Dom Casmurro: Um Comentário Bem Pessoal



O narrador é o próprio personagem central ─Bentinho─, que faz par com Capitu ─ personagem feminino central. Notamos naquele um quê de tristeza ou desencanto com o mundo. Não passa de um insatisfeito querendo (e tentando) evadir-se para uma época em que se identificava mais consigo (e com os seus).

Se um tempo não proporciona satisfação a alguém, o que este deve fazer se fora feliz noutra época, anterior á atual? Deve, com certeza, tentar resgatar os elementos responsáveis pela satisfação não mais existente.È o que Bentinho ─ o narrador ─ faz.Mas, que elementos são esses? O que representam para o narrador? Que relação têm com ele tais elementos? Estas são questões básicas para o entendimento da problemática dentro do romance Dom Casmurro.

O resgate tentado por Bentinho se dá no campo da literatura, ao escrever sua história e a de seu amor por Capitu, e se também no campo da vida, ao construir uma réplica da antiga casa em que viveu quando jovem, para viver no agora da meia─idade, relembrando ou revivendo sua antiga alegria a partir dos objetos, dos livros, dos móveis em geral, que lhe sugerem o outro tempo.

O narrador não onisciente, só sabe o que pensa não o que Capitu ou Escobar pensam, por exemplo. Por isso, talvez, ele conta a história parecendo, sutilmente, enfatizar o comportamento inusitado (que incompreendida) de sua companheira, desde a infância até a época de casados.

Que se depreende dos protagonistas? Vê-se, ou melhor, sente-se um Bentinho ingênuo e uma Capitu perspicaz e sempre um passo adiante, uma Capitu que "refletia , refletia, refletia". Há ainda uma oposição nítida entre eles: a família de Bentinho tem mais posses que a Capitu. Portanto, quem teria mais a ganhar no casamento, em termos matérias, ele ou ela?

Bem, passemos a uma questão importante-chave para a resolução de todas as outras ─,que parece ser causa e ao mesmo tempo conseqüência de alguma coisa: a insatisfação de Bentinho.

É causa ter nascido livre e é conseqüência de ele achar-se logrado ou enganado. Ele viveu feliz ou pensa que viveu feliz até o momento em que (supostamente) foi enganado? Penso que ele, com efeito, viveu feliz e não apenas pensou ser feliz. Tanto que tenta resgatar os "bons tempos". Mas há uma barreira (que dá origem a outras, talvez) inexorável: o tempo entre uma e outra épocas da vida de Bentinho — tempo que o tornou cético, infeliz e agudo (no sentido de enxergar o que é e que não é bom nos homens). A barreira é vencida na literatura, já que o narrador nos deu sua história, até então completa. Mas, e na vida? Os indícios no romance nos sugerem que não. O Bentinho do agora da produção do texto do livro ainda é triste e irrealizado.

A irrealização tem como causa o malogro na tentativa do resgate (na vida, não na literatura) e, principalmente, o suposto "engano" lhe causado por Capitu—o que destruiu sua vida do antes do provável adultério, já que ele passa a crer que ela fingira sempre, com intuito de alcançar uma meta: a ascensão socioeconômica proporcionada pelo matrimônio. Assim, voltamos ao problema da oposição anteriormente referida e ao retrato pelo narrador de uma Capitu de atitudes medidas sempre e sempre. Além disso, há indícios descritos por ele que sugerem a traição de Capitu e Escobar, apenas indícios (nada concreto) de ocasiões e ações inabituais, como a visita um tanto estranha á casa de Bentinho, por Escobar, e aparentemente solidariedade da esposa deste a Bentinho; ou o choro demasiado de Capitu no enterro de Escobar. Um fato mais grave ainda: a aparência física entre o (suposto) filho e Escobar. Então, ele tenta provar para o leitor o adultério de Capitu, a partir de fatos e reminiscências reconstituídas desde a infância até a época da morte de Capitu e seu filho Ezequiel. Há ainda a narração dos desgostos atuais da meia-idade, da época em que escreve o livro. Tudo parece indicar ter havido realmente o adultério. Porém, não há flagrante. E só com um flagrante se pode precisar a existência de um.

Bentinho nos parece um fraco de espírito, ao contrário de Capitu. Por isso, ele parece querer se justificar o tempo todo, corroído talvez pelo remorso de ter sido injusto com quem mais amava no mundo.

E houve ou não o adultério, a genialidade de Machado de Assis deixa para o leitor decidir, finalizando o romance com o desfecho mais aberto que pude encontrar, pois o leitor hesita, aprendendo a sentir simpatia por Capitu (e até por Escobar) no decorrer da narrativa.

Outro fato deve ser apontado como elemento causador de ambigüidade: a história contada é uma versão, a de bentinho. E se fosse Capitu a nos contar a história, como esta seria?

Bem, se fosse falar da linguagem de Machado no romance, diria que é muito bem elaborada, muito sugestiva, muito... muito... Ele é perfeito. O livro é uma jóia rara; e Machado, incrível.


Autor: Alcir de Vasconcelos Alvarez Rodrigues


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