A aplicabilidade da Lei Maria da Penha nos casos em que o homem é a vítima.



Introdução

Com a inserção da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, no ordenamento jurídico brasileiro, houve uma mudança radical do panorama feminino nos casos de violência doméstica.

A entrada em vigor da Lei Maria da Penha foi muito festejada, pois o agressor passou a ser tratado com maior rigor do que anteriormente acontecia. Todavia, desde a sua concepção, iniciou-se um forte processo de discussão a respeito de sua constitucionalidade, pois em seu texto menciona-se, apenas e tão somente, a mulher.

O objetivo do presente artigo é analisar os aspectos básicos da lei, além de discutir a situação do homem nos casos de violência doméstica.

1.      História da Maria da Penha 

A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, surgiu após um período de grande discussão dos legisladores. Entretanto, sua verdadeira origem nos remete a acontecimentos mais antigos.

 Em 1983, a biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes sofreu, de seu então marido, Marco Antonio Heredia Viveros, colombiano naturalizado brasileiro, professor universitário e economista, duas tentativas de homicídio. No dia 29, do mês de maio de 1983, Antonio simulou um assalto durante a noite e, enquanto sua esposa dormia, acabou atirando nela com uma espingarda. Em face desses acontecimentos, Maria da Penha se tornou paraplégica. Como se não fosse suficiente, após um período de aproximadamente uma semana, durante o banho, tentou eletrocutá-la.

  Maria da Penha denunciou seu marido em 1984, mas somente em 1991, o réu foi condenado pelo tribunal do júri e teve como sentença oito anos de prisão. Em seqüência, recorreu do julgamento e o mesmo acabou anulado. Posteriormente, após novo julgamento em 1996, e de novamente o réu ter recorrido em liberdade, acabou sendo preso (2002). Cumprindo, apenas, dois anos de sua sentença.

 A repercussão gerada foi tão grande que o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa da Mulher (CLADEM) formalizaram uma denúncia contra o Estado brasileiro. O que gerou uma indenização no valor de 20 mil dólares para Maria da Penha, pela negligência e omissão do Brasil em relação à violência doméstica, indenização esta que não foi suficiente para arcar com os custos do processo gastos pela Autora. Foi também solicitado que se adotassem medidas que agilizassem e facilitassem a execução desses casos.[1]

A Lei de violência doméstica acabou sendo sancionada em 7 de agosto de 2006 pelo presidente Luis Inácio “Lula” da Silva e acabou entrando em vigor à partir de 22 de setembro de 2006. Com o seu dies a quo, foram criados mecanismos que coibem a violência realizada contra a mulher, seja no âmbito familiar ou doméstico.  

2.      A mudança após a aplicação da lei

Logo após a entrada em vigor da lei Maria da Penha, as denúncias nas delegacias cresceram consideravelmente.[2] Isso aconteceu graças uma grande divulgação da mídia, que acabou gerando uma maior informação das mulheres sobre o assunto, além de uma perda considerável de medo em relação à situação pós-denúncia. Esta última ocorreu, principalmente, pelo fato do agressor poder receber uma ordem de manter distância da vitima e, em casos extremos, da vítima ir para abrigos com os filhos. Contudo, apesar dos benefícios, essas campanhas também tiveram seu lado negativo, uma vez que existiam afirmações de quem bate em mulher vai preso e isso não é, necessariamente, a vontade das mulheres em geral; o que elas realmente querem é parar de apanhar.

Mesmo com seus pontos negativos, fica claro afirmar que com a implantação da Lei tivemos uma queda significativa na taxa de agressões. Percebe-se que esta queda deve-se ao receio gerado pelo forte poder coercitivo da nova Lei, aliado ao fato de as mulheres estarem perdendo o medo e a vergonha para procurar as delegacias da mulher e denunciar seus agressores.

Vale destacar que como o direito se transforma mediante as alterações presentes na sociedade, a própria Lei Maria da Penha começou a ser interpretada de diversas formas. Atualmente, mesmo com algumas controvérsias, a Lei abrange os mais variados casos, não só na relação de marido e mulher, mas também na relação entre namorados, pais, irmãos e até mesmo na relação em que o homem é ameaçado ou agredido por sua parceira. O que contribui em muito para a proteção nos casos de violência doméstica.

 

3.      A inconstitucionalidade

 

Com o advento da Lei Maria da Penha, iniciou-se uma forte discussão a respeito de sua inconstitucionalidade. Porém, antes de entrarmos nesse embate, devemos, primeiramente, saber o que é uma lei inconstitucional. Segundo Canotillo “inconstitucional é toda a lei que viola os preceitos constitucionais”.[3]

Tendo em vista o conceito supra transcrito, muitos acabam por alegar a inconstitucionalidade da lei em comento, pois esta acaba indo contra o princípio da isonomia. Nesse princípio, que está expresso no artigo 5º da Constituição Federal, diz-se que todos são iguais perante a lei, garantindo a homens e mulheres iguais direitos e obrigações. Dessa forma, como a Lei Maria da Penha em sua redação disserta, exclusivamente, sobre os direitos das mulheres e afasta os homens de sua tutela, existiria uma ofensa a este princípio basilar expresso em nossa Carta Magna.

Já os que consideram a Lei constitucional alegam que, da mesma forma, que existem estatutos específicos que protegem os direitos dos idosos, das crianças e dos adolescentes também seria válida essa defesa dos direitos da mulher. Segundo esse entendimento, esses estatutos seriam necessários para que exista uma real igualdade e não somente algo expresso na Constituição.

Contudo, devemos levar em conta que nem sempre o homem é o agressor na relação. Em muitos casos, o homem sofre de agressões físicas e, na maioria, verbais. Logo, não teria nexo a existência de uma lei que defenda, apenas, os direitos femininos em detrimento dos direitos de toda a sociedade. Dessa forma, por restringir direitos que deveriam ser concedidos a toda a sociedade, a Lei dever-se-á ser considerada inconstitucional.



4.      A aplicação da lei em homens



              Como aqui já exposto e demonstrado, a Lei Maria da Penha foi criada para defender as mulheres de seus agressores. Todavia, o dinamismo social fez com que esse panorama fosse modificado e essa aplicação fosse estendida aos homens.

              Pelo fato de não existir uma norma específica que tutele o homem nos casos de agressão, o princípio da analogia é aplicado. Esse conceito consiste em aplicar a caso não previsto a norma legal concernente a uma hipótese análoga prevista e, por isso mesmo, tipificada[4]. Assim sendo, é a extensão da aplicação de uma norma a um caso semelhante, que por ela não foi originalmente tutelado.

              Esse entendimento já teve sua aplicação em diversos casos, como pelos juizes Mário Roberto Kono de Oliveira e Rafael Fleck Arnt, ficando estabelecido à proibição de aproximação das agressoras junto às vítimas, além de eliminar qualquer tipo de contado por telefone, internet ou cartas.[5]

             Neste diapasão,ve-se que a Lei Maria da Penha só poderá alcançar seu objetivo, ou seja, o afastamento da violência dos lares, caso tenha a sua aplicação ampliada, de forma a tutelar toda a sociedade.

 

Conclusão


               É possível notar que a Lei Maria da Penha foi um grande avanço contra a violência doméstica e familiar, entretanto é preciso reconhecer que o sexo feminino não deve ser seu único alvo.

               Devido à distinção causada entre homens e mulheres, a Lei deve ser considerada inconstitucional. Mesmo assim, apesar da Lei não atender ao sexo masculino, já houveram momentos em que sua aplicação ocorreu em casos em que o homem se via como vítima de ameaças e agressões de sua companheira. Isso demonstra que o homem também necessita de proteção e que esta deve deixar de ser subjetiva, e passar a atuar mais concretamente, ampliando-se a sua aplicação.

               Destarte, reescrever a lei para que ela atenda também aos homens, além de se tornar uma grande conquista na igualdade entre os sexos, pode mostrar-se um grande impulso para que qualquer violência dentro de casa seja denunciada e devidamente punida.


[1] Maria Berenice Dias. A Lei Maria da Penha na Justiça - A efetividade da Lei 11.340/2006 de combate a violência doméstica e familiar contra a mulher.

[2] SALLES, Silvana. Três anos depois Lei Maria da Penha diversifica perfil de mulheres que procuram ajuda contra violência domestica. Disponível em

[3] José Joaquim Gomes Canotilho. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 878.

[4] Carlos Roberto Gonçalves.   Direito Civil Brasileiro.   p.  49.

[5] Redação Terra. MT: juiz usa Lei Maria da Penha para proteger homem. Disponível em: ; CASTRO, Júlio. Juiz aplica Lei Maria da Penha a uma mulher. –Em SC, decisão provisória proíbe chegar perto de ex-marido. Disponivel em: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090704/not_imp397683,0.php.

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