e metodológico), enfocando mais este ou aquele, mas há muita fecundidade e interação entre eles, um necessitando do outro para melhor ser compreendido e para que se produza conhecimento:

a – Empírico (não empiricista)

Empiria não corresponde à realidade, ao que se “vê”. O dado não nos é fornecido diretamente pela experiência, pois ele se apresenta “aparentemente” fragmentado e caótico. Todo conhecimento da realidade parte dos fatos. Contudo, quais são relevantes e merecem atenção?

Não defrontamos com o dado sem nada, não o escolhemos por acaso, por sorteio. Vemos o dado como pretendemos vê-lo, segundo aquilo que nele buscamos e queremos captar. Não há dado “puro”, como não há olhar “inocente”, despretendido. Ele em si não diz nada, só tem sentido dentro do contexto de um corpo teórico preexistente, por meio da mediação das categorias e da reflexão. Todo dado observável, pois, “supõe uma prévia construção de relações por parte do sujeito” e, portanto, de um quadro de referência, de uma teoria que permite a captação e compreensão do fato. O dado é elaborado e construído. Trata-se, então, também de momento teórico neste confronto.

b - Teórico (não teoricista)

O dado é muito mais um resultado teórico, do que um “achado”, pois é necessário decidir o que achar. É fundamental a discussão sobre “o que captar?” Por isso, deve-se dar conta de outras questões: O que é a realidade? Quais as concepções de realidade? etc.

A realidade é a mesma para todos, mas para captá-la, e dar conta de sua complexidade, é preciso concepção teórica, é preciso formular conceitos teóricos. Não é simplesmente um ato de abstração; trata-se de ato de interpretação, de momento em que a ideologia e a postura política estão intimamente presentes e enraizados, querendo ou não, tomando conhecimento ou não. Só poderemos pesquisar e conhecer o real, se tivermos a respeito dele uma teoria relativamente clara. Qualquer que seja a concepção teórica adotada, trata-se de opção, de decisão que exige comprometimento, envolvimento, participação, paixão, levando à ação, à mudança:

A realidade e a teoria estão, portanto, intimamente vinculadas. A teoria tem uma relação de comprometimento com o real, porque deste se origina e para este retorna (QUIROGA, 1991, p. 21).

c – Prático (não ativista)

As ciências humanas e sociais, de maneira mais explícita, são embrenhadas de prática. A neutralidade não ocorre, mantendo o sujeito e o objeto uma relação profunda e indissociável. Dá-se a passagem do objeto para sujeito, a realidade se subjetivisa, participa, é ativa na construção do conhecimento. O conhecimento é um produto social, coletivo e, portanto, produzido e emergido de uma prática. Não há lugar para a dicotomia teoria-prática. São dois aspectos indissociáveis da ação humana: a ação é impulsionada pelo pensamento, e este é construído sobre e pela ação. O pesquisador, portanto, busca o conhecimento da realidade para mudá-la, transformá-la, e não simplesmente para “conhecê-la”.

d – Metodológico-Instrumental (não tecnicista)

No Positivismo, a Espistemologia foi reduzida à Metodologia, e o sujeito conhecedor foi eliminado para se pretender uma objetividade no trato com a realidade. Esta deveria ser descoberta e explicada, mas não questionada. As atenções deveriam estar voltadas para o método, este sim para ser questionado, para que desse as respostas corretas. Assim, o método acabava determinado as questões a serem respondidas, e os temas para estudo eram limitados a fenômenos que pudessem levar a métodos quantitativos.

Hoje, a ciência abandona aos poucos o pedestal da neutralidade, da separação metafísica do sujeito com o seu objeto, e busca a construção do conhecimento, um conhecimento histórico-estrutural, em que a realidade mais do que o método é questionada, em que o sujeito e objeto atuam mutuamente, um determinando o outro.

Por isso, torna-se fundamental a discussão sobre a “concepção de Ciência”, sobre o Método (dialético, positivista, estruturalista, etc.) e sobre os passos da pesquisa. Assim, às questões postas, soma-se mais esta: “como captar a realidade?”

3.3 O marco teórico-metodológico

O pesquisador não somente deve possuir o domínio teórico de sua área de formação e atuação, e o domínio das técnicas de investigação, como ter a capacidade de se definir, epistemologicamente, na análise e apreensão do objeto em estudo.

Vimos que a realidade está impregnada de dados e significações. O dado não é um dado vazio, mas carregado de significações, e as significações são construídas sobre dados, não sobre o vazio.

Este movimento está constantemente presente na realidade, ao longo de todo o processo de investigação, mas na hora da formalização, da organização do trabalho, para ser relatado e socializado, torna-se didático separar, arbitrariamente, os dois momentos principais da investigação científico-educativa: o momento metodológico e o momento teórico, o tratamento teórico e o tratamento prático da realidade, ou, para repetir as palavras de Rolando Garcia (1986), o marco epistêmico e o domínio empírico.

a – O marco epistêmico:

define os objetivos da investigação, com base nas questões postas, nas perguntas às quais se pretende dar uma resposta teórica e prática. É o ponto de partida da investigação, é aqui que se vai delineando o esquema conceptual do pesquisador. Poderíamos caracterizá-lo, no momento da explicitação e redação, pelos seguintes aspectos:

- a problemática que se quer levantar, sua contextualização, tanto ao nível prático como teórico, e sua justificativa (o porque desta escolha, o que ela representa para o pesquisador e para a coletividade);

- os objetivos pretendidos;

- a revisão bibliográfica sobre a problemática a ser investigada, para se ter o “Estado de arte” sobre o assunto;

- o quadro teórico em que o esquema conceptual adotado é explicitado, buscando, na medida do possível, as fontes, e não os intérpretes;

- as hipóteses (de trabalho) que guiarão o processo de coleta e análise dos dados.

b – O domínio empírico:

define o campo empírico, os dados da experiência a serem privilegiados, escolhidos, postos em relevo na investigação por suas relações com o paradigma adotado. É o esquema metodológico, caracterizado pelos seguimentos aspectos:

- o contexto, o cenário histórico-social ao qual estão ligados os dados que serão coletados;

- o recorte da realidade, para definir, sincronicamente e diacronicamente, a materialidade do estudo, as condições de seu contorno, os limites, as fronteiras. Há nisso um certo grau de arbitrariedade;

- os procedimentos metodológicos, para definir população e amostra, tipo de pesquisa, instrumentos utilizados, os passos a serem seguidos e o tipo de análise dos dados.

A realidade é unitária e, ao mesmo tempo, complexa, mas não deve ser reduzida ao marco epistêmico ou ao domínio empírico, a uma esquema teórico-conceptual ou à realidade empírica. Secundarizar o problema, o objeto, a importância do assunto escolhido, a postura teórica em relação a aspectos técnicos da pesquisa é esvaziar todo o trabalho. Estes dois momentos interagem, ambos se perpassam, um contribui para afirmação e progressão do outro

A realidade deve ser analisada, interpretada com “objetivação” e “intersubjetividade”, isto é, buscando a objetividade dos fatos (há uma realidade objetiva), mas vendo neles a marca, a presença da ação refletida do homem e vendo na subjetividade a influência do contexto, a determinação dos fatos econômicos, políticos, sociais, culturais.

Esquematicamente, poderíamos traçar o caminho a ser seguido na investigação para se chegar a resultados qualitativamente significativos, nos seguintes momentos:

- dado imediato: dá-se a definição dos “dados” a serem coletados, sua coleta e seleção. É o momento do domínio e apropriação do material (parte-se dos fatos, mas quais dados merecem importância?);

- reflexão: é o momento da organização e interpretação dos dados “observáveis”;

- análise: é o momento da análise de cada forma de desenvolvimento do material, o momento de estabelecer relações, de apanhar os elementos em suas determinações e significações, para que o particular esteja contido no geral e ele mesmo tenha os elementos do geral; é o momento da decomposição, da associação e dissociação dos elementos constitutivos do particular e do geral. É o momento em que os dados observáveis, no dizer de Garcia (1986), tornam-se “fatos”, carregados de uma compreensão que ultrapassa aquela que se tinha no momento da partida, da observação.

- síntese: é o momento da “explicitação”. O fenômeno ou objeto estudado é pensado e refletido mediante a exposição. Isso pode oferecer ao leitor a impressão de que a realidade foi construída a priori, de se tratar de construção anterior do pensamento

A realidade, portanto, que é uma realidade em movimento, é penetrada, decomposta, compreendida e atingida pela análise, cabendo à exposição a atividade da reconstrução desta mesma realidade, pela síntese

4 Procedimentos Metodológicos

Vejamos, agora, algumas questões mais práticas que preocupam sempre o “iniciante” na atividade científica ao ter que desenvolvê-la e relatá-la.

Os caminhos da elaboração de uma monografia são vários e os mais diferentes, conforme o assunto, a metodologia e o jeito de ser do pesquisador. Contudo, caracterizam-se por serem:

a) caminhos lógicos: no texto monográfico, devem estar presentes, de maneira clara, lógica e organizada, a estrutura temática, os conteúdos e a forma de organizá-los;

b) caminhos positivos: a monografia tem um sentido “heurístico” (do grego, "achar”), da descoberta, do desocultamento, de novo olhar diante do problema; e

c) caminhos compositivos: no processo de formulação e de redação do texto da monografia, há uma estrutura formal, externa, estética de apresentação, que deve ser seguida, uma espécie de "formatação" da sua monografia.

O caminho positivo, você o construirá ao longo da pesquisa, dialogando com autores, com os dados coletados e com o seu orientador. Quanto ao caminho compositivo, encontrará orientações na obra A Aventura de ser estudante, no volume 3 e 4. Aqui nos propomos traçar alguns procedimentos, o caminho possível de um trabalho monográfico, em seus aspectos lógicos.

Por onde começar?

4.1 Definição do objeto-problema-tese

Para esse primeiro momento de decisão, é importante resgatar leituras e reflexões, anteriormente realizadas sobre o assunto, e conhecer um pouco o que está sendo produzido sobre o tema)

Objeto:

* Contextualização: embasada na vivência, nas experiências, nas preocupações e reflexões teóricas; por interesses científicos, práticos ou políticos. (ex. O fenômeno da evasão);

* Delimitação: - Fixar a extensão (identificando o sujeito e o objeto, o que se quer saber) e fixando os limites; considerar também o tempo disponível, os prazos estabelecidos para entrega do trabalho, os conhecimentos exigidos para o desenvolvimento do tema e sua formação acadêmica e profissional). (Ex. causas / fatores apontados pelos pesquisadores nos últimos 10 anos, no Brasil).

Problematização

Coloque a você mesmo questões (em forma de perguntas, de interrogações) sobre o objeto, para melhor explicitar quais são suas inquietações e dúvidas (teóricas ou práticas), qual a situação-problema que pretende responder, ou explicar, por meio da monografia. Isso o obrigará a uma reflexão, a fixar pontos de referência, a delimitar a abrangência do problema, a melhor definir o que deve ser pesquisado, a chegar à raiz (à origem - “originalidade”) da questão.

(Quais os fatores apontados pelas pesquisas? São de ordem macro e micro-estrutural? Ao longo dos dez anos, há mudanças quanto à indicação dos fatores principais? São enfatizados mais os fatores exógenos ou endógenos? Quais? Que explicações teóricas são trabalhadas? Há divergências entre os pesquisadores? São apontadas alternativas para a superação do problema?)

Tese

Qual a idéia central, a posição, a abordagem que será dada?
Por isso é monografia: mono (única)

(Ex. Dar um tratamento dialético à problemática, apontando as relações que se estabelecem entre os fatores exógenos e endógenos, levando as crianças ao chamado “fracasso” escolar. Evidenciar como a “improdutividade” da escola pública está relacionada à dinâmica do sistema produtivo, a uma lógica do capital, mas que isso não se dá de forma determinista, pois os elementos subjetivos – do professor e do aluno – têm papel fundamental de resistência nesse processo de exclusão.)

Isso facilitará a explicitação do objeto e dos objetivos do estudo

4.2 Levantamento bibliográfico

Levantamento inicial do material disponível sobre o objeto a ser pesquisado, sobre a problemática levantada (livros, capítulos de obras, artigos, dissertações, teses; em bibliotecas públicas, particulares, sites na internet);

Fichamento bibliográfico desse material coletado (referência bibliográfica e os tópicos/assuntos tratados).

4.3 Elaboração do projeto de monografia

A partir deste momento, pode ser elaborado o Projeto ou uma proposta de trabalho (“boneco”, anteprojeto) que apresente as linhas gerais da monografia.

4.4 Desenvolvimento da pesquisa

- Pesquisa Bibliográfica: leitura da documentação (Fase Heurística)

• Leitura exploratória (um sobrevôo, uma leitura “externa”, recorrendo a: índice da obra, introdução, prefácio, apresentação, resumo, orelhas, contracapa, etc.) – para fazer uma triagem (selecionar as obras....).;

• Leitura Analítica (começando das obras mais gerais e mais recentes; anotações no próprio texto);

• Documentação (apontamentos em fichas – por assuntos – ver o Plano provisório de trabalho para definir tópicos, categorias a serem anotadas na fichas e a comporem o cabeçalho das mesmas).

- Pesquisa de campo: o trabalho de elaboração dos instrumentos de coleta de dados, a coleta e a construção do plano da monografia.

4.5 (re)construção do plano

Rever e reconstruir o plano, dando-lhe uma estrutura formal: Introdução, Desenvolvimento (seqüência dos tópicos / capítulos) e Conclusão (ou Considerações Finais).

Organizar o material da pesquisa (fichas, questionários, entrevistas, etc.) de acordo com o Plano reconstruído, reorganizado.

4.6 Construção do texto

• 1. versão (construção dos parágrafos);

• Revisões (contar com ajuda do orientador, colegas, especialistas, etc.)

• Texto final

4.7 Apresentação da monografia: a "formatação"

Trata-se da exposição formal do trabalho, observando as orientações da própria instituição à qual deve ser apresentada a monografia e seguindo as normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

4.8 Divulgação do trabalho

Apresentar os resultados da reflexão, junto aos colegas, à instituição onde atuamos ou onde houve coletas de dados e/ou envolvimento no trabalho. Escrever pequeno resumo a ser apresentado em seminários, congresso, para publicação em revistas, etc. E agüentar as críticas!

 

CONCLUSÃO

A monografia, em resumo, não pode ser vista como uma tarefa enfadonha, acadêmica, como cumprimento de exigências, como algo que nada tem que ver com as atividades do dia-a-dia, como estudo abstrato desligado de nossa prática, que não tem nada a ver com a vida real. Deve ser encarada como atividade cientfífico-educativa:

- pelo constante e atento questionamento e diálogo com a realidade, busca o conhecimento e o domínio científico-tecnológico sobre a realidade de forma competente e criativa. Por outro lado,

- exige atitude política diante da realidade, para que esta seja construída de tal forma que a cidadania também seja reconstruída. Há necessidade de competência política, de paixão, de dedicação...

O trabalho de investigação deve ser visto como momento privilegiado de reflexão, de busca e apreensão da realidade, de uma totalidade viva, em movimento, que tem uma historicidade; como momento de saber e de socialização de saberes. É a tentativa e buscar nos fatos, que aparecem isolados, sua gênese constitutiva e sua natureza por meio de processo metódico e reflexivo. É um momento de auto-educação.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. 2. ed. S. Paulo: Cortez e Autores Associados, 1991.

GARCIA, Rolando. Conceptos básicos para el estudio de sistemas complejo. In: LEFF, Enrique. Los problemas del conocimiento y la perspectiva ambiental del desarrollo. Mexico: Siglo Veintiuno, 1986.

GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Record, 1999.

LUKÁCS, Gyorgy. Marxismo e questões de método na ciência social. In: NETTO, José P. (Org.). Georg Lukács: sociologia. S. Paulo: Ática, 1981.

QUIORGA, Consuelo. Invasão Positivista no marxismo: manifestações nos ensino da Metodologia no Serviço Social. S. Paulo: Cortez, 1991. 

OS "MOVIMENTOS" DO PROCESSO DA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA

IMAGEM

 

MONOGRAFIA: UMA ATIVIDADE CIENTÍFICO-EDUCATIVA

Oreste Preti

1 Quem pesquisa comunica, quem não pesquisa... copia

2 Alguns pressupostos

2.1 A investigação, a pesquisa, a ciência se tornam necessárias porque a realidade não é transparente

2.2 Necessidade de um método de abordagem adequando à própria natureza do objeto a ser investigado

2.3 A pesquisa deve revelar não apenas o movimento do presente dos fenômenos, mas como se reproduzem e se transformam

3 Os caminhos teórico-metodológicos

3.1 O que é uma monografia?

3.2 Os horizontes da investigação

3.3 O marco teórico-metodológico

4 Procedimentos metodológicos

4.1 Definição do objeto-problema-tese

4.2 Levantamento bibliográfico

4.3 Elaboração do projeto de monografia

4.4 Desenvolvimento da pesquisa

4.5 (re)Construção do plano

4.6 Construção do texto

4.7 Apresentação da monografia

4.8 Divulgação do trabalho

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

A sociedade funciona no bojo de um número infindável de discursos que se cruzam, se esbarram, se anulam, se complementam: dessa dinâmica nascem os novos discursos, os quais ajudam a alterar significados dos outros e vão alterando seus próprios significados (BACCEGA, 1995).


Em meados do século XIX, desenvolveu-se uma concepção do processo de ensino chamada “disciplina mental”, enraizada na filosofia idealista e racionalista. De acordo com essa teoria, a Educação se daria mediante um processo de treinamento da mente ou de disciplina. Quanto mais se exercita e se treina a mente, mais esta se fortalece, independentemente do conteúdo que está sendo ensinado. O que vale é a forma de estudo, e não tanto seu objeto e interesse prático.

Assim, por exemplo, justificava-se nas escolas a permanência do latim e do grego. Era a melhor maneira para se alcançar a disciplina mental. Apesar das críticas e ataques que essa teoria sofreria nos inícios do século vinte, quando do aparecimento e desenvolvimento das teorias mecanicistas e associacionistas da aprendizagem (apercepção, conexionismo e behaviorismo, com Herbart, Thorndike e Watson, respectivamente), ela se enraizaria profundamente nas práticas pedagógicas. Suas manifestações são evidentes ainda hoje

Umberto Eco, em sua obra “Como se faz uma tese”, ao falar sobre a “tesina” (trabalho monográfico) que o estudante universitário italiano apresenta ao final do curso (como requisito para obtenção da “ láurea”, isto é, da autorização para o exercício da profissão), afirma que ela, embora contestada pelos estudantes como forma de avaliação do desempenho acadêmico, serviria pelo menos para que o estudante aprendesse a pôr ordem nas próprias idéias e ordenar os dados. Seria uma experiência de trabalho metódico, de disciplina intelectual, de exercício da memória. Acrescenta: “não importa tanto o tema da tese quanto a experiência de trabalho que ela comporta” (1983, p. 5). Goldenberg (1999) é da mesma opinião, ao sustentar, também, que "não importa tanto o tema escolhido, mas a experiência de trabalho de pesquisa" (p. 68).

O tema, o conteúdo do trabalho científico seria, pois, secundário com respeito ao método de trabalho e à experiência adquirida. Isso não seria esvaziar e tornar sem sentido a pesquisa e pouco significativa para o aluno? Mais adiante, o autor ainda insiste: “trabalhando-se bem, não existe tema que seja verdadeiramente estúpido” (!).

Talvez, o autor quisesse, com isso, afirmar que a monografia, apesar de todas as limitações a que pode estar sujeita, não deixa de ter sua importância na formação do estudante, na iniciação a um trabalho metódico e disciplinado. O que venho constatando nesses últimos anos em cursos de especialização, é que para muitos estudantes o trabalho monográfico é visto como um fardo, como uma atividade penosa e inútil, mas que deve ser executada por ser uma exigência para a obtenção de uma titulação e cuja importância é vista somente pelos orientadores. Para a maioria deles, talvez, seja esta a primeira e única experiência de atividade científica em sua vida profissional.

Esta visão “academicista” tem contribuído, em parte, na produção medíocre de grande número de monografias apresentadas ao final destes cursos de especialização, sem resultado prático na formação e na prática destes profissionais. Então, qual o sentido e o significado da exigência da monografia?

O trabalho científico, ao ser desenvolvido e organizado, não é simplesmente um exercício de domínio de alguns procedimentos técnicos e metodológicos úteis à produção de determinado conhecimento, mas, sobretudo, é um momento pedagógico, educativo e político de formação do jovem estudante. Esta atividade acadêmica só tem sentido como atividade humana, capaz de produzir conhecimentos e de transformar a realidade, na medida em que participa na construção da cidadania.

Colocamos, a seguir, para o debate, nossas reflexões sobre alguns aspectos que consideramos básicos para desenvolvimento de um trabalho científico.

1 Quem pesquisa comunica, quem não pesquisa ... copia.

Pedro Demo, na sua obra “Pesquisa: princípio científico e educativo” (1991), afirma que no nosso meio acadêmico predomina a atitude do imitador, que copia, reproduz, faz provas, e não a atitude de quem encara a realidade com espírito crítico, para reconstruí-la. Insiste: “Quem ensina carece pesquisar e quem pesquisa carece ensinar”. Essas análises são retomadas, posteriormente, em sua obra "Educar pela pesquisa" (1996).

Não se deve criar a dicotomia ensino-pesquisa acreditando ser a pesquisa privilégio de uns poucos que não querem carregar o fardo da sala de aula ou de atividades consideradas menos intelectuais. Quando da elaboração dos Planos Individuais e Departamentais de Trabalho, nas universidades públicas, os embates entre docentes, pesquisadores e as “normas” da instituição evidenciam vieses, preconceitos, defesas ou ataques a supostos privilégios.

Há o discurso, nas palavras e nos documentos, da indissociabilidade do ensino-pesquisa-extensão, trilogia esta que paira sobre a instituição como entidade soberana, mas abstrata, longe de acontecer na prática pedagógica da instituição. Na universidade, hoje, faz-se de tudo um pouco, menos pesquisar. Os poucos que se dedicam à pesquisa, fazem-no vencendo todas as limitações impostas, com sobrecargas de atividades as mais diferenciadas, pulverizando suas ações, seus resultados, dando assim a sensação de que se faz pouco na universidade pública. A solução do dilema, porém, não está no refúgio da extensão, de atividades assistencialistas que dão a ilusão de estar a universidade se imiscuindo com a realidade, assumindo comprometimentos com a população. As universidades públicas, em sua maioria, estão longe de concretizar o projeto de uma universidade intrometida nos problemas regionais.

Há uma relação dialética entre estes dois momentos da atividade acadêmica, entre o ensino e a pesquisa. Na prática, o professor (não o repetidor e decorador de textos alheios) necessita pesquisar para ensinar, e o pesquisador precisa de um locus onde colocar seu trabalho em discussão e socializá-lo.

Na Itália, por exemplo, não existem cursos de mestrado ou doutorado. Após a láurea, quem quiser continuar os estudos e ingressar na carreira universitária cursa o chamado “Dottoramento di Ricerca” (doutorado em pesquisa), que forma pesquisadores. É a primeira etapa, o primeiro degrau. A cátedra (para ser professor “ordinário”, isto é com direito a lecionar na universidade) é o último e a ele se acessa por meio de concurso público. O candidato é avaliado e selecionado pela sua produção científica. A pesquisa, portanto, é colocada na base da formação e da atuação do docente. Só ensina e pode ser chamado de “professor” aquele que pesquisa, que produz conhecimento, que pode “professar” seu credo, seu pensamento, sua teoria.

Há necessidade, então, de rompermos com o dualismo arbitrário e enraizado, existente em nossas academias, entre a pesquisa e o ensino, e assumirmos posturas críticas, criativas e científicas, se quisermos participar da construção da cidadania em nossa sociedade e de sua transformação.

2 Alguns pressupostos

O ato de pesquisar, como aliás toda e qualquer atividade humana, está impregnado de intencionalidade e de ações voltadas para os objetivos propostos. Há uma intencionalidade no sentido de que o pesquisador dá direcionamento à sua atividade. É o comprometimento do pesquisador com um tipo de sociedade. Antes das definições técnicas e instrumentais, busca responder a questões como: O que investigar? Por quê? Para quê? Para quem?

A atividade de pesquisa foi durante muito tempo entendida como uma atividade cujos princípios fundamentais estivessem acima de qualquer suspeita, sem contornos ideológicos, válidos para toda e qualquer situação histórica. Hoje, há uma tendência no seio da comunidade científica em identificar a pesquisa como processo situado, circunstanciado, localizado e relacionado com a totalidade, que atende a uma concepção de mundo, também, histórica.

Para isso, é necessária não somente a reflexão axiológica, como a epostemológica, para o encadeamento de teorias e a investigação de categorias que dêem conta de pensar as ações, os fatos em sua totalidade. Alguns pressupostos, então, são necessários ao norteamento da pesquisa:

2.1 A investigação, a pesquisa, a ciência se tornam necessárias porque a realidade não é transparente.

A realidade não é o que se “vê” de imediato, pois a relação entre o "eu" e a realidade que me rodeia (relação entre sujeito e objeto) se dá em diversos graus, desde o mítico ao racional.

Como se dá a relação entre o real e a apreensão e representação que temos dele? Como se dá o movimento do empírico para o concreto, mediado pelo pensamento, pela abstração?

São questões que devem ser postas no início da atividade científica. Conforme a resposta dada, a pesquisa traçará as diretrizes teórico-metodológicas: tomará este ou aquele rumo, optará por um enfoque idealista ou materialista, privilegiará metodologias quantitativas ou qualitativas.

O conhecimento científico é uma das modalidades de apreensão do real; não se satisfaz com o dado como ele é “apresentado” pela situação, mas o questiona e requestiona; busca apanhar os processos, as relações internas, as conexões mais íntimas.

Segundo Lukács (1981), para superar os fenômenos de sua forma imediatamente dada e alcançar a compreensão da realidade, dando-se assim a passagem dos “fatos” aos fatos na acepção verdadeira da palavra:

É preciso penetrar o seu condicionamento histórico enquanto tal e abandonar a perspectiva a partir da qual eles são dados como imediatos: é preciso submetê-los a um tratamento histórico e dialético” (p. 67).

Há necessidade, pois, de romper com o senso comum, com o imediato, com a aparência e reconstruí-los ao nível do concreto. Isso só é possível por meio de uma metodologia que torne concreto o real, que consiga superar as visões empiricistas e idealistas. Em outras palavras, é necessário um método adequado.

2.2 Necessidade de um método de abordagem adequando à própria natureza do objeto a ser investigado.

Um método científico (metá-odós) é o caminho terórico-metodológico a ser seguido não cegamente, miticamente como se aí contivesse a chave da solução do problema que se persegue. É uma “possível” pista que orienta nossa caminhada, que põe questões e problemas novos, inesperados, não percebidos, e que exige constante atenção, reflexão, criatividade e não imobilidade, fixidez a caminhos traçados de antemão, a regras preestabelecidas.

Mas, também, não é uma caminho casuístico, calcado no imediatismo e no pragmatismo. Não se trata de método mistificado, mistificador e conservador. A realidade com a qual defrontamos, em que estamos inseridos, a realidade social, psicológica, educacional, etc. É uma realidade histórica, construída e não dada. Para responder às questões postas por esta realidade complexa, foram se buscando, ao longo da história, novas abordagens, novos métodos de investigação diferentes daqueles empregados anteriormente, tentando preencher as lacunas encontradas como, sobretudo, superá-los qualitativamente na apreensão da realidade.

Esse processo não é evolutivo e cumulativo simplesmente. As metodologias novas incorporam e transformam (reeleboram) metodologias anteriores, como podem apresentar rupturas e negações. Porém, qualquer que seja a escolha teórico-metodológica, importa fazê-la conscientemente e competentemente.

2.3 A pesquisa deve revelar não apenas o movimento do presente dos fenômenos, mas como se reproduzem e se transformam.

Há uma tendência, nas abordagens e nas explicações dos fatos singulares, de perder a globalidade, a visão integrativa do fato. O singular contém o todo, e o todo não é a simples soma de fatos singulares. O fato isolado é uma abstração, é um momento artificialmente separado do todo. Deve-se, pois, pesquisar, pensar e apreender o fato em seu núcleo histórico, compreendê-lo como fato de um todo dialético, dentro de uma totalidade viva, dinâmica, que dê conta das questões postas e torne possível o conhecimento da realidade. É necessário, portanto, ultrapassar as fronteiras fechadas e incomunicáveis das diferentes áreas do conhecimento, os limites do tempo cronológico, da cotidianeidade, do aqui e agora, do imediatismo dos dados para que o fato singular ganhe vulto e dê sua parcela de contribuição na reconstrução do real, do todo, como um mosaico.

A realidade se apresenta complexa, contraditória, mas sua compreensão e explicação deve ser unitária, abrangente, diacrônica e sincrônica ao mesmo tempo. Só assim será possível entender o fenômeno em estudo como se apresenta hoje, como se dá o processo de sua reprodução e transformação. É aqui que ganha sentido e força o estudo e a pesquisa interdisciplinar. Por meio do trabalho coletivo e cooperativo, da superação das “limitações” subjetivas e objetivas próprias dos pesquisadores, de suas instituições e das diversas áreas do conhecimento, a equipe de pesquisadores busca construir outros caminhos, identificando outros objetos de estudo, outras áreas do saber, outras disciplinas.

3 Os caminhos teórico-metodológicos

O caminho da ciência [...] tem que ser concebido como uma prática social, específica e ativa [...] O primeiro momento é o da interrogação [...] para obter as respostas, há um conjunto de disponibilidades conceituais substantivas, as teorias, bem como instrumentos técnicos de recolha e de tratamento de informações organizados pelos métodos (ALMEIDA; PINTO, 1990).

Afinal, o que é uma monografia? O que ela implica ou exige para ser construída? Há algumas "regras" ou passos a serem seguidos? Em que, fundamentalmente, consiste, e em que se diferencia de outras atividades acadêmicas?

3.1 O que é uma monografia

São numerosos os conceitos, mas a própria etimologia do termo é suficiente para esclarecer seu sentido: mono-grapho (um escrito). O termo mono é rico em sentidos: um só, único, unicidade, unidade... A monografia , pois, tem a característica de ser um trabalho único, original (no sentido etimológico de “volta às origens”, às fontes, ao princípio, à essência), que tem uma especificidade (redução da abordagem a um só assunto, a um só problema), uma organicidade (forma um todo) e conduzido de forma metódica e reflexiva. Enfim, trata-se do estudo de um tema específico, delimitado, feito de forma sistemática, pormenorizada, profunda e completa.

a – Especialização: para um grande número de estudantes, talvez, seja o primeiro contato com a atividade científica. Por isso, a monografia objetiva desenvolver o hábito da pesquisa, sob a orientação de um profissional. Exige-se, pelo menos, a capacidade de síntese e ordenação do conhecimento já produzido sobre uma temática específica e a iniciação a algumas análises preliminares;

É isso que dá à monografia o caráter de cientificidade. Não é, pois, para ser confundida com os trabalhos escolares feitos em finais de disciplinas, nem com os trabalhos de síntese, resenhas críticas, informes, relatórios. Normalmente, é um tipo de atividade exigida em cursos de pós-graduação para obtenção de títulos (especialista, mestre, doutor) havendo algumas diferenças:

b – Mestrado: a dissertação a ser apresentada no final do curso resulta de um estudo teórico, ou de observação, ou experimentação, de natureza reflexiva, que consiste na ordenação das idéias sobre determinado assunto. Exige-se capacidade de sistematização, ordenação, organização do conhecimento e de crítica, isto é, o domínio sobre um tema;

c – Doutorado: a tese doutoral defendida importa em contribuição real e original para o conhecimento do tema escolhido.

Monografia é, pois, o estudo científico sobre um tema, sobre uma questão bem determinada e limitada, mas realizado com profundidade e de forma exaustiva, embora esta exigência seja menor nos cursos de especialização.

No entanto, quais os aspectos básicos a serem considerados ao se iniciar o trabalho monográfico? Vejamos em primeiro lugar diversas modalidades, diversas facetas da pesquisa e, em seguida, traçaremos os momentos mais importantes em seu desenvolvimento.

3.2 Os horizontes da investigação

Segundo Pedro Demo (1984, 1991), a pesquisa, entendida como “capacidade de elaboração própria”, pode ocorrer em horizontes diferentes (empírico, teórico, prático e metodológico), enfocando mais este ou aquele, mas há muita fecundidade e interação entre eles, um necessitando do outro para melhor ser compreendido e para que se produza conhecimento:

a – Empírico (não empiricista)

Empiria não corresponde à realidade, ao que se “vê”. O dado não nos é fornecido diretamente pela experiência, pois ele se apresenta “aparentemente” fragmentado e caótico. Todo conhecimento da realidade parte dos fatos. Contudo, quais são relevantes e merecem atenção?

Não defrontamos com o dado sem nada, não o escolhemos por acaso, por sorteio. Vemos o dado como pretendemos vê-lo, segundo aquilo que nele buscamos e queremos captar. Não há dado “puro”, como não há olhar “inocente”, despretendido. Ele em si não diz nada, só tem sentido dentro do contexto de um corpo teórico preexistente, por meio da mediação das categorias e da reflexão. Todo dado observável, pois, “supõe uma prévia construção de relações por parte do sujeito” e, portanto, de um quadro de referência, de uma teoria que permite a captação e compreensão do fato. O dado é elaborado e construído. Trata-se, então, também de momento teórico neste confronto.

b - Teórico (não teoricista)

O dado é muito mais um resultado teórico, do que um “achado”, pois é necessário decidir o que achar. É fundamental a discussão sobre “o que captar?” Por isso, deve-se dar conta de outras questões: O que é a realidade? Quais as concepções de realidade? etc.

A realidade é a mesma para todos, mas para captá-la, e dar conta de sua complexidade, é preciso concepção teórica, é preciso formular conceitos teóricos. Não é simplesmente um ato de abstração; trata-se de ato de interpretação, de momento em que a ideologia e a postura política estão intimamente presentes e enraizados, querendo ou não, tomando conhecimento ou não. Só poderemos pesquisar e conhecer o real, se tivermos a respeito dele uma teoria relativamente clara. Qualquer que seja a concepção teórica adotada, trata-se de opção, de decisão que exige comprometimento, envolvimento, participação, paixão, levando à ação, à mudança:

A realidade e a teoria estão, portanto, intimamente vinculadas. A teoria tem uma relação de comprometimento com o real, porque deste se origina e para este retorna (QUIROGA, 1991, p. 21).

c – Prático (não ativista)

As ciências humanas e sociais, de maneira mais explícita, são embrenhadas de prática. A neutralidade não ocorre, mantendo o sujeito e o objeto uma relação profunda e indissociável. Dá-se a passagem do objeto para sujeito, a realidade se subjetivisa, participa, é ativa na construção do conhecimento. O conhecimento é um produto social, coletivo e, portanto, produzido e emergido de uma prática. Não há lugar para a dicotomia teoria-prática. São dois aspectos indissociáveis da ação humana: a ação é impulsionada pelo pensamento, e este é construído sobre e pela ação. O pesquisador, portanto, busca o conhecimento da realidade para mudá-la, transformá-la, e não simplesmente para “conhecê-la”.

d – Metodológico-Instrumental (não tecnicista)

No Positivismo, a Espistemologia foi reduzida à Metodologia, e o sujeito conhecedor foi eliminado para se pretender uma objetividade no trato com a realidade. Esta deveria ser descoberta e explicada, mas não questionada. As atenções deveriam estar voltadas para o método, este sim para ser questionado, para que desse as respostas corretas. Assim, o método acabava determinado as questões a serem respondidas, e os temas para estudo eram limitados a fenômenos que pudessem levar a métodos quantitativos.

Hoje, a ciência abandona aos poucos o pedestal da neutralidade, da separação metafísica do sujeito com o seu objeto, e busca a construção do conhecimento, um conhecimento histórico-estrutural, em que a realidade mais do que o método é questionada, em que o sujeito e objeto atuam mutuamente, um determinando o outro.

Por isso, torna-se fundamental a discussão sobre a “concepção de Ciência”, sobre o Método (dialético, positivista, estruturalista, etc.) e sobre os passos da pesquisa. Assim, às questões postas, soma-se mais esta: “como captar a realidade?”

3.3 O marco teórico-metodológico

O pesquisador não somente deve possuir o domínio teórico de sua área de formação e atuação, e o domínio das técnicas de investigação, como ter a capacidade de se definir, epistemologicamente, na análise e apreensão do objeto em estudo.

Vimos que a realidade está impregnada de dados e significações. O dado não é um dado vazio, mas carregado de significações, e as significações são construídas sobre dados, não sobre o vazio.

Este movimento está constantemente presente na realidade, ao longo de todo o processo de investigação, mas na hora da formalização, da organização do trabalho, para ser relatado e socializado, torna-se didático separar, arbitrariamente, os dois momentos principais da investigação científico-educativa: o momento metodológico e o momento teórico, o tratamento teórico e o tratamento prático da realidade, ou, para repetir as palavras de Rolando Garcia (1986), o marco epistêmico e o domínio empírico.

a – O marco epistêmico:

define os objetivos da investigação, com base nas questões postas, nas perguntas às quais se pretende dar uma resposta teórica e prática. É o ponto de partida da investigação, é aqui que se vai delineando o esquema conceptual do pesquisador. Poderíamos caracterizá-lo, no momento da explicitação e redação, pelos seguintes aspectos:

- a problemática que se quer levantar, sua contextualização, tanto ao nível prático como teórico, e sua justificativa (o porque desta escolha, o que ela representa para o pesquisador e para a coletividade);

- os objetivos pretendidos;

- a revisão bibliográfica sobre a problemática a ser investigada, para se ter o “Estado de arte” sobre o assunto;

- o quadro teórico em que o esquema conceptual adotado é explicitado, buscando, na medida do possível, as fontes, e não os intérpretes;

- as hipóteses (de trabalho) que guiarão o processo de coleta e análise dos dados.

b – O domínio empírico:

define o campo empírico, os dados da experiência a serem privilegiados, escolhidos, postos em relevo na investigação por suas relações com o paradigma adotado. É o esquema metodológico, caracterizado pelos seguimentos aspectos:

- o contexto, o cenário histórico-social ao qual estão ligados os dados que serão coletados;

- o recorte da realidade, para definir, sincronicamente e diacronicamente, a materialidade do estudo, as condições de seu contorno, os limites, as fronteiras. Há nisso um certo grau de arbitrariedade;

- os procedimentos metodológicos, para definir população e amostra, tipo de pesquisa, instrumentos utilizados, os passos a serem seguidos e o tipo de análise dos dados.

A realidade é unitária e, ao mesmo tempo, complexa, mas não deve ser reduzida ao marco epistêmico ou ao domínio empírico, a uma esquema teórico-conceptual ou à realidade empírica. Secundarizar o problema, o objeto, a importância do assunto escolhido, a postura teórica em relação a aspectos técnicos da pesquisa é esvaziar todo o trabalho. Estes dois momentos interagem, ambos se perpassam, um contribui para afirmação e progressão do outro

A realidade deve ser analisada, interpretada com “objetivação” e “intersubjetividade”, isto é, buscando a objetividade dos fatos (há uma realidade objetiva), mas vendo neles a marca, a presença da ação refletida do homem e vendo na subjetividade a influência do contexto, a determinação dos fatos econômicos, políticos, sociais, culturais.

Esquematicamente, poderíamos traçar o caminho a ser seguido na investigação para se chegar a resultados qualitativamente significativos, nos seguintes momentos:

- dado imediato: dá-se a definição dos “dados” a serem coletados, sua coleta e seleção. É o momento do domínio e apropriação do material (parte-se dos fatos, mas quais dados merecem importância?);

- reflexão: é o momento da organização e interpretação dos dados “observáveis”;

- análise: é o momento da análise de cada forma de desenvolvimento do material, o momento de estabelecer relações, de apanhar os elementos em suas determinações e significações, para que o particular esteja contido no geral e ele mesmo tenha os elementos do geral; é o momento da decomposição, da associação e dissociação dos elementos constitutivos do particular e do geral. É o momento em que os dados observáveis, no dizer de Garcia (1986), tornam-se “fatos”, carregados de uma compreensão que ultrapassa aquela que se tinha no momento da partida, da observação.

- síntese: é o momento da “explicitação”. O fenômeno ou objeto estudado é pensado e refletido mediante a exposição. Isso pode oferecer ao leitor a impressão de que a realidade foi construída a priori, de se tratar de construção anterior do pensamento

A realidade, portanto, que é uma realidade em movimento, é penetrada, decomposta, compreendida e atingida pela análise, cabendo à exposição a atividade da reconstrução desta mesma realidade, pela síntese

4 Procedimentos Metodológicos

Vejamos, agora, algumas questões mais práticas que preocupam sempre o “iniciante” na atividade científica ao ter que desenvolvê-la e relatá-la.

Os caminhos da elaboração de uma monografia são vários e os mais diferentes, conforme o assunto, a metodologia e o jeito de ser do pesquisador. Contudo, caracterizam-se por serem:

a) caminhos lógicos: no texto monográfico, devem estar presentes, de maneira clara, lógica e organizada, a estrutura temática, os conteúdos e a forma de organizá-los;

b) caminhos positivos: a monografia tem um sentido “heurístico” (do grego, "achar”), da descoberta, do desocultamento, de novo olhar diante do problema; e

c) caminhos compositivos: no processo de formulação e de redação do texto da monografia, há uma estrutura formal, externa, estética de apresentação, que deve ser seguida, uma espécie de "formatação" da sua monografia.

O caminho positivo, você o construirá ao longo da pesquisa, dialogando com autores, com os dados coletados e com o seu orientador. Quanto ao caminho compositivo, encontrará orientações na obra A Aventura de ser estudante, no volume 3 e 4. Aqui nos propomos traçar alguns procedimentos, o caminho possível de um trabalho monográfico, em seus aspectos lógicos.

Por onde começar?

4.1 Definição do objeto-problema-tese

Para esse primeiro momento de decisão, é importante resgatar leituras e reflexões, anteriormente realizadas sobre o assunto, e conhecer um pouco o que está sendo produzido sobre o tema)

Objeto:

* Contextualização: embasada na vivência, nas experiências, nas preocupações e reflexões teóricas; por interesses científicos, práticos ou políticos. (ex. O fenômeno da evasão);

* Delimitação: - Fixar a extensão (identificando o sujeito e o objeto, o que se quer saber) e fixando os limites; considerar também o tempo disponível, os prazos estabelecidos para entrega do trabalho, os conhecimentos exigidos para o desenvolvimento do tema e sua formação acadêmica e profissional). (Ex. causas / fatores apontados pelos pesquisadores nos últimos 10 anos, no Brasil).

Problematização

Coloque a você mesmo questões (em forma de perguntas, de interrogações) sobre o objeto, para melhor explicitar quais são suas inquietações e dúvidas (teóricas ou práticas), qual a situação-problema que pretende responder, ou explicar, por meio da monografia. Isso o obrigará a uma reflexão, a fixar pontos de referência, a delimitar a abrangência do problema, a melhor definir o que deve ser pesquisado, a chegar à raiz (à origem - “originalidade”) da questão.

(Quais os fatores apontados pelas pesquisas? São de ordem macro e micro-estrutural? Ao longo dos dez anos, há mudanças quanto à indicação dos fatores principais? São enfatizados mais os fatores exógenos ou endógenos? Quais? Que explicações teóricas são trabalhadas? Há divergências entre os pesquisadores? São apontadas alternativas para a superação do problema?)

Tese

Qual a idéia central, a posição, a abordagem que será dada?
Por isso é monografia: mono (única)

(Ex. Dar um tratamento dialético à problemática, apontando as relações que se estabelecem entre os fatores exógenos e endógenos, levando as crianças ao chamado “fracasso” escolar. Evidenciar como a “improdutividade” da escola pública está relacionada à dinâmica do sistema produtivo, a uma lógica do capital, mas que isso não se dá de forma determinista, pois os elementos subjetivos – do professor e do aluno – têm papel fundamental de resistência nesse processo de exclusão.)

Isso facilitará a explicitação do objeto e dos objetivos do estudo

4.2 Levantamento bibliográfico

Levantamento inicial do material disponível sobre o objeto a ser pesquisado, sobre a problemática levantada (livros, capítulos de obras, artigos, dissertações, teses; em bibliotecas públicas, particulares, sites na internet);

Fichamento bibliográfico desse material coletado (referência bibliográfica e os tópicos/assuntos tratados).

4.3 Elaboração do projeto de monografia

A partir deste momento, pode ser elaborado o Projeto ou uma proposta de trabalho (“boneco”, anteprojeto) que apresente as linhas gerais da monografia.

4.4 Desenvolvimento da pesquisa

- Pesquisa Bibliográfica: leitura da documentação (Fase Heurística)

• Leitura exploratória (um sobrevôo, uma leitura “externa”, recorrendo a: índice da obra, introdução, prefácio, apresentação, resumo, orelhas, contracapa, etc.) – para fazer uma triagem (selecionar as obras....).;

• Leitura Analítica (começando das obras mais gerais e mais recentes; anotações no próprio texto);

• Documentação (apontamentos em fichas – por assuntos – ver o Plano provisório de trabalho para definir tópicos, categorias a serem anotadas na fichas e a comporem o cabeçalho das mesmas).

- Pesquisa de campo: o trabalho de elaboração dos instrumentos de coleta de dados, a coleta e a construção do plano da monografia.

4.5 (re)construção do plano

Rever e reconstruir o plano, dando-lhe uma estrutura formal: Introdução, Desenvolvimento (seqüência dos tópicos / capítulos) e Conclusão (ou Considerações Finais).

Organizar o material da pesquisa (fichas, questionários, entrevistas, etc.) de acordo com o Plano reconstruído, reorganizado.

4.6 Construção do texto

• 1. versão (construção dos parágrafos);

• Revisões (contar com ajuda do orientador, colegas, especialistas, etc.)

• Texto final

4.7 Apresentação da monografia: a "formatação"

Trata-se da exposição formal do trabalho, observando as orientações da própria instituição à qual deve ser apresentada a monografia e seguindo as normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

4.8 Divulgação do trabalho

Apresentar os resultados da reflexão, junto aos colegas, à instituição onde atuamos ou onde houve coletas de dados e/ou envolvimento no trabalho. Escrever pequeno resumo a ser apresentado em seminários, congresso, para publicação em revistas, etc. E agüentar as críticas!

 

CONCLUSÃO

A monografia, em resumo, não pode ser vista como uma tarefa enfadonha, acadêmica, como cumprimento de exigências, como algo que nada tem que ver com as atividades do dia-a-dia, como estudo abstrato desligado de nossa prática, que não tem nada a ver com a vida real. Deve ser encarada como atividade cientfífico-educativa:

- pelo constante e atento questionamento e diálogo com a realidade, busca o conhecimento e o domínio científico-tecnológico sobre a realidade de forma competente e criativa. Por outro lado,

- exige atitude política diante da realidade, para que esta seja construída de tal forma que a cidadania também seja reconstruída. Há necessidade de competência política, de paixão, de dedicação...

O trabalho de investigação deve ser visto como momento privilegiado de reflexão, de busca e apreensão da realidade, de uma totalidade viva, em movimento, que tem uma historicidade; como momento de saber e de socialização de saberes. É a tentativa e buscar nos fatos, que aparecem isolados, sua gênese constitutiva e sua natureza por meio de processo metódico e reflexivo. É um momento de auto-educação.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. 2. ed. S. Paulo: Cortez e Autores Associados, 1991.

GARCIA, Rolando. Conceptos básicos para el estudio de sistemas complejo. In: LEFF, Enrique. Los problemas del conocimiento y la perspectiva ambiental del desarrollo. Mexico: Siglo Veintiuno, 1986.

GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Record, 1999.

LUKÁCS, Gyorgy. Marxismo e questões de método na ciência social. In: NETTO, José P. (Org.). Georg Lukács: sociologia. S. Paulo: Ática, 1981.

QUIORGA, Consuelo. Invasão Positivista no marxismo: manifestações nos ensino da Metodologia no Serviço Social. S. Paulo: Cortez, 1991. 

OS "MOVIMENTOS" DO PROCESSO DA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA

IMAGEM

 

 

O PROJETO DE PESQUISA: "O CAMINHO DAS PEDRAS"

Oreste Preti

1 Os caminhos da pesquisa

1 O projeto

    2.1 Elementos compositivos

    2.2 Exemplo de Anteprojeto (pesquisa empírica)

    2.3 "Formatação" do projeto

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colmeia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes, idealmente, na imaginação do trabalhador (K. Marx).


Vai chegar a hora de você colocar a "mão na massa". Os módulos iniciais do curso lhe servirão de base teórica para dar sustentação ao seu trabalho monográfico, trabalho conclusivo do seu percurso no curso de especialização em Direito Ambiental. Por isso, queremos lhe propor agora que inicie o caminho da construção do seu projeto de pesquisa. Pode parecer estranho, não é. Mas como? Ainda nem sei o que os módulos vão apresentar?

Você pode, porém, ao ler o projeto pedagógico do curso dimensionar os temas, os conteúdos, as abordagens, os autores que servirão de base, etc. além do conhecimento que você traz da sua experiência no campo da questão ambiental, não é? Então, não precisa aguardar o término dos módulos para começar a pensar na monografia. Quem sabe, talvez, você já veio ao curso com um tema, um problema em sua mente, com o desejo de querer estudar com mais profundidade e a partir dele produzir sua monografia. Isso seria excelente! Mas vamos retornar ao assunto.

Será que a redação do projeto de monografia é um percurso mais simples do que o que terá que percorrer ao longo do curso?

À primeira vista parece que sim, mas não é bem assim. O projeto que irá elaborar se apresenta aqui como uma espécie de síntese provisória da sua caminhada no curso, percorrendo textos reflexivos, jurídicos e técnicos, associado à sua experiência profissional e de vida.

O que irá encontrar aqui não é nenhuma novidade, pois a atitude de planejar (ou projetar, se preferir) faz parte do seu cotidiano. Você planeja sua vida familiar, estabelece prioridades para aquele ano ou semestre, o que pretende fazer, com que dinheiro, etc. No seu trabalho, no início das atividades anuais, reúne-se com a equipe de colegas do mesmo setor, do mesmo departamento, com assessores, muitas vezes, para fazer o "planejamento". Com base em um "diagnóstico" (buscando informações nos relatórios produzidos ao longo do ano, em dados censitários, dados do IBGE ou de outros Institutos de Pesquisa), estabelecem-se metas, objetivos, metodologias, estratégias, prazos, etc.

No campo científico não é tão diferente.

Contudo, antes de iniciarmos nossa conversa sobre a elaboração do projeto, é importante que você tenha uma visão da atividade científica no seu todo, e não somente de um dos momentos.

1 Os caminhos da pesquisa

Preferimos falar em "caminhos", pois não existe uma única maneira de fazer pesquisa. São vários e os mais diferentes, conforme o problema que você identifica para ser pesquisado, a metodologia a ser desenvolvida para responder ao problema e o seu jeito de ser como pesquisador. Todavia, nesta caminhada, podemos identificar alguns momentos ou aspectos comuns. É sobre eles que vamos agora conversar.

Por onde começar? (Definindo o marco epistêmico)

Nos cursos de especialização, trabalhamos com a disciplina Metodologia da Pesquisa. Quando iniciamos a discussão sobre a elaboração da monografia, de imediato a grande maioria dos cursistas nos dirige perguntas semelhantes a estas: "Professor, eu quero pesquisar sobre evasão"; "O meu assunto é problemas de aprendizagem"; " Professor, que título eu dou à minha monografia que vai tratar da relação professor-aluno?"; ou, ainda, "Eu quero fazer umas entrevistas aos professores da minha escola para perguntar qual o método de alfabetização que eles utilizam."; etc.

A tentação da gente é sempre se antecipar, dizer o que vai fazer e como, sem ter, ainda, clareza do o que realmente pretende investigar. Queremos dar o nome à criança sem saber, ainda, qual seu sexo. Em muitas obras que tratam da pesquisa ou da elaboração de projetos e monografias, existe também este viés. Propõe-se ao leitor que inicie pensando sobre o tema a pesquisar. Propomos outro caminho, um caminho mais lógico e, ousaríamos dizer, mais "natural", que milenarmente o homem tem seguido em sua necessidade de compreender e explicar o mundo e a vida. É só olharmos para nossas crianças, assim que começam a elaborar as primeiras frases. O que ouvimos? São perguntas, questionamentos: "O que é isso? Por quê?" Olham ao seu redor e se perguntam! E querem a resposta, nos "importunam" e se tornam insistentes se não satisfizermos sua curiosidade, se não lhe oferecermos respostas. Elas mesmas vão à busca das respostas, fazendo suas experiências, muitas vezes dolorosas, mas necessárias.

Faz parte do ser humano o "indagar-se", olhar ao redor, observar a realidade, descrever os fatos e se perguntar. O homem tem dado as respostas mais diferenciadas e seguindo caminhos diferentes. Os mitos e a religião têm proposto suas respostas para todos os problemas do homem. O senso comum e o bom-senso, frutos da experiência milenar acumulada pelos grupos humanos, têm dado, também, suas respostas. Finalmente a ciência, com suas respostas metódicas e disciplinadas.

O homem, ao olhar ao seu redor, perguntava-se sobre a origem da vida, do universo, do homem, das diferenças de sexos, da existência de diferentes raças, de ricos e pobres, etc. Cada grupo ou sociedade deu sua resposta, com base na maneira como se organizava, como produzia sua vida material, suas condições de vida, sua capacidade para dar conta das perguntas que se expunha. Foi construindo maneiras de expressar essa sua compreensão, foi produzindo sua vida cultural e espiritual. Assim surgiram os mitos e as religiões. Na mitologia grega, como nas narrativas das sociedades indígenas do Brasil, você encontra essas explicações. Na Bíblia ou em outros livros sagrados vai encontrar outros tipos de explicação. Nas lendas e "crendices' populares encontrará outras. A ciência, também, propõe sua compreensão, dá suas explicações.

No seu cotidiano, no trabalho, no curso que está realizando, sem se dar conta, você faz indagações, propõe questionamentos. Seu senso comum, sua prática, a religião que professa, dão conta e resolvem grande parte das situações problemáticas em que você se encontra, mas não são suficientes. Há sempre um espaço da dúvida, da resposta provisória não satisfatória. Você busca, então, na literatura especializada, na conversa com colegas e professores, em seminários e cursos respostas mais claras e coerentes.

O ponto de partida do conhecimento é a problematização da realidade e não a subordinação aos dados da observação.

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É no campo das perguntas e respostas metódicas, disciplinadas, e não da fé ou do "achismo" que se desenvolve a atividade científica, o trabalho do pesquisador. Quando colocamos perguntas, é porque já temos condições de responder a elas, já existem os instrumentos teóricos e metodológicos para buscar suas soluções. Não são perguntas soltas, fora da nossa realidade, da nossa existência e da nossa possibilidade de compreendê-las e a elas responder. Já os antigos filósofos gregos diziam que o "caminho da ida é o mesmo da volta" (Tales de Mileto, 624-548 a. C.) e que "o processo de ascensão nos indica o caminho da descida" (Platão, 427-347 a. C.). Trata-se de processo dialético, pois na própria pergunta está a resposta.

Contudo, o que é um "problema"? Procure no dicionário uma definição.

O problema se refere à realidade, e não ao ideal, ao que deve ser.

A palavra "problema" é polissêmica, têm muitos significados. No nosso dia-a-dia, usamos e abusamos dela, pois problemas é o que não falta em nossa vida! Muitas vezes, o estudante chega e afirma: "Professor, o meu problema de pesquisa é que na minha escola o índice de evasão e repetência é alto". Aí, eu lhe digo: "Este não é um problema, é um fato, uma situação, um dado. Sobre ele, ou com base nele, que problema você identifica e quer investigar?" Ou, então, outro diz: "Lá na escola os alunos têm dificuldades de ler e escrever. O meu problema de pesquisa é qual o melhor método de alfabetização ou como ajudar o professor a alfabetizar?"

O problema de pesquisa não é, segundo Kerlinger (1980, p. 33), um problema de valor (o que é melhor ou pior, o que deve ou não ser feito), nem um problema de engenharia (como fazer isto ou aquilo, como resolver).

Um problema científico é uma questão (prática ou teórica) não resolvida, objeto de discussão, em qualquer campo do conhecimento e que se refere a fenômenos que possam ser observados e estudados de maneira metódica e disciplinada.

Portanto, não adianta você dizer ao seu orientador: "Eu quero fazer um estudo sobre Direito Ambiental"; ou "Eu quero avaliar os impactos das políticas governamentais em relação ao meio ambiente"; ou "Vou pesquisar sobre o sistema de monitoramento ambiental". Fica muito vago e impreciso, não diz nada. Você está se referindo a um tema, a um assunto, a uma situação, mas não conseguiu apontar qual o problema que pretende investigar sobre aquele fenômeno. O que você quer estudar sobre Direito Ambiental? Diferentes abordagens e propostas? Quais os paradigmas dominantes nesse campo jurídico perante os avanços científicos e tecnológicos? Realizar estudo histórico, situando-o nos diferentes contextos socioeconômicos e políticos em que ele foi se constituindo? Como uma política social ? Sobre a avaliação das políticas, o que pretende investigar? Em que se sustentam as propostas de avaliação de políticas? Sobre que concepções ou metodologias? Como na prática ocorre essa avaliação? Como os ambientalistas ou a sociedade percebem e analisam essas políticas?

Portanto, a pergunta, ela deve ser "delimitada", enfocada e, sobretudo, disciplinada.

O que significa ser "disciplinada"? Qualquer pergunta é disciplinada?

Significa, inicialmente, que é necessário seguir certas "regras", as regras do "jogo" científico. Lembra-se do primeiro texto, quando falávamos sobre isso? Para tanto, é importante que você

* procure sua formulação no próprio objeto, no contexto em que você se encontra, com base no que você está vivenciando, na sua formação, na sua trajetória de vida. Sócrates (463-399 a. C.) já nos dizia: "Conhece-te a ti mesmo". Confessava Santo Agostinho "Busque a verdade dentro de si". Hegel afirmava que os fenômenos se explicam por si próprios. É o melhor da sabedoria. Portanto, não precisa sair por aí à caça de problemas. Eles fazem parte do seu cotidiano. O difícil é saber ler os "códigos" dos fenômenos e captar os "sinais' que a realidade emite. Por isso,

* procure nos fenômenos as diferenças. Nenhum fenômeno é igual; observadores diferentes captam aspectos diferenciados em relação ao mesmo fato. Dê prioridade à sua "sensibilidade", à sua observação "meticulosa", como dizia Tales de Mileto, isto é, fique numa vigilância constante, sempre "de antenas ligadas" ao que acontece ao seu redor, na sala de aula, na escola, nos embates e debates, nos textos que está lendo, etc. A ciência avança com a "sensibilidade", com a capacidade de o cientista se concentrar, organizar as idéias, os dados, percebendo as diferenças e o que torna aquela situação promissora de informações e explicações. Essa capacidade não é inata, ela é construída pelo pesquisador. Por isso,

* a necessidade de uma teoria. Um problema depende de uma teoria que o coloque numa perspectiva de "ordem", de "devendamento" da ordem das coisas. A teoria permite uma compreensão dos fatos que ultrapasse o senso comum, as fronteiras do mito e do dogma (em grego, doxa). Você tem de se afastar um pouco, subir o morro e de lá olhar os fatos e ter uma visão panorâmica (daí a palavra grega, teoria). Essa atitude permite que você capte, no que é corriqueiro e cotidiano, algo singular e diferente, e faça perguntas qualificadas. Por isso, a pergunta revela o ponto de vista do pesquisador, a teoria que lhe permite um tipo de visão e de olhar para os fatos.

A ciência começa com um problema, e não com a observação.

Pela pergunta nos revelamos.

Na formulação do problema fica clara a concepção teórica do pesquisador.

O que diferencia uma pesquisa "boa" de uma medíocre é o fato de o pesquisador ter conseguido propor uma pergunta qualificada, isto é, clara, distinta, profunda, apoiada numa teoria e que possa ser respondida. O sucesso da pesquisa está aí.Cláudio de Moura Castro, ao estudar os trabalhos publicados pelos ganhadores dos Prêmios Nobel, no campo da ciência, afirmava: o que os diferenciava dos seus colegas era a qualidade das perguntas. Portanto, elaborar bem a "pergunta" é mais do que meio caminho andado no trabalho de investigação. Por isso, deve empregar o tempo e as energias que forem necessárias para conseguir elaborar "boas" perguntas para o seu projeto de pesquisa.

Os pensadores clássicos permanecem e são estudados até hoje, não pelas respostas dadas (eram apropriadas ao seu tempo), mas pelas perguntas que continuam enquanto persistir o mesmo tipo de sociedade. Nesse sentido, o problema adquire caráter positivo: o processo de sua formulação e construção é muito mais importante do que a busca de sua solução.

No entanto, como formular o problema? Algumas simples sugestões:

- seja sempre formulado como pergunta, na forma interrogativa;
- Seja claro e preciso, utilizando palavras que não permitam outros sentidos ou interpretações, evitando a linguagem cotidiana;
- seja delimitado a um aspecto, a uma dimensão do contexto "problemático";
- seja relacionado à realidade, a fatos observáveis;
- que possa ser resolvido.

Você se perguntará: mas como chegar a identificar perguntas que vale a pena investigar e dar uma resposta a elas?

Proponho, então, uma atividade, uma espécie de "tempestade cerebral". Você não precisa preencher o quadro a seguinte, agora. Pode fazer ao longo do curso, refletindo sobre a sua caminhada no curso de especialização.

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Com base em suas anotações, nos debates no momento presencial com os especialistas e com os tutores, busque identificar, em cada disciplina cursada, alguma questão "quente", que provocou discussões ou que despertou seu interesse, e registre na coluna "questões".

Se tentar preencher o quadro agora, não há dúvida de que encontrará certa dificuldade, pois o curso apenas começou, mas você pode fazer recurso a seus conhecimentos e à sua experiência. Contudo, isso não significa que você não possa trabalhar com questões teóricas, brotadas em leituras realizadas anteriormente. Uma questão teórica e tão importante quanto uma questão prática. Certamente, com o andar da carruagem, será mais enriquecedor e, assim que iniciar seu trabalho de campo, poderá trazer contribuições teóricas e práticas à questão ambiental. Mas, vamos trabalhar dentro dos limites que a realidade impõe.

Você está lendo o material do primeiro módulo que trata, como vimos na Unidade I, sobre a expansão da EAD no mundo e no Brasil. Ao mesmo tempo você se dá conta de que hoje se fala muito em sociedade do conhecimento, de que o computador vai revolucionar a Educação, que a internet vai permitir uma democratização do conhecimento e, em conseqüência disso, da sociedade. Por outro lado, você olha para seu município, para sua escola, para sua vida profissional e se dá conta, também, que não é bem assim, etc. O que você se perguntaria?

Talvez:

Por que, hoje, esta expansão da EaD? È devido exclusivamente às novas tecnologias da informação e da comunicação? Por que o surgimento de Universidades Nacionais a Distância em alguns países, na década de 1970, e aqui no Brasil não? Qual a política de EaD que o MEC vem implementando? A quem interessa essa expansão da EaD? A quem vai beneficiar? Que população está sendo atendida? Etc.

Ou, então, está ao compreender o sistema de tutoria em cursos a distância, que perguntas poderá propor para serem investigadas?

Talvez:

As diferentes propostas e práticas de tutoria estão fundamentadas na mesma concepção da relação pedagógica? Diferencia-se do professor e do especialista? Que tipo de profissional está sendo construído? Trata-se de novo profissional da Educação?

Parece fácil, mas não é!

As perguntas não nascem espontaneamente. Quando acontece o "insight" (Ah!, Ôba!), é resultado de um longo processo de estar pensando "sobre", e não fruto da sorte ou do acaso. Certamente, você já deve ter experimentado algo parecido: no momento da vigília, antes de pegar no sono (na cama, numa rede ou até na poltrona de algum ônibus estadual ou interestadual), seu pensamento começa a vagar e pensar naquela situação problemática, naquele texto a escrever, numa palestra a ser proferida, e aos poucos, as idéias começam a fluir, e sem você se dar conta, estrutura os pontos fundamentais da sua fala, ou do seu texto, ou acha como resolver aquela situação. Meu projeto de doutorado foi "concebido" durante uma viagem de ônibus de Cuiabá para Sinop, ao norte do Estado de Mato Grosso. O entorno, a lembrança de viagens realizadas durante quase duas décadas naquele trecho, o temporal, a chuva.... enfim, um ambiente propício á reflexão!

Este estado de "vigília" é fundamental no campo científico. Por isso, para que você comece a ficar ligado com seu projeto de pesquisa e consiga identificar qual o problema a ser investigado, é condição sine qua non:

O sucesso é resultado de 1% de talento, 1% de sorte e 98% de trabalho (Voltaire; R. Inoue).

Trabalhando-se bem, não existe tema que seja verdadeiramente estúpido (Umberto Eco).

Além desse "clima", em que você está mergulhado de corpo e alma (razão e emoção), por inteiro, algumas outras "condições" são importantes, tais como:

- Curiosidade, interesse, empatia, paciência, paixão, equilíbrio, humildade, flexibilidade, iniciativa, disciplina, clareza, objetividade, criatividade, concentração, delicadeza, respeito ao outro, facilidade para conversar com as pessoas, tranqüilidade, organização, ética, etc.
- Domínio da teoria, escrever bem, relacionar dados empíricos com a teoria, domínio de técnicas de pesquisa, experiência.

Não se assuste! Não significa que o pesquisador seja alguém muito especial, muito diferente dos simples mortais e cheio de "virtudes". Pode ter seus pecados e seus vícios. O importante é que esteja aberto ao diálogo, ao aprender com o outro, com o orientador e vá construindo essas qualidades no caminho. O que queremos, com isso, afirmar é que o ato de pesquisar, a produção do conhecimento científico exige disciplina, esforço e interesse; que faça parte do seu projeto de vida, neste momento, e não seja encarado como momento obrigatório, enfadonho e pesado do seu percurso acadêmico. Nada se aprende e se constrói sem prazer!

Para que você consiga identificar e formular seu problema de pesquisa, sugerimos que realize o processo de contextualização do problema, isto é, situe (empiricamente e/ou teoricamente) o fenômeno para o qual está olhando ou sobre o qual está pensando e que despertou seu interesse. Para isto, pode recorrer à técnica utilizada por diretores de cinema: a câmara tomando seu objeto, lá longe, mostrando o cenário onde se desenvolverá a ação e, aos poucos, trazendo para o primeiro plano o sujeito ou o objeto, elemento central da trama; ou então, fazendo o movimento contrário. É o movimento do geral para o particular, ou do particular para o geral.

Aqui vou recorrer a exemplos da minha área. Você pode procurar dissertações ou teses na sua área e observar como o autor desenvolveu essa parte.

Com as aceleradas mudanças científico-tecnológicas que ocorrem no mundo, bem com os processos de interação e integração das relações econômicas, sociais, culturais e políticas, sobretudo a partir da década de 60, vem emergindo, de maneira insólita e inesperada, em grande parte do mundo, um movimento de ampliação e extensão do acesso à educação nos diferentes níveis de ensino e de inovação pedagógica.

Os processos de globalização, impulsionados pela onda neoliberal, nos campos da economia e da política, e acelerados pela introdução vertiginosa das novas tecnologias de comunicação, nos mais diferentes campos da vida, têm contribuído enormemente para que a Educação a Distância deixasse de ocupar um plano marginal nos sistemas educativos e passasse a ganhar importância política e econômica.

No Brasil, este movimento é mais recente e ganhou impulso e expressão política com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9394), aprovada em 20 de dezembro de 1996, que posicionou a EaD como modalidade regular integrante do sistema educacional nacional .

O Núcleo de Educação Aberta e a Distância (NEAD) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), fundando em 1992, se inseriu neste movimento ao iniciar, em fevereiro de 1995, a primeira experiência, no País, de uma Licenciatura em Educação Básica, voltada para a formação de professores em exercício, das primeiras séries do ensino fundamental, por meio da modalidade a distância. Hoje, são mais de 10.000 professores cursando, no país, esta Licenciatura [...]

(A partir daqui você pode fazer um "recorte" de algum dos aspectos particulares dessa experiência para ser tomado como seu objeto de estudo, como, por ex.: como se dá o processo de avaliação? Como funciona o sistema de Orientação Acadêmica? Quais suas características principais e em que se diferencia do sistema de tutoria proposto por universidades nacionais, como a Open da Inglaterra e a UNED da Espanha? Quais as concepções que dão sustentação teórico-metodológica a este curso de Licenciatura? Como tem sido a pareceria do NEAD com as Secretarias Estadual e municipais de Educação na condução do curso? Quais os custos? Como se dá o processo de aprendizagem? Como aprende um adulto? Como estudam esses acadêmicos? Quais seus "hábitos" e, em que sentido, o curso propicia a construção da autonomia destes estudantes? Ou questões mais amplas, como: Por que esta expansão da EaD? É uma questão de "funcionalidade", de "ajustamento" do sistema educacional à atual conjuntura econômica e política que está a exigir novo tipo de trabalhador? Qual a atual política do MEC em relação à EaD? Qual o impacto dessa política de "formação maciça" a distância no sistema educacional do Estado? E nas escolas onde os acadêmicos atuam?

“Tenho observado, no decorrer da minha experiência na educação escolar que, para além dos discursos de avaliação considerados modernos (avaliação processual ou contínua, avaliação qualitativa, avaliação integral), as práticas de avaliação no interior das escolas públicas de Mato Grosso têm desvelado outro modelo teórico, em geral traduzido em posturas autoritárias na prática pedagógica de avaliação. Com base nessas observações primárias, decidi iniciar um estudo abordando a dimensão teórico-prática da avaliação na aprendizagem”.

Por outro lado, meu interesse pela Educação a distância também nasceu no contexto das atividades acadêmicas que passei a desenvolver quando ingressei, como docente, na Universidade Federal do Acre. Nessa instituição, além de exercer a docência, participei do grupo de trabalho encarregado de elaborar a implantação do Núcleo de Educação Aberta e a Distância. O ingresso neste grupo de trabalho me propiciou os primeiros contatos com as bases teórico-conceituais da Educação a distância e com algumas experiências, em nível superior, desenvolvidas em países como a Espanha, Portugal e Venezuela e isso, de certa forma, influenciou minha decisão em escolher o grupo de pesquisa "Educação a Distância", do Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Educação da UFMT, para realizar o curso de Mestrado.

Nos estudos iniciais sobre educação a distância detectei que, em instituições como a UNED da Espanha, a avaliação da aprendizagem merece grande atenção por ser um momento no qual alunos e professores têm maior contato e estes últimos podem orientar a aprendizagem dos primeiros, sendo, portanto, atividade pedagógica criteriosamente planejada. A importância da avaliação da aprendizagem, na EaD, está no fato de [...]

A ênfase dada à avaliação da aprendizagem no curso de Licenciatura do NEAD/UFMT se deve ao fato de que o modelo de avaliação, inicialmente planejado no seu projeto pedagógico, somente foi aplicado durante o primeiro ano de funcionamento (1995) e, no ano seguinte, foi substituído por outro que perdura até o momento [...]

Assim, outro modelo de avaliação de aprendizagem foi concebido de forma que as funções diagnóstica e formativa [...] Em síntese, a conjugação desses fatores supracitados me motivaram a eleger a avaliação da aprendizagem na EaD como tema de pesquisa no curso de mestrado [...]".

(retirado de: ANDRADE, Luciete B. de. Avaliação da Aprendizagem na Educação a Distância: comparação entre a teoria e a prática - um estudo de caso. 1998. f. 220. Dissertação (Mestrado em Educação Pública). Cuiabá, Universidade Federal de Mato Grosso, 1998.

(Com base nisso, você poderá formular os seguintes problemas de pesquisa: Qual a percepção teórico-prática dos sujeitos que planejam, executam e se submetem ao processo de avaliação da aprendizagem? Por quê? O quê? Como? Quando? Quem avalia a aprendizagem na educação a distância?)

Que tal agora você esboçar o "contexto do problema", o espaço (teórico e/ou prático) que propiciou o processo de "concepção" (ou gestação) do seu problema de pesquisa?

O que você acabou de realizar, faz parte do processo de construção do objeto de pesquisa ou recorte, como alguns preferem dizer. Trata-se de processo decisório pelo qual, no entender de Sá (1998), você transformou conceitualmente um fenômeno do universo consensual (espalhado por aí) em um problema do universo reificado, isto é, você fez uma metamorfose: está buscando tornar "compreensível" um fenômeno do qual você tinha somente uma percepção imediata, ou uma visão ideológica, ou um pré-conceito. Para tomar essa decisão, você, sem se dar conta, já selecionou os recursos teóricos e metodológicos a serem usados para a solução do problema. (Por questões didáticas, trataremos desses recursos mais adiante).

Aonde chegar? (Planejando a caminhada)

Caracterizado e definido o campo teórico-prático onde você irá atuar como pesquisador, agora se trata de explicitar os objetivos, isto é, o que pretende alcançar, aonde quer chegar por meio deste trabalho de investigação. Lembra de Alice no país das maravilhas? Pois bem, o gato lhe dizia que somente se escolhe o caminho quando se sabe o lugar a que se quer chegar. O filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) era da mesma opinião: não há nenhum vento favorável para quem não sabe em que porto atracar o navio!

Aqui, você tem de ser bem claro e específico, nada de exageros ou pretender fazer o que não vai dar conta. Seja humilde e prático, dizendo os limites de sua ação, de sua tarefa para não ser cobrado, criticado por quem vai ler o resultado do seu trabalho, ou por você sentir, ao final do mesmo, uma espécie de insatisfação pelo dever não cumprido.

Por isso, é importante que você avalie suas "condições", tais como: o tempo previsto pelo curso para conclusão do trabalho, o seu tempo disponível, seus conhecimentos sobre o problema proposto, sua experiência em pesquisa, as facilidades ou dificuldades em ler, resumir e escrever um texto científico.

O objetivo de uma pesquisa não é

• o de um projeto técnico que se propõe resolver algum problema prático ou implementar uma ação para atendimento a uma demanda ou necessidade específica da escola. São os chamados objetivos de "engenharia", tais como: equipar a biblioteca de acervo, oferecer aos alunos uma merenda balanceada, desenvolver hábitos de estudo, propiciar um clima de cooperação, estimular a participação dos pais, rever o sistema de avaliação, implementar o projeto político-pedagógico;

• um objetivo de aprendizagem: favorecer a aprendizagem dos alunos fazendo uso do método X de alfabetização, levar os alunos a comportamentos positivos em relação a, promover estudo em grupo para, desenvolver projetos com os alunos para que, etc.

No campo das Ciências Humanas, o objetivo da atividade científica é compreender e explicitar fatos e situações. Não queira resolver os problemas ou propor "receitas". Existe a chamada Pesquisa Participante e Pesquisa-Ação que se propõem investigar e "resolver" os problemas detectados pelo grupo ou pela coletividade, mas para tal são necessárias condições políticas para intervir, além de o pesquisador ter poder de decisão. Por meio do seu trabalho de pesquisa, o que você pode e deve dar conta é estudar o "problema", analisá-lo, compreendê-lo, explicá-lo e, talvez, propor algumas estratégias ou ações para sua superação. Caberá à escola, ao coletivo da comunidade escolar ou aos sujeitos interessados, após ouvir suas análises e debater com você, tomar ou não decisões sobre o quê, e como fazer.

Elabore, então, os objetivos de pesquisa fazendo uso de verbos como analisar, compreender, comparar, fazer um estudo aprofundado, realizar uma revisão bibliográfica, verificar, etc.

Exemplos:
Objetivos gerais:
- Analisar as dimensões teórica e prática da avaliação da aprendizagem desenvolvida no curso de Licenciatura para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, na modalidade a distância;
- Contribuir com o processo de reflexão sobre a avaliação de aprendizagem na Educação a distância, em geral, e no curso de Licenciatura, em particular.

Objetivos específicos:
- Analisar a concepção de avaliação que aparece, explicita ou implicitamente, no projeto da Licenciatura;
- Analisar e comparar as concepções teórico-práticas da equipe coordenadora do NEAD, dos especialistas, dos orientadores acadêmicos e dos alunos.

Por onde andar? (Buscando os fatos)

Embora, implicitamente, você já venha traçando o caminho a seguir, aqui é o momento de explicitar os rumos teóricos e metodológicos da sua pesquisa, isto é, qual a teoria que irá "alimentar" você nesta caminhada e que instrumentos utilizar para alcançar os objetivos.

Para chegar até aqui, certamente, já terá realizado parte da Revisão da Literatura, isto é, deve ter lido diferentes autores que tratam da sua problemática, para você melhor contextualizar o objeto de sua pesquisa. Os textos que você irá ler durante o curso fazem parte da literatura referente ao Direito Ambiental, mas não são suficientes, pois representam um recorte muito específico e pontual, devido ao pouco tempo disponibilizado para o curso e por questões financeiras de impressão ou reprodução do material didático. Os especialistas dos módulos e o seu orientador irão indicar bibliografia mais vasta. É necessário que você a leia e faça suas anotações.

No entanto, não é sobre isto que quero me deter. Os autores que tratam da questão ambiental e, especificamente, do Direito Ambiental, têm concepções e posturas teóricas diferentes. Saber diferenciá-las é muito importante e fundamental para você entender, também, as diferentes práticas em Direito Ambiental. Eu sei que isso não é fácil. Retome sempre os textos que vai lendo durante os Módulos para que você defina qual sua "visão", qual a teoria que melhor a ajuda a compreender seu problema de pesquisa. A isso chamamos de Quadro Teórico.

Para os gregos, inventores dos jogos olímpicos, os "teóricos" eram as pessoas designadas pela cidade-estado para ir observar, analisar os jogos, em Atenas e, ao regressar, narrar o que lá havia ocorrido. Era uma espécie de "analista político e esportivo". Certamente, suas análises eram filtradas pela forma como o "teórico" via os acontecimentos, pela sua formação, pela sua posição e papel social, pelas expectativas dos seus cidadãos, etc.

Teoria é isso, é esse olhar "dirigido", "analítico" e "filtrador" dos fatos.

Um outro aspecto que deve ser exposto no seu trabalho é a descrição do seu caminho, isto é, a metodologia utilizada para se chegar aonde se queria chegar. Por isso, terá de caracterizar o local dos fatos, os sujeitos envolvidos, os instrumentos para o registro desses fatos e o sistema de organização e análise dos mesmos, pois a teoria utilizada, esta tem uma proposta metodológica de como registrar e analisar esses fatos. Na realidade, não há esta separação do momento do registro, do olhar para os fatos e a sua posterior análise, pois os dados são coletados de forma "seletiva" desde o início. Você olha para aquilo que você quer olhar, para aquilo que lhe chamou a atenção. Sua maneira de olhar para os fatos (uma espécie de "teoria") está sempre presente, conduz todo o seu caminhar, do ponto de partida ao de chegada, e no regresso. Claro que essa "teoria" no processo poderá se revista ou ser modificada.

Aonde se chegou? (Dos fatos para a teoria)

Se você deu conta de qualificar sua pergunta, a resposta certamente será também qualificada, trazendo um conjunto de análises e interpretações que irão surpreender você e aos leitores do seu trabalho de pesquisa.

Ao longo da caminhada, você foi coletando material documental ou empírico seguindo as pistas que a própria realidade foi sinalizando e que seu referencial teórico foi lhe sugerindo, foi lhe "palpitando". É o momento da organização do material coletado, da análise e interpretação. Aqui, nenhuma obra, nenhum livro e autor vão poder lhe ensinar "regras" ou mostrar o caminho das pedras ou o pulo-do-gato. Você vai ter de dar conta, apoiado na sua teoria, revendo outros relatos, dialogando com o seu orientador e seguindo muito sua intuição. Dê asas à sua imaginação e criatividade. A pesquisa científica tem bastante disso: é "a arte de pesquisar"

Relatando o caminho das pedras. (A construção do relatório)

Finalmente, chegou a hora do relato, de narrar "o caminho das pedras", a sua caminhada,. É o trabalho duro, longo e gratificante do relatório, da redação da monografia ou da tese.

Se até aqui o caminho foi um contínuo ir-e-vir, mais solto, livre, ousado e menos formal, agora é o momento de "aprender a pôr ordem nas próprias idéias" (GOLDENBERG, 1999), de organizar o trajeto realizado, de narrar ordenadamente sua experiência. Nessa narrativa do processo da pesquisa, alguns elementos devem ser explicitados para que o leitor possa acompanhar e compreender sua trajetória:

a) lógicos: no relato da pesquisa, deve-se expor, de maneira clara e organizada, não somente o conteúdo da pesquisa (o contexto do problema, o problema, os objetivos, os aspectos teórico-metodológicos, as análises) como a estrutura temática dos conteúdos e a forma de organizá-los;

b) positivos: a monografia ou o relatório tem um sentido “heurístico” (do grego, “achar”), da descoberta, do desocultamento, de um novo olhar diante do tema. Portanto, é importante que você aponte sua contribuição, seus "achados", em que sua pesquisa se diferencia de outras tantas que também trataram da mesma problemática;

c) compositivos: no processo de formulação e de redação do texto do relato (em forma de relatório ou monografia), há uma estrutura formal, externa, estética de apresentação, que deve ser seguida e que você encontrará na maioria dos livros que tratam da pesquisa.

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Talvez esse quadro lhe ofereça uma visão um pouco linear e seqüencial da caminhada. Vimos, ao longo de todo o texto, que a pesquisa não sucede dessa forma tão "quadrada". Por isso, no texto anterior, propomos-lhe outro gráfico, tentando traduzir o dinamismo da pesquisa científica, este ir-e-vir da ação, o fluxo e refluxo das idéias.

2 O Projeto

Buscamos, até aqui, oferecer-lhe uma visão geral do processo da pesquisa, da "arte de pesquisar" (GOLDENBERG, 1999), do "caminho das pedras" (R. Ynoue). O objetivo era levá-l@ a ter novo olhar sobre os caminhos que a ciência persegue, no intuito de se aproximar cada vez mais da "verdade", da descrição de "como as coisas são". Para Bachelard, é muito mais do que isso: "A ciência não corresponde a um mundo a descrever. Ela corresponde a um mundo a construir."

Para Goldenberg (1999, p. 106), uma pesquisa necessita o cumprimento de três requisitos:

a - a existência de uma pergunta que se deseja responder;
b - a elaboração de um conjunto de passos que permitam chegar à resposta;
c - a indicação do grau de confiabilidade na resposta obtida.

Dedicamo-nos, neste pequeno texto, aos dois primeiros requisitos, e sem a pretensão ou intenção de lhe oferecer um pacote de regras de como fazer a pesquisa, pois

aprende-se fazer pesquisa pesquisando!

Portanto, mãos à obra.

O primeiro passo na construção do edifício do seu conhecimento científico acerca de um fenômeno é a elaboração do Projeto de Pesquisa. Iremos falar um pouco sobre ele, pois você terá de apresentar, como trabalho conclusivo deste módulo, um projeto de pesquisa.

Lembra quando, no texto sobre as "Flutuações da Pesquisa Educacional", fazíamos referência à tendência do Sistemismo e falávamos em Teoria Geral dos Sistemas? A moderna concepção de Planejamento nasceu dela. Nesta concepção, segundo Gil (1991), o planejamento da pesquisa pode ser definido como "o processo sistematizado, mediante o qual se pode conferir maior eficiência à investigação para em determinado prazo alcançar o conjunto das metas estabelecidas" (p. 21). Porém, a prática do planejamento faz parte da própria existência do homem, é uma atividade milenar. Nos textos bíblicos, encontramos referências a isso: "qual de vós, querendo construir uma torre não se senta primeiro e calcula os gastos [...] qual o rei que, ao sair para guerrear com outro, não se senta primeiro e examina bem se com dez mil homens poderá enfrentar o outro?" (Lc. 14,28-31).

Todavia, para você, o que é e para que serve o projeto de pesquisa?

Peço-lhe que tome em suas mãos um dicionário. Vá à procura da palavra "projeto", como de outras que provenham da mesma raiz: pro-jetar (do latim, pro - para frente, e iactare - lançar, jogar) e escreva-as:

Ficou surpreso com a quantidade de palavras derivadas de projetar?

Veja o resultado da minha pesquisa no dicionário, com os respectivos sentidos encontrados e sua relação com os tópicos de um projeto de pesquisa.

Retroprojetor: o ponto de partida é o contexto, é o diagnóstico da situação de onde irá emergir o problema, o conjunto de questões cujas respostas se buscarão na caminhada da pesquisa;
Projetil: a partir da radiografia da situação, o projeto define uma direção, um objetivo, algo a alcançar;
Projetar: além de objetivos mais próximos, ele pode apontar metas, desejos, sonhos, expectativas;
Projeção: para isso, ele necessita de uma luz que ilumine o contexto e a caminhada, de uma referência, de um ponto de apoio;
Projetor: o uso de instrumentos é importante para alcançar o proposto, para apoiar a caminhada;
Projetiva: o projeto não é uma camisa de força, a ser executado como foi pensado. É um ir-e-vir, é uma dinâmica que perpassa todo o processo da investigação;
Projetura: daí a importância do toque pessoal, do aspecto novo ou diferente que ele vai apontar, rompendo com a visão anterior;
Projetista: por isso a dimensão subjetiva não pode ser negada nesta caminhada. Sujeito e objeto se relacionam, se cruzam, se modificam.

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2.1 Elementos compositivos

Não há, aqui também, uma regra fixa sobre sua composição, pois depende muito do problema a ser pesquisado, das peculiaridades da área de conhecimento em que ele se insere, da instituição a que se apresentará o projeto e, ainda, do estilo do autor. Porém, quanto à sua estrutura, há alguns elementos requeridos comuns.

Vejamos esquematicamente:

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Na obra A Aventura de ser estudante (Vol. 4 - Os Caminhos da Pesquisa), encontrará exemplos de projetos. Aqui lhe apresentaremos, para ilustrar os tópicos que acabamos de elencar, um anteprojeto, isto é, o primeiro esboço, a primeira idéia de um problema de pesquisa. Não o tome, portanto, como um modelo a ser seguido. Foi a forma que encontrei para colocar no papel uma "intenção" de pesquisa.

Embora você encontre na figura do orientador o seu interlocutor, com quem trocar idéias e angústias, e nos colegas do curso o apoio e o estímulo para avançar no trabalho, não esqueça que o trabalho de pesquisa, a atividade de reflexão e organização de suas idéias por escrito é algo muito individual, pessoal e particular. Depende de você! Aprenderá a elaborar um projeto de pesquisa, se mergulhar profundamente e com prazer!

2.2 Exemplo de Anteprojeto (pesquisa empírica)

Novamente irei recorrer a exemplos retirados da minha área de atuação, o campo da Educação. São exemplos que poderão lhe servir para uma aproximação ao que você poderá redigir em seu projeto.

AVALIAÇÃO DO PROGRAMA “UM SALTO PARA O FUTURO”

Oreste Preti

1 JUSTIFICATIVA

A formação do profissional que atua no sistema de Educação no país é uma das preocupações mais imperiosas tanto por parte das instituições, que tradicionalmente vêm se ocupando dessa tarefa, como por parte do poder público, diante dos baixo índices de “produtividade” do sistema educacional.

Por isso, essa formação não pode ser vista isoladamente como uma “habilitação” para qualificar o profissional da Educação, mas como uma forma de desenvolver ações que propiciem, ao mesmo tempo, constante atualização dos conhecimentos específicos com que ele trabalha e reflexão permanente sobre sua prática diária.

Essas preocupações levaram a Secretaria de Educação Básica do MEC a propor, em janeiro de 1991, um programa de “reciclagem” para atender aos professores da Educação Básica de todo o País [...]

Esse estudo é significativo por três motivos:

1 – as avaliações desse programa têm sido realizadas pelos próprios coordenadores locais e regionais. São avaliações “oficiais”, totalmente positivas. Consideramos importante uma avaliação realizada pelos próprios participantes do programa, [...]

2 – Hoje, o poder público está favorável a propostas de Educação a Distância, como deste programa. É o momento para fazermos uma reflexão sobre esta modalidade [...]

3 – Um terceiro motivo, muito particular, é que iniciamos também um programa de formação de professores, mediante a Licenciatura para os Anos Iniciais [...] . A avaliação de um programa nacional nos oferecerá, certamente, elementos práticos e de reflexão para nos orientar sobre a condução do processo desta Licenciatura [...]

2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

Trata-se de experiência nova para os professores, tanto na modalidade (a distância) como na tecnologia (tele-educação). Sabemos que a Educação a Distância pressupõe algumas condições para desenvolver-se: a qualidade do material impresso, o apoio sistemático ao cursista, etc. Isso nos tem levado a alguns questionamentos em relação ao programa e ao “sentido” que ele tem para o professor:

Qual é a formação dos “Orientadores de Aprendizagem”?
Como eles estão envolvidos na proposta do programa?
Em que condições o professor recebe essa orientação?
Como o professor avalia sua participação no programa?
Os conteúdos veiculados modificam sua prática pedagógica? Em que aspectos? [...]

3 OBJETIVOS

Objetivo Geral:

Avaliar o “sentido” do programa “Um salto para o Futuro” para os professores das escolas públicas de Cuiabá.

Objetivos Específicos:

Fazer um estudo exploratório sobre a trajetória do programa “Um salto para o Futuro”, em Mato Grosso;
Descrever as condições de funcionamento deste programa nas escolas públicas de Cuiabá;
Fazer uma avaliação do Programa, por meio dos depoimentos dos cursistas;
Manifestar o “sentido” do programa na prática pedagógica dos professores, mediante estudos de caso.

4 ABORDAGEM TEÓRICA

A avaliação do programa será realizada pelos próprios cursistas, mediante suas manifestações sobre o “sentido” que ele tem em sua vida profissional. Para tal, buscaremos, na abordagem fenomenológico-heurística, a base teórica, as categorias de análise [...]

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

5.1 Tipo de pesquisa

Trata-se de estudo de caso [...]

5.2 População e amostra

Os sujeitos da pesquisa serão os professores da rede estadual de ensino [...] A coleta de dados será realizada em dez escolas, onde os professores acompanham o Programa, e serão escolhidas aleatoriamente, por sorteio [...]

5.3 Instrumentos de coleta de dados

Após algumas observações preliminares dos momentos do Programa, aplicaremos um questionário com perguntas semi-abertas para uma visão bem aberta do "sentido" do Programa [...] As entrevistas abertas serão realizadas, posteriormente, com professores escolhidos com base no resultado do questionário, para "sentir” mais profundamente a postura e a compreensão que o professor tem em relação ao Programa [...]

5.4 Etapas

O trabalho de investigação será desenvolvido em três etapas:

- um estudo exploratório para recuperar a trajetória do programa em Mato Grosso, mediante documentos e entrevistas com coordenadores e ex-coordenadores do programa;
- aplicação de um questionário a um grupo amostral de cursistas para que façam “avaliação” do programa;
- estudos de caso para “sentir” a influência do programa sobre a prática pedagógica de alguns cursistas.

6 CRONOGRAMA

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7 ORÇAMENTO

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2.3 "Formatação" do Projeto

Vamos lhe propor um "formato" de apresentação que você poderá seguir. Caso sua Instituição lhe apresente ou exija outro, siga-o sem problemas. Não existe uma normatização, um padrão único de apresentação de projetos. Depende de cada Instituição e da natureza do próprio projeto. Trata-se, fundamentalmente, de questão de estética e de bom gosto. Sobre isso, não há o que discutir. Hoje, com o uso intensivo do computador, este trabalho é facilitado enormemente e "modelos" também são oferecidos ao usuário.

Embora haja esta flexibilidade, a apresentação de um 'modelo" pode ser útil e ilustrativo.

Quanto aos aspectos gerais de digitação, siga o mais utilizado:

Papel: formato A4 
Margens: Lateral Esquerda (3,5 cm); Lateral Direita (2,5 cm); Superior (2,5 cm); Inferior (2,0 cm)
Tipo de Letra e Tamanho: Times New Roman (14); Courier New (14); Tahoma (12) ou outros
Nas citações longas, é interessante reduzir o tamanho da letra para 12, e nas notas de rodapé para 10.
Espaço: no texto utilize 1,5 cm; nas citações longas, pode reduzir para espaço "simples" ou "pelo menos".

Vamos agora à composição das páginas:

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1991.

GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisa: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências Sociais. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 1999.

KERLINGER, F. N. Metodologia da Pesquisa em Ciências Sociais: um tratamento conceitual. São Paulo: EPU/EDUSP, 1980.

INOUE, Ryoki. O Caminho das Pedras. S. Paulo: Summus, 1995.

PRETI, Oreste. A Aventura de ser estudante - Os caminhos da pesquisa - Vol. 3 e 4. 4. ed. rev. Cuiabá: EdUFMT, 2003.

SÁ, Celso Pereira de. A Construção do Objeto de Pesquisa em Representações Sociais. Rio de Janeiro: UERJ, 1988.

SELLTIZ, Claire et al. Métodos de pesquisa nas relações sociais. 5. reimpressão. São Paulo: EPU, 1975.

TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais: a Pesquisa Qualitativa em Educação. S. Paulo: Atlas, 1987.


Autor: Anderson Antonio Da Serra Herane


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