Análise do filme ''Quero ser John Malkovich''



Análise do Filme:

Quero ser John Malkovich

Autoras: Ana Lucia Costa Morais

              Katarina Alves Lobo Sousa

O filme “Quero ser John Malkovich”, de 1999, escrito por Charlie Kaufman e dirigido por Spike Jonze, conta a história de Craig Schwartz que consegue um emprego no andar 7º e meio, onde encontra um portal escondida. A porta leva, para quem ultrapassá-la, até a mente do ator John Malkovich, onde pode permanecer durante 15 minutos em um plano de primeira-pessoa, até retornar numa estrada na saída de Nova Jersey. Impressionado com a descoberta Craig, resolve alugar o portal junto com a colega de trabalho por quem apaixona-se, Maxine.

Na primeira cena do filme, Craig controla uma marionete idêntica a si, que ao descobrir-se como marionete após ver-se no espelho, entra em desespero. O fato de dividir-se e projetar na marionete sua parte má, que mesmo quando boneco causa-lhe angústia e desespero (sentido pela marionete e não por si), remete-nos a teoria de Melaine Klein da divisão esquizo-paranóide.

Segundo Klein, o bebê, com seu ego imaturo, é exposto à ansiedade provocada pela polaridade inata dos instintos (pulsão de vida e pulsão de morte), defletindo o instinto de morte, parte como projeção e parte como agressividade. O ego, então divide e projeta para o seio esse instinto de morte e introjeta-o novamente, sendo sentindo como mau e ameaçador, originando o sentimento de perseguição (SEGAL, 1975).

Vale ressaltar, contudo, que ao longo do filme não identificamos de maneira precisa Craig sentindo-se perseguido, seja por perseguidores externos ou internos, podendo ser considerado pelo fato da projeção da parte má ter sido realizada em um objeto totalmente controlável por ele, as marionetes. Podemos, também, pressupor que a perseguição para Craig fora sentida tão intensamente que resultou em uma negação mágica onipotente, que gera uma fantasia de total aniquilação dos perseguidores, o que nos faz novamente retornar a marionete, que poderia servir como demonstração, através da fantasia, desse mecanismo de defesa, já que o personagem do boneco termina imerso em total sofrimento.

A fantasia, aliás, é muito usado por Craig através das criações das marionetes, sempre parecidas com pessoas de seu cotidiano, e as histórias que criava para elas. Melanie Klein afirmava que a fantasia poderia ser considerada não somente um mecanismo de defesa, mas também um “representante psíquico ou o correlato mental, da expressão mental dos instintos” (SEGAL, 1975), assim, cenas de insinuação de sexo ou seduzindo Maxine que foram produzidas por Craig com as marionetes, poderiam ser a idéia representante de parte dos seus desejos e instintos, sendo as fantasias primitivas originais, segundo Klein.

Melanie Klein, explica ainda que, a realidade externa influencia a fantasia inconsciente e por esta é influenciada, além disso, os objetivos da fantasia consistem em satisfazer os impulsos instituais, abstraindo da realidade externa a gratificação derivada da fantasia, podendo dessa forma encarada também, como uma defesa tanto contra a realidade externa da privação, quanto a uma realidade interna.

Com essa explicação, podemos então compreender a utilização tão freqüente de vivências fantasiadas com as marionetes, pois, juntamente com a teoria da posição esquizo-paranóide, percebemos que ao expelir sua parte má, utiliza da identificação projetiva dirigida a essa parte do ego, projetado no objeto mau, com o objetivo de obter controle sobre a fonte de perigo.

Ainda durante a divisão da posição esquizo-paranóide, a libido, assim como o instinto de morte, é projetada com o objetivo de “criar um objeto que irá satisfazer o esforço instintivo do ego pela preservação da vida” (SEGAL, 1975), produzindo dessa forma, a relação libidinal com o objeto ideal. Todavia, se houver inveja do sujeito pelo objeto ideal, e o mesmo não conseguir ser tão bom quanto ele, surge um círculo vicioso, em que a inveja impede a introjeção boa, o que aumenta a inveja, interferindo, assim, na posição esquizo-paranóide e gerando um forte desejo de danificar a bondade do objeto para retirar a fonte dos sentimentos invejosos (SEGAL, 1975).

Posterior a retirada da parte má do ego, Craig, então projeta sua parte boa no objeto ideal, que causa-lhe inveja e sentimento de esvaziamento do ego, pois projetou sua parte má e boa. Craig utiliza como mecanismo de defesa, novamente a identificação projetiva, contudo, dessa vez de forma anormal, em John Malkovich.

A identificação projetiva, na teoria de Melanie Klein,

trata-se de uma “fantasia distanciada da consciência”, que traz consigo uma crença de que certos aspectos do self acham-se situados alhures, com um conseqüente esvaziamento e senso enfraquecido do self e da identidade, chegando ao ponto da despersonalização (HINSHELWOOD, 1992).

Na falha de introjetar novamente a parte projetada, o sujeito produz tentativas forçadas de intrusão, podendo ser agravadas pela inveja (que visa, através do ingresso forçado destruir as melhores qualidades da pessoa invejada) resultando em formas extremadas de identificação projetiva, que segundo Bion, são classificados como normal e anormal, definidos pelo grau de violência na execução do mecanismo (HINSHELWOOD, 1992).

Na tentativa de defender seu ego da separação, da necessidade, da inveja e outras ansiedades, o sujeito utiliza a identificação projetiva anormal, que segundo Bion tem como marcas distintivas: (a) o grau de ódio e violência da cisão e da intrusão; (b) a qualidade de controle onipotente e, portanto, de fusão com o objeto; (c) a quantidade de ego que é perdido, e (d) o objetivo específico de destruir a percepção especialmente da realidade interna (HINSHELWOOD, 1992).

Não conseguindo lidar com seu estado mental penoso, Craig ingressa forçadamente em John Malkovich, utilizando também da fantasia, para alcançar alívio imediato e ao mesmo tempo, com o objetivo de controlar o ator (objeto ideal).

Nota-se, então, a patologia da identificação projetiva utilizada por Craig pela grande violência e onipotência que ocorre esse mecanismo, chegando ao ponto de Craig conseguir ser o único a controlar por completo John Malkovich, gerando, por fim, uma fusão do seu self com o objeto ideal.

A divisão do ego com a sensação de esvaziamento do self é vivenciada de tal forma por Craig, que mesmo depois de sair do corpo de John Malkovich, não consegue integrar-se, repetindo o mesmo processo com a filha de Maxine.

É importante comentar também de outra cena em que John Malkovich vivencia a oportunidade de entrar em contato com seu próprio ego divido em objetos bizarros, que mesmo não estando diretamente interligada com o personagem de Craig, demonstra de forma clara a teoria kleiniana sobre a divisão esquizo-paranóide já comentada.

Concluímos, portanto, que o filme “Quero ser John Malkovich” exemplifica parte da teoria de Melanie Klein estudada anteriormente, em toda sua dimensão complexa e detalhada sobre a formação do ego de um sujeito. 

Referências 

 Hinshelwood, R. D. Dicionário do pensamento kleiniano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.

 ROSA, Antonio. Quero ser John Malkovich e o pacto com o diabo de Se eu fosse você: destinos da identificação projetiva excessiva. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, vol.27, n. 2, Maio/agosto, 2005. Disponível em:

 Segal, Hanna. Introdução à obra de Melanie Klein. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975.


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