UMA ANÁLISE DO CORRECIONALISMO PENAL FRENTE AOS DESAFIOS HISTÓRICOS NO COMBATE AOS COMPORTAMENTOS DESVIANTES



A violência existe desde os tempos primordiais e começa a assumir novas formas à medida que o homem constitui as sociedades. Inicialmente foi entendida como agressividade instintiva, gerada pelo esforço do homem para sobreviver na natureza. A organização das primeiras comunidades e, principalmente, a organização de um modo de pensar coerente, que deu origem às culturas, gerou também a tentativa de um processo de controle da agressividade natural do homem.

Entre os séculos XVI e XVIII, alguns intelectuais, a partir de perspectivas diferentes, entre eles, Hobbes e Locke, afirmavam, basicamente, que tanto o Estado quanto à sociedade se organizaram a partir de pactos ou contratos firmados entre os indivíduos para regulamentar o convívio social, superar as tensões e instaurar a ordem política.

Thomas Hobbes (1588-1679) acentuava que, para evitar a destruição mútua e a situação de permanente insegurança e medo, os homens precisaram organizar-se em sociedade. Para tanto renunciaram a seu direito a todas as coisas, à liberdade ilimitada, aceitando submeter-se a uma autoridade política (Estado). Na raiz do processo de formação social e política, portanto, está à discórdia, o medo da morte, a desconfiança mútua, o desejo de paz e de uma vida confortável.

John Locke (1632-1704) afirmava que a principal finalidade de se constituir um Estado e de se organizar um governo, é a preservação da propriedade. A instauração do Estado a partir do contrato social se faz com base no consentimento, para que o corpo político instituído exerça a função de garantir a vida, a liberdade e, principalmente, o direito natural à propriedade, bases da chamada teoria liberal.

As leis e as proibições que o Estado impõe são essenciais para a convivência em grupo, constituem limites de nossos comportamentos, que organiza a sociedade e controlam nossas condutas. Sem estes limites não teríamos desenvolvimento, cultura, pensamento e linguagem. A lei é importante para se colocar ordem na consciência, sem ela todos viveriam o caos e a loucura.

Regras como não roubar, não matar, não dirigir embriagado são regras não somente para proteção de si mesmo, mas também para não ferir o direito do outro.

O fenômeno do crime é real e sempre existiu, pois é um fato normal da vida em sociedade justamente porque viver em grupo pode conter divergências e choques interpessoais, podendo ocorrer diferentes tipos de agressões, confrontos ou outros fatos caracterizados como crime, mas não significa aceitação do comportamento ilícito, o crime não pode se tornar comum e nem ser tolerado, a conduta antijurídica não é aceita pelo ordenamento jurídico.

O Estado detém o monopólio do uso da força, considerado legítimo na medida em que necessário para a manutenção da ordem e da segurança.

Na Idade Média a punição pelo não cumprimento das regras, significava desobedecer a Deus, com isso, utilizavam-se penas cruéis, causando dor e sofrimento de modo desproporcional ao crime com efeito de retaliação do erro cometido. Até os deficientes mentais ou doentes com alguma patologia inexplicável eram excluídos da sociedade porque seriam caracterizados como uma maldição espiritual. Ademais, verifica-se neste período medieval que tudo que incomodava a sociedade tinha que ser afastado do seio social, pois representava um risco, incômodo, perturbação, perigo e pecado, podendo se utilizar a própria morte como meio de punição pela por entende como prática do mal.

Na sociedade atual a exclusão é vista como uma das formas mais imediata de punir, de corrigir e de curar. Um dos problemas deste isolamento é que o encarceramento cria cada vez mais um número maior de marginalizados, e a exclusão facilita o surgimento de uma comunidade de delinquentes cada vez mais independentes e organizados.

Multiplicar a população carcerária no país, não resolve a criminalidade, porque a pena não é a melhor solução. Enquanto não resolvermos o problema da marginalização, da miséria, dessa vida abaixo da linha da pobreza absoluta, não integrarmos essa população, não superarmos a sociedade desigual, injusta e desumana, não resolveremos o problema da criminalidade. A exigência é de cada vez mais punição, de cada vez mais pena, mas isso é uma loucura. O sistema que criamos para combater a criminalidade é um sistema criminogênico. Ele produz e amplia a criminalidade.

O direito penal pode restringir um dos direitos fundamentais do ser humano, mas a pena deve ser trabalhada de maneira recuperativa, ou seja, que faça com que o delinquente saia da prisão melhor do que entrou, reconhecendo e erro, fazendo se policiar, melhorando a sua condição de vida. Não basta somente ter presídios em números crescentes onde o Estado usa a força ostensiva para defender a segurança combatendo o terror pelo poder coercitivo sem limites. Existe uma série de questões sociais que precisam ser trabalhadas.

O Estado tem o poder soberano sobre o povo em todo território de sua competência, seus atos estão definidos em lei. É importante refletir o porquê da ocorrência da prática ilícita, pois como a pessoa mesmo sabendo que existem regras penais mesmo assim comete um crime.

E na seara Penal até por uma questão de eficiência seria mais vantajoso ampliar a consciência moral, o sentimento coletivo e não somente o afastamento social, pois o Direito Penal tem que ser a ultima ratio, ou seja, deve ser utilizado em último caso, só depois que outros institutos falharem, pois a pena somente não combate a criminalidade.

O cultivo da bondade, honestidade, da educação, da decência e da polidez traz mais benefícios que a justiça penal. Cesare Lombroso (1835-1909) tentando entender o fenômeno criminal chegou até a defender que o crime é genético movidos por características biológicas, mas hoje sabemos que o crime acontece independentemente de genética, pois não envolve o DNA e sim as circunstâncias sociais e educação humana.

Uma lição ou um castigo serve para fortalecer a consciência moral e saber que em nossas vidas existem limites, o não castigar significa aceitar o erro, e não é isso que queremos. Um dos problemas do castigo penal é nessa reeducação, porque não é raro um criminoso ser reincidente, isso demonstra que o dilema ainda não foi solucionado, será que o Estado está falhando no projeto corretivo de prisão, de ressocialização e reeducação do preso? Ou o próprio comportamento humano não é possível de ser controlado? De quem deve recair a responsabilidade? Somente ao preso ou também ao Estado?

Ações de planejamento e organização social, na busca de melhores condições de vida e igualdades de oportunidades, no combate da exploração e da violência são práticas que devem ser constantemente praticadas. O controle social informal aquele estabelecido na comunidade, igreja, escola é muito mais benéfico que a força ostensiva do Estado, pois a punição é mais grave, é trágico e constrangedor, logo é mais viável vigiar do que punir, a vigilância constante impede que um delito seja cometido e faz com que as pessoas vigiem a si mesmo em suas práticas de vida.

Hoje não se queima pessoas na fogueira, mas ainda existe na natureza da pena um sentido de vingança, uma forma de reparação e para manter a sociedade organizada. A racionalidade e a humanização das penas faz com que o Estado possuidor do direito de punir busque a medida correta do ius puniendi de maneira legítima para que não extrapole seus limites de estabelecidos em lei.

REFERÊNCIAS:

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: a história da violência nas prisões. 26. ed. Brasília: Vozes, 2002.

GARCIA, Antônio, DE MOLINA, Pablos. Criminologia. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.


Autor: Caio Fernandes Nogueira


Artigos Relacionados


O Modelo Político De Encarceramento Dos Excluídos No Olhar De Alguns Autores.

A Antiguidade Da Lei Penal E Do Sistema Penitenciário Brasileiro

Foucault: AnÁlise Prisional E EvoluÇÃo Dos PrincÍpios Do Direito Penal

Direito Penal Mínimo E Direito Penal Máximo

Teoria De Estado Em John Locke.

Dentre Os Três Modelos De Resolução Dos Conflitos Penais (modelo Dissuasório Clássico, Modelo Ressocializador E Modelo Consensuado) Qual O Mais Eficaz Para Diminuir A Criminalidade?

Thomas Hobbes