Grandes Esperanças de Pip, Lições e Conquistas



UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ – UVA

CURSO LETRAS HABILIDADE LÍNGUA INGLESA

DISCIPLINA: PRÁTICA DE PESQUISA – GRANDES ESPERANÇAS

PROFESSOR: MARTON GÉMES

 

ACADÊMICA: GILMARA CRAVEIRO DE VASCONCELOS

ARTIGO

Sobral – CE

2010

Introdução

O presente artigo tem por finalidade expor a estreita relação entre homem e dinheiro, mostrando suas vantagens indiscutíveis e ao mesmo tempo a proporção negativa que ele pode tomar na formação do caráter humano, caso não seja usado de forma correta.

É baseado nessa linha de pensamento que analisaremos Pip ,personagem central da obra Grandes Esperanças de Charles Dickens.Cuja vida sofre uma reviravolta benéfica a primeira vista,posto que o dinheiro se faz imponente,mas que essa mesma imponência acaba trazendo consigo inquietações e dúvidas existenciais.

Charles Dickens viveu na Inglaterra da Era Vitoriana, e é através do Pip existencial que o autor parece simultaneamente desprezar e abraçar os valores da cultura vitoriana burguesa, criticando o poder do dinheiro ao mesmo tempo em que enfatiza o trabalho. Dickens teve participação fundamental em grande parte para a introdução da crítica social na literatura de ficção inglesa.


 

Desenvolvimento

A obra Grandes Esperanças é desenvolvida na Londres Vitoriana, época essa de grandes mudanças e conflitos ocasionados por vários fatores relevantes como a Revolução Industrial, e principalmente pela força avassaladora do capitalismo que trouxe consigo o progresso. Porém, atrelado a isto, trouxe também a perigosa força do dinheiro, Mendes (1983, p.9) reforça esse pensamento quando afirma:

“Como resultados sociais da Revolução Industrial surgiram novas idéias, novas classes, o capitalismo, conflitos entra a indústria e o comércio e entre as próprias classes.” (MENDES, 1983, p. 9)

Foi dentro desse universo recheado de diferenças sociais que Dickens construiu Pip, menino órfão e pobre, nascido no campo, sem grandes aspirações, a princípio, “Nossa região era pantanosa, na parte final do rio, a vinte milhas do mar” (pág. 19). Mas que ao longo da história vai se moldando á esse pensamento capitalista em busca da aceitação não só da sociedade como também de si próprio, travando uma batalha interna com o objetivo maior de se encaixar nos parâmetros sociais da época, para enfim ser aceito e conquistar o amor de uma jovem que vive nesse mundo de hipocrisia, pensamento este endossado por Pina:

“Com uma notável verdade dramática, e pleno enraizamento no enredo de GREAT EXPECTATIONS, o personagem central vive e condensa a experiência, individual e coletivamente relevante, da passagem da adolescência à maturidade, do crescimento e desenvolvimento guiado por ideais e aspirações ao longo de um percurso de aparências e ilusões em que esses ideais e aspirações se confrontam com a realidade, se medem com ela e nela se esbatem ou afirmam, consoante ao ser humano for incapaz ou capaz de preservar o valor essencial da interioridade, o seu direito de soberania sobre o real e a sua liberdade, e assegurar a sua subjetividade, a sua qualidade de sujeito, e no equilíbrio possível, e humanamente necessário, entre a interioridade e a exterioridade.” ( PINA ,1984, p. 131)

Logo de início é mostrado ao leitor o universo infantil de Pip, enfatizando suas carências de afeto e recursos financeiros que poderiam proporcionar algum tipo de conforto ou educação.

Enquanto criança ele não demonstrava descontento (embora o sentisse) talvez porque achasse que a gratidão devesse imperar, posto que sua irmã o criara ­- mesmo que sem zelo ou afeto que constroem um cidadão considerado bom -, mas ainda assim o havia dado a chance de sobreviver.

“Minha irmã, Mrs. Gargery era, era mais de vinte anos mais velha que eu, e estabelecera, para si mesma e entre vizinhos, uma sólida reputação, por haver me educado “com as próprias mãos”. Nesse tempo, não tendo como descobrir o sentido daquela expressão senão por mim mesmo, e sabendo que minha irmã tinha uma dura e pesada mão e o costume ferrenho de a deixar cair tanto no marido quanto em mim, presumi que Joe Gargery  e eu estávamos sendo educados pelas próprias mãos de minha irmã.” (cap. 2, p.24)

Mas essa inocência se desfaz com a oportunidade de conhecer Mrs. Havisham. Fica explícito na obra essa atribuição, já que foi através desse encontro que Pip passou a enxergar outras possibilidades de vida, e acima de tudo conhecer as artimanhas do amor.

“Esse dia foi memorável para mim, pois causou grandes mudanças no meu destino. Mas é assim com todo mundo. Subtraia um determinado dia de sua vida e veja que, sem ele, sua vida teria tomado um rumo diferente. Faça uma pausa por um instante, leitor, e pense na comprida corrente de ferro ou de ouro, de espinhos ou flores, que jamais lhe estaria ligada, se um certo dia memorável não tivesse formado o primeiro elo dessa corrente.” (cap.9, p.95)

No mundinho vivido por ele até então, não havia grandes especulações sobre qualquer tipo de vida fora a que ele tinha, mas ao ser confrontado com essas novas perspectivas, Pip se vê diante de um mundo sem fronteiras. A maior barreira imposta a ele seria sem dúvida o dinheiro, ou melhor dizendo,a falta dele, começando aí uma jornada maravilhosa de ensinamentos e decepções proporcionados e causados por esse poderoso divisor de águas .

Nessa nova perspectiva de vida nada mais o era satisfatório, suas roupas, seu comportamento, a falta de modos, tudo isso fazia parte de uma lista de desgostos, caracterizando o começo de uma vida infeliz, já que em sua essência ele não passava de um simples aspirante a ferreiro.

“Durante o caminho ia refletindo sobre tudo o que havia visto, remoendo o fato de que eu era apenas um trabalhadorzinho vulgar, de que minhas mãos eram grosseiras, e igualmente de ter adquirido o desprezível hábito de chamar o Valete de Joãozinho, de ser eu muito mais ignorante do que na noite passada supunha ser, e, de um modo geral, ter uma vida ruim e inferior.” (cap. 8, p.87)

Com o retorno de Magwitch a obra, agora como provedor de Pip, novos caminhos se abriram, por conta dessa oportunidade de galgar passos maiores através dessa súbita “herança”, o jovem mudou literalmente de vida. È exatamente essa mudança que será mais aprofundada aqui. Se benéfica ou não, ou até mesmo as duas alternativas posto que o dinheiro trouxesse muito das duas opções.

Questionamentos podem ser perigosos quando não se consegue responder de forma convincente, porém, a visão geral do leitor é a de que Pip teve boas oportunidades diante de suas “grandes esperanças”, mas que pouco as aproveitou. Dentro dessa nova noção de mundo, ele até buscava manter o vínculo com os seus, mesmo que para ficar de consciência tranquila, (principalmente com Joe que era sem dúvida uma pessoas de boa índole), mas internamente preocupado com o  que aquilo podia atrapalhá-lo. Assim, deixava falar mais alto o desejo de ser inserido na sociedade embora, isso o obrigasse a se distanciar e até envergonhar-se dessas pessoas. O que Pip ainda não entendia era que o dinheiro não compra a paz de espírito nem o livraria de prestar contas com sua própria consciência.

“O carteiro entregou-me a carta na segunda- feira de manhã, e por conseguinte o encontro seria no dia seguinte. Quero confessar sinceramente os sentimentos os sentimentos com que esperei a chegada de Joe. Não foi com prazer, a despeito de estar ligado a ele por tantos laços. Foi com grande inquietação, uma certa mortificação e uma sensação aguda de incoerência. Se para mantê-lo longe de mim, eu tivesse de pagar, eu teria pago. Procurar-me na estalagem, porém , e não em Hammersmith, muito me tranqüilizava , pois ele assim não iria cair nas garras de Bentley Drummle, contudo, minha sensibilidade se aguçava e muito, pois eu o desprezava. E é assim que fraquejamos e cometemos na vida nossas piores perversidades por causa das pessoas a quem mais desprezamos. (cap. 27, pags. 247, 248)

Com essa percepção Pip aceitara ser uma espécie de bobo da corte para Miss. Havisham e Estella, e além disso, passou a servir de peça para um jogo de vingança tanto de Magwitch quanto para a velha senhora. O curioso nisso tudo é que a princípio Pip aceitou sem titubear a proposta de Miss Havisham com intuito de manter-se perto da arrogante amada, e mais adiante também pensando nesse amor aceitou ser manipulado por Jaggers sem nenhum tipo de questionamento de valores.

Porém, ao descobrir que o dinheiro tinha vindo de um degredado ele sentiu uma espécie de repulsa, que também se aplicou a Joe, levando a crer que essa repulsa se devia ao fato de faltar a eles o status social tão almejado por Pip, apesar de terem sido os únicos que lhe permitiram atingir maturidade.

A grande desvalia do dinheiro nessa obra é exatamente essa capacidade de persuasão que o dinheiro tem em relação ao ser humano. Não só em Pip, mas em muitos outros personagens apontados na obra. Porém, como a ênfase aqui é no personagem central, cabe lembrar que, o mesmo, errou de fato ao se deixar ludibriar pela ambição, desvalorizando suas raízes e os poucos que de fato o amaram. Assim esclarece Pina:

“Quando Jaggers lhe anuncia as grandes expectativas, e a riqueza que o consagrará como “ gentleman”, Pip crê que o dinheiro lhe comprará estatuto social e a união com Estella – a liberdade de Joe face ao poder do dinheiro é um valor que não consegue assimilar nesse momento; reconhece, a partir da sua aspiração interior- que é antes de mais  de desenvolvimento-  que não  lhe será possível satisfazê-la sem dinheiro.” (PINA, 1984. P-128)

Esse erro felizmente pode ser revertido quando Pip demonstrou capacidade de retomar um pouco do seu eu perdido, mostrando-se amigo fiel para Hebert, cuidando de seu degradado provedor e também tentando retomar os laços afetivos com Joe, que desde sempre foi quem mais mereceu sua gratidão. E além disso tudo, provando que havia finalmente entendido que o dinheiro não basta para construir um verdadeiro “gentleman” ,o que se espera de um nobre é  que tenha uma formação moral digna e acima de tudo sentimentos e atitudes sinceras.

“O personagem central apropria finalmente o valor de “gentleman” com um valor da interioridade humana quando reconhece em Magwitch, de par com o afecto que este lhe devota, inequivocamente um ser humano degradado pela sociedade, vítima da sociedade, que numa sociedade organizada não em função do dinheiro e do seu poder, nem das exterioridades que circundam e invadem o ser humano, mas dos valores da interioridade humana , não seria nem um ser inferior nem um criminoso.” (PINA, 1984. P.129)

Pip foi sabiamente criado por Dickens usando a característica principal do escritor, ser fiel aos detalhes tanto ao espaço físico quanto ao emocional do ser humano. Respeitando essa postura, o autor mostra como característica principal do personagem a fraqueza diante do poder do dinheiro, fraqueza essa, passível a todo homem que sem preparo nenhum se vê diante da possibilidade de ter o que sempre desejara.

Essa falta de preparo pode ser considerada uma das maiores deficiências de Pip, porém, sem esquecer que o próprio personagem é quem “conta a história” podendo assim suavizar um pouco suas verdadeiras intenções e atitudes.

Trazendo ainda o pensamento para outra discussão que não cabe aqui mas que se faz interessante, a diferença entre comum e  gentleman.Mostrando que se essa distinção de classes existiu ou ainda existe é porque realmente tinha ou tem um fundamento.

CONCLUSÃO

A mensagem transmitida pelos personagens de Dickens é que o ser humano é falho e facilmente ludibriado pela ambição e pelo poder que o dinheiro, sem dúvida, pode proporcionar. Mas que, além disso, esse falho ser humano também tem uma vida inteira para tentar acertar,assim como Pip, que através dos erros cometidos por dinheiro e status aprendeu muito, e teve a chance de conhecer o verdadeiro valor do dinheiro, que muito pode comprar com exceção do mais importante, que é o verdadeiro amor.

 Na obra fica claro a demasiada ambiguidade do dinheiro, mostrando que de nada adianta ter e não poder conquistar o verdadeiro amor, e ao contrário disso, muitos sentimentos hipócritas pode proporcionar o poder.

Nessa conotação Dickens leva o leitor a pensar no dinheiro como tendo dois pesos e duas medidas, embora tenha trazido muitas decepções a Pip também muito de bom o proporcionou, posto que sem essa oportunidade de crescer financeiramente e muito errar em cima disso, ele jamais teria tido a chance de aprender com seus próprios erros.

BIBLIOGRAFIA

MENDES, Oscar. 1983. “A era vitoriana”. In: Id. Estética literária inglesa. São Paulo; Brasília: Itatiaia; INL, (Col. Ensaios, v.10), p. 8-17.

PINA, Álvaro. 1984. “Great Expectations: A subjectividade como construção simbólica”. In: Id. Dickens: a arte do romance. Lisboa: Horizonte Universitário, p. 85-134.

DICKENS, Charles. Grandes Esperanças. Série Ouro, Martin Claret.

Tradução: Daniel R. Lehman.

 

 

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