A violência simbólica e a perda da identidade humana oprimida pelo liberalismo e sustentada pela ideologia
Caio Fernandes Nogueira[1]
Resumo: O texto fala do liberalismo contemporâneo influenciado pelo capitalismo moderno que faz com que a sociedade se individualize chegando a ofender direitos comuns. Isso se reflete diretamente na opressão social da maior parte da população que se tornam vítimas de um processo histórico marcado pela dominação de pequenos grupos na sociedade. Este trabalho analisa a desigualdade, sua relação com os problemas sociais e controle ligado por uma ideologia, fazendo com que a real essência de coletividade se perca no caminho, mas mesmo diante desses dilemas, alguns intelectuais fizeram apontamentos para a realização de uma mudança social como Karl Marx na defesa superação do individualismo e Paulo Freire na educação libertadora movida pela conscientização e luta pela transformação da sociedade.
Palavras-chaves: liberalismo, sociedade, violência, liberdade e ideologia.
Abstrat:
This paper analyzes the inequality, its relationship with social problems and control connected by an ideology, causing the real essence of community is lost on the road, but even in the face of these dilemmas, some intellectuals have made contributions towards the realization of a social change as Karl Marx in the defense of individualism and overcome Paulo Freire in liberating education driven by the awareness and fight for the transformation of society.
Keywords: liberalism, society, violence, freedom and ideology.
1 Introdução
É fato que as revoluções burguesas, principalmente a inglesa (séc. XVII) e a francesa (séc. XVIII) encerram definitivamente o feudalismo e inauguram um novo modelo de produção – o capitalismo. A burguesia, classe social em ascensão, irá conceber uma nova doutrina social ou uma nova ideologia para o capitalismo que se denominará o liberalismo.
Os princípios do liberalismo são: o individualismo, a propriedade, a liberdade, a igualdade e a democracia. Esta doutrina liberal coloca no esforço individual toda a responsabilidade para que as pessoas atinjam o sucesso e o progresso, desconsiderando as condições econômicas e sociais, desvalorizando a igualdade de condições.
2 Desenvolvimento
A liberdade sem limites é agressiva e opressora, gera dominação e controle, deixando os fracos encurralados, apertados, amassados, desrespeitando-o financeiramente, moralmente e humanamente.
Esta opressão é gerada por uma ordem que se posiciona injustamente sendo resultado de um processo histórico de desumanização. Esta desumanização violenta dá margem ao surgimento da luta pelo direito de cada ser humano, a luta pela liberdade, e pela afirmação do homem enquanto indivíduo possuidor destes direitos.
O liberalismo exalta a igualdade formal, reafirmando que “Todos são iguais perante a lei”. Os liberais consideram natural que existam pobres e ricos, defendem dizendo que nem todas as pessoas são talentosas ou esforçadas da mesma forma.
O liberalismo fortalece as diferenças de classes, hoje temos grupos que estão na situação de domínio, de poder, e outras (a grande maioria), que vivem à mercê das ordens e decisões tomadas pelos primeiros, numa situação de opressão. Ser oprimido significa não somente estar subjugado economicamente, mas principalmente não ser respeitado em suas manifestações culturais (valores, linguagem, religião, etc.) não ter voz na sociedade (suas insatisfações e suas propostas não são ouvidas), e não considerar-se sujeito de sua história. A condição de oprimido é muito complexa porque esse, muitas vezes, não se percebe como tal, ou pior, se percebe e considera como “natural” o fato de existirem os que mandam e os que são mandados (visão fatalista), também muitas vezes considerarem-se mesmo inferior e “merecedor” do lugar que ocupa na sociedade.
O próprio processo histórico da civilização é desumano, decisões dos rumos da sociedade vem de cima para baixo, de forma autoritária. Os padrões e modelos de cultura são ensinados por meio de um controle social, que despreza e ignoram as classes menos favorecidas, e estas classes buscam reiniciar a inserção cultural perdendo a real identidade por conta de uma lógica dominante que se expressa no jeito de pensar, falar, movimentar-se, enfim, enxergar o mundo, inserir-se neste e ainda ser bem-sucedido. Pierre Bourdieu (1930-2002) chama isso de “violência simbólica”, ou seja, o desprezo e a inferiorizarão da expressão cultural de um grupo por outro mais poderoso econômica ou politicamente, fazendo com que se perca a identidade e as referências, tornando-se fraco, inseguro e mais sujeito a dominação.
Karl Marx na sua crítica à sociedade burguesa salienta que em uma sociedade fundada na desigualdade econômica e social as garantias de liberdade e segurança do cidadão, que o Estado deve suprir, tornam-se, na maioria das vezes, apenas garantias da propriedade. Em A Questão Judaica, Marx reflete sobre os conceitos de liberdade e igualdade gerados no bojo da Revolução Francesa 1789, e conclui que a existência e a defesa da propriedade privada no contexto das Constituições geradas no processo de revolução burguesa delimita a vivência da liberdade e torna a igualdade apenas um elemento formal que dissimula a desigualdade realmente existente, ou seja, a igualdade proposta pala burguesia e principalmente a igualdade na troca é baseada no contrato de cidadãos livres e iguais, - é também a igualdade jurídica e a lei é igual para todos e todos são iguais perante a lei. Sabe-se hoje, que a igualdade jurídica – esconde, na verdade a desigualdade dos indivíduos concretos.
Se pensarmos na sociedade brasileira logo se perceberá a existência de uma sociedade autoritária e hierarquizada em que os direitos das pessoas não existem. Não existem para elite, porque ela não precisa, pois tem privilégios – (do latim previlégium = “lei especial”, vantagem concedida a alguém com exclusão de outros e contra o direito comum), - está cima de qualquer direito. Não existe para a grande massa da população que é pobre, desempregada e despossuída, pois suas tentativas de consegui-los são sempre encarada como caso de polícia e tratadas com o rigor do aparato reprodutor do Estado quase onipotente. A extrema liberdade com que é tratada a pequena elite corresponde à extrema repressão do povo. É A liberdade individual, com a sua aplicação, que forma a sociedade burguesa. Ela faz com que cada homem seja, nos outros homens, não a realização, mas antes a limitação de sua liberdade.
Marx afirma que a consciência humana é sempre social e histórica, isto é, determinada pelas condições concretas de nossa existência. Feuerbach estudara esse fenômeno na religião, designando-o com o conceito de alienação. Marx interessa-se por esse fenômeno porque o percebeu em outras esferas da vida social, por exemplo, na política, que leva os sujeitos sociais a aceitarem a dominação estatal porque não reconhecem quem são os verdadeiros criadores do Estado.
A inversão entre causa e efeito, princípio e consequência, condição e condicionado leva à produção de imagens e ideias que pretendem representar a realidade. As imagens formam um imaginário social invertido – um conjunto de representações sobre os seres humanos e suas relações, sobre as coisas, sobre o bem e o mal, o justo e o injusto, os bons e os maus costumes, etc. Tomadas como ideias, essas imagens ou esse imaginário social constituem a ideologia. A ideologia é um fenômeno histórico-social decorrente do modo de produção econômico.
À medida que, numa formação social, uma forma determinada da divisão social se estabiliza se fixa e se repete, cada indivíduo passa a ter uma atividade determinada e exclusiva, que lhe é atribuída pelo conjunto das relações sociais, pelo estágio das forças produtivas e pela forma da propriedade.
Cada um, por causa da fixidez e da repetição de seu lugar e de sua atividade, tende a considerá-los naturais (por exemplo, quando alguém julga que faz o que faz porque tem talento ou vocação natural para isso; quando alguém julga que, por natureza, os negros foram feitos para serem escravos; quando alguém julga que, por natureza, as mulheres foram feitas para a maternidade e o trabalho doméstico).
A naturalização é a maneira pela qual as ideias produzem alienação social, isto é, a sociedade surge como uma força natural estranha e poderosa, que faz com que tudo seja necessariamente como é. Senhores por natureza, escravos por natureza, cidadãos por natureza, proprietários por natureza, assalariados por natureza, etc..
O grupo pensante (os intelectuais) pensa com as ideias dos dominantes; julga, porém, que tais ideias são verdadeiras em si mesmas e transformam ideias de uma classe social determinada em ideias universais e necessárias, válidas para a sociedade inteira. Como o grupo pensante domina a consciência social, tem o poder de transmitir as ideias dominantes para toda a sociedade, através da religião, das artes, da escola, da ciência, da filosofia, dos costumes, das leis e do direito, moldando a consciência de todas as classes sociais e uniformizando o pensamento de todas as classes.
Com isso, podemos dizer que a ideologia é um fenômeno moderno, substituindo o papel que, antes dela, tinham os mitos e as teologias. Com a ideologia, a explicação sobre a origem dos homens, da sociedade e da política encontra-se nas ações humanas, entendidas como manifestação da consciência ou das ideias.
Assim, a função primordial da ideologia é ocultar a origem da sociedade (relação de produção como relações entre meios de produção e forças produtivas sob a divisão social do trabalho), dissimular a presença da luta de classes (domínio e exploração dos não proprietários pelos proprietários privados dos meios de produção), negar as desigualdades sociais (são imaginadas como se fosse consequência de talentos diferentes, da preguiça ou da disciplina laboriosa) e oferecer a imagem ilusória da comunidade (o Estado) originada do contrato social entre homens livres e iguais. A ideologia é a lógica da dominação social e política.
É possível verificar a existência de uma individualidade na sociedade capitalista na pesquisa da Professora Rosa Aparício Gómes, socióloga do Instituto Universitário Ortega y Gasset, da Espanha, que realizou um estudo em 2012, que apontou que universitários de cinco continentes estão mais preocupados com seu progresso pessoal do que em contribuir com a vida em sociedade. Dentre as principais razões apontadas pelos pesquisados para ingressar na universidade, 91% escolheram a necessidade de conquistar um trabalho. Os outros itens mais citados foram: gosto pelo estudo (43%) e vontade de obter uma melhor posição social (25%). Apenas 18% citaram a necessidade de ser útil à sociedade.
Quando questionados sobre quais os cinco aspectos mais importantes em suas vidas, o mais citado, com 94%, foi a família. Também foram apontados estudos (44%), amigos (43%), parceiro (33%) e futuro (27%). Os cinco menos escolhidos foram: religião (21%), trabalho (19%), lazer (6%), país (5%) e política (1%).
Outra questão que aponta certo grau de individualismo, na avaliação da pesquisadora, trata sobre os projetos que os universitários gostariam de conquistar nos próximos 15 anos. Ter um bom trabalho (62%), formar uma família (45%), fazer pós-graduação (41%) e ganhar dinheiro (30%) são os mais escolhidos. Os menos citados são: trabalhar para uma sociedade mais justa (8%), envolver-se em projeto social (5%), participar de grupo religioso (3%) e atuar em grupo político (2%).[2]
Quando o homem se individualiza, ele se torna impiedoso, competitivo, até porque todos querem viver bem, mas não podemos esquecer que vivemos em coletividade, o homem pensa muito no momento, no agora, e não pensa no amanhã, pois existe um interesse próprio e o que falta são as práticas da boa política, boas ações humanas que valorizem o próximo.
Rousseau afirmava que a história da humanidade culmina com a legitimação da desigualdade [política e econômica] entre os homens. Como consequência, ocorre a destruição da liberdade natural e fixa-se a propriedade privada, sujeitando o gênero humano ao trabalho, a miséria e a servidão – pacto ilegítimo ou coercitivo. A corrosão da prática humana faz com que não consigamos ter uma sociedade perfeita, e com a propriedade privada há acumulo de capital tendo a multiplicação das riquezas aumentando as desigualdades e as exclusões.
A desigualdade não permite que a lei seja justa para todos, pois “o homem nasce livre, e em toda parte encontra-se ferros – aprisionado”. A propriedade privada não é maléfica, o problema está no modo como o homem se apoderou dos bens materiais que não são utilizados para o benefício de todos. Isso é o que Rousseau chama de propriedade privada ilegítima.
Karl Marx só concebe a possibilidade da existência de uma ética a partir da superação do individualismo egoísta e possessivo, a partir da superação da dicotomia entre indivíduo (burguês) e o cidadão que permite ora a dominação das forças egoístas da sociedade civil que isolam o indivíduo da sua essência comunitária, ora a dominação de uma entidade abstrata – o Estado -, desvinculada da vida real dos homens. Em ambas situações, ocorre a negação da liberdade no sentido republicano. Portanto, a política marxista pressupõe a existência efetiva da res publica (“coisa do povo”, “coisa pública”). Nesse sentido, Marx foi um defensor da liberdade no sentido de emancipação humana, de liberdade como não-dominação e não limita os fins da vida política à instrumentalidade jurídica da proteção (formal) da liberdade individual. A liberdade humana, tal qual propõe Marx, incorpora o pensamento, a ação e a produção. É a liberdade que, sendo do indivíduo enquanto ser comunitário efetiva-se na comunidade política mediante a luta contra os mecanismos de dominação e alienação da liberdade humana, aderente à condição do indivíduo como ser social.
Para Marx, não há liberdade sob a dominação das forças egoístas da sociedade civil, ou do Estado que incorpora simbolicamente os indivíduos, mas que na verdade os exclui da vida polícia subtraindo-lhes a soberania. A superação dessa condição de perda da liberdade pela dominação é chamada, por Marx, de emancipação humana.
A educação conscientizadora, proposta por Paulo Freire (1921-1997), tem a tarefa ao mesmo tempo conscientizar criticamente o educando de sua posição social e mobilizá-lo internamente para a luta pela transformação da sociedade. Portanto, a educação assim entendida, reveste-se de um caráter essencialmente político. Ou seja, além do estudo, do conhecimento da aquisição de habilidades, a escola tem papel fundamental na construção de sujeitos autônomos, críticos, em condições para lutar pela superação das desigualdades e pela transformação da sociedade.
Este é o sentido da Pedagogia da Libertação – contribuir para a criação de homens e mulheres “livres” – abertos para a vida, para o novo, para um fazer e refazer permanente na busca do mundo que fará a todos mais felizes, e não somente alguns.
3 Considerações Finais
Algumas pessoas criticaram Paulo Freire, acusando-o de utópico ou sonhador. A elas, ele mesmo respondeu: “(...) Não há amanha sem projeto, sem sonho, sem utopia, sem esperança, sem o trabalho de criação e desenvolvimento de possibilidade que viabilizam a sua concretização. O meu discurso em favor do sonho, da utopia, da liberdade, da democracia e o discurso de quem recusa a acomodação e não deixa morrer em si o gosto de ser gente, que o fatalismo deteriora”. (FREIRE, 2001: p. 86).
REFERÊNCIAS
FREIRE. Paulo. Pedagogia do Oprimido. 8º ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
LORENSETTI, Everaldo et al. Sociologia. Curitiba: SEED-PR, 2006. p. 257.
MENDES, Ademir Aparecido Pinhelli et al. Filosofia. 2. ed. Curitiba: SEED, 2008, p. 270.
ROUSSEAU, Jean Jacque. O Contrato Social ou Princípio dos direito Políticos; tradução Ciro Mioranza. 1º ed. São Paulo: Escola Educacional, 2006. p.167.
SILVA, Jeane. Resumo de ''Pedagogia do Oprimido'. Disponível em: http://www.webartigos.com/artigos/resumo-de-039-039-pedagogia-do-oprimido-039-039/40397/. Acesso em: 28 jul. 2012.
TAVARES, Marcela. Ideologia (Marx e Marilena Chauí). Disponível em: http://filosofianocel.wordpress.com/2009/09/29/ideologia-marx-e-marilena-chaui/. Acesso em: 28 jul. 2012.
[1] Acadêmico de Direito pela Faculdade Arthur Thomas de Londrina-PR
[2] AGENCIA BRASIL. Pesquisa em universitários. Disponível em: http://primeiraedicao.com.br/noticia/2012/07/27/universitarios-preocupamse-mais-com-conquistas-pessoais-do-que-com-vida-em-sociedade-diz-pesquisa. Acesso em: 29 jul. 2012.
Autor: Caio Fernandes Nogueira
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