Democracia Direta?



Democracia Direta? 

No presente artigo, tratamos da hipótese elaboração e apresentação uma Proposta de Emenda à Constituição Federal, com fundamentos em casos semelhantes, nos seguintes termos:

“Proposta de Emenda à Constituição Federal

Acrescenta o inciso IV e o parágrafo sexto ao art. 60 da Constituição Federal, permitindo a apresentação de Proposta de Emenda à Constituição por iniciativa popular e sua aprovação mediante referendo popular.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3° do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda à Constituição:

Art. 1º. A Constituição Federal passa a vigorar acrescida do seguinte artigo 60, inciso IV:

“IV –  dos cidadãos, por meio da apresentação à Câmara dos Deputados de Proposta de Emenda à Constituição subscrita por, no mínimo, dois por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento de eleitores de cada deles”.

Art. 2º.  A Constituição Federal passa a vigorar acrescida do seguinte parágrafo 6o do artigo 60:

“Parágrafo 6o. A ‘Proposta de Emenda à Constituição’ de iniciativa popular será aprovada mediante referendo popular, nos termos da lei”.

Art. 3º. Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data da sua publicação.” 

                                                                                                                                  I.         Aos que concordam com referida PEC

A principal justificativa é a de que faz-se premente, nos tempos hodiernos, uma maior participação popular na política, com vistas à concretização do princípio de identidade entre povo e governo.

Levando em conta o divórcio existente hoje entre o Povo e a Nação, nossa missão constitucional afigura-se em incrementar a participação do povo no processo legislativo, a fim de contribuir para a correção de erros e para uma análise mais detida de eventuais omissões que incorrem os nossos corpos representativos.[1]

Nesse sentido, é expressamente previsto, à luz do artigo 1o, parágrafo único, que o poder que emana do povo será exercido por meio de representantes ou diretamente, e que a soberania popular será exercida também por referendo e iniciativa populares, segundo teor do art. 14, incisos II e III.

Daí a necessidade e a plausibilidade da introdução da “Proposta Popular de Emenda à Constituição” em nosso ordenamento constitucional.

Isso porque, a previsão expressa de iniciativa popular de “Proposta de Emenda à Constituição” em nosso ordenamento jurídico é numerosa, conforme depreendemos das seguintes Constituições Estaduais: Acre (art. 53, III, da Constituição Estadual), Alagoas (art. 85, IV, da Constituição Estadual), Amapá (arts. 103, IV, e 110 da Constituição Estadual), Amazonas (art. 32, IV, da Constituição Estadual), Bahia (art. 31 da Constituição Estadual), Distrito Federal (art. 70, III, da Lei Orgânica do DF), Espírito Santo (art. 62, III, da Constituição Estadual), Goiás (art. 19, IV, da Constituição Estadual), Pará (art. 8o, parágrafo único, da Constituição Estadual), Paraíba (art. 62, IV, da Constituição Estadual), Pernambuco (art. 17, III, da Constituição Estadual), Rio Grande do Sul (art. 58, IV, da Constituição Estadual), Roraima (art. 39, IV, da Constituição Estadual), Santa Catarina (art. 49, IV, da Constituição Estadual), São Paulo (art. 22, da Constituição Estadual) e Sergipe (art. 56, IV, da Constituição Estadual).

Noutras palavras, quinze (15) estados-membros de nossa Federação adotaram a iniciativa popular de “Proposta de Emenda à Constituição”, elemento que, por si próprio, autoriza a adoção deste instrumento no âmbito federal, isto é, junto à Constituição da República Federativa do Brasil.

A Lei Orgânica do Município de São Paulo também admite o encaminhamento de emendas por iniciativa popular, conforme estabelecido em seu art. 5o, parágrafo 1o, II.

Resta evidente, portanto, que a ampliação da participação popular desempenhará papel preponderante na formulação de políticas públicas pelo Estado, em suas três funções (legislativa, executiva e judiciária), e trará todos estes mais pertos uns dos outros, a fim de conferir maior celeridade, transparência e efetividades às questões de nossa realidade social.

Segundo Paulo Bonavides “desenha-se, portanto, em nossa ordem jurídica, uma aguda e grosseira crise de constitucionalidade material, um estado de sítio das instituições, um autoritarismo tanto político como econômico, que usurpa poderes, provocado, em grande parte, pela omissão de quantos, silenciado a voz do comando do art. 14, se obstinam em impedir que se levante uma das colunas da democracia constitucional – sem dúvida, a mais importante de todas –, que é o povo investido diretamente no exercício da soberania através da iniciativa, do plebiscito e do referendo; o povo, por igual, fazendo as suas leis, tomando as suas decisões; o povo nas urnas da participação – a participação direta, indubitavelmente, a mais legítima de todas; o povo, enfim, senhor do seu próprio destino, sem intérpretes, sem representante, sem intermediários, colocado naquela faixa onde a Constituição lhe concedeu um espaço de soberania que ele nunca pôde ocupar por descumprimento dos preceitos vazados nos arts. 1o e 14 do Texto Supremo”.[2]

E arremata: “São artigos onde bate o coração da democracia e pulsa a liberdade do cidadão”.

José Afonso da Silva, seguindo a mesma toada, explica que a aplicação desses institutos de participação popular em matéria de emenda constitucional não está excluída.

E continua, aduzindo que o uso desses institutos irá depender “do desenvolvimento e da prática da democracia participativa que a Constituição alberga como um de seus princípios fundamentais”.[3]

Ou seja, traremos à população um instrumento que poderá lhe ser muito útil, principalmente às próximas gerações[4], que exercerão diretamente a possibilidade de mudar o texto constitucional, sem que este contenha a vida em sociedade ou pare o vento com as mãos.

Conforme preleciona Canotilho: “Nenhuma lei constitucional evita o ruir dos muros dos processos históricos, e, consequentemente, as alterações constitucionais, se ela já perdeu sua força normativa. (...) Em sentido absoluto, nunca uma geração fundadora pode vincular eternamente as gerações futuras”.[5]

Nesse sentido, vislumbramos que a incorporação da “Proposta de Emenda à Constituição” por inciativa popular trará muitos benefícios à sociedade brasileira, com o fim de consolidar a soberania popular e o implemento da cidadania

Compreende-se, pois, que a Proposta de Emenda à Constituição acima apresentada é constitucional.

                                                                                   II.         Segundo os que não deferem plausibilidade jurídica à PEC em comento

Faz-se necessário analisar a limitação implícita contida no texto constitucional referente ao poder constituinte derivado reformador.

 A limitação explícita e implícita que controla o Poder Constituinte derivado-reformador é reconhecida por Pontes de Miranda[6], Pinto Ferreira[7] e Nelson de Souza Sampaio[8], que dentre outros publicistas “salientam ser implicitamente irreformável a norma constitucional que prevê limitações expressas (CF, art. 60), pois se diferente fosse, a proibição expressa poderia desaparecer, para, só posteriormente, desaparecer, por exemplo, as cláusulas pétreas. Além disso, observa-se a inalterabilidade do Poder Constituinte derivado-reformador, sob pena de também afrontar a Separação dos Poderes da República”.[9]

Canotilho, por sua vez, ao ponderar sobre certas garantias que objetivam assegurar a efetividade das cláusulas pétreas aduz que “as constituições não contém quaisquer preceitos limitativos do poder de revisão” compreendendo também que há “limites não articulados ou tácitos, vinculativos do poder de revisão. Esse limites podem ainda desdobrar-se em limites textuais implícitos, deduzidos do próprio texto constitucional, e limites tácitos imanentes numa ordem de valores pré-positiva, vinculativa da ordem constitucional concreta”.[10]

Consoante Nelson de Souza três categorias constitucionais estão fora do alcance do poder de reforma, quais sejam: “1) ‘as concernentes ao titular do poder constituinte’, pois uma reforma constitucional não pode mudar o titular do poder que cria o próprio poder reformador; 2) ‘as referentes ao titular do poder reformador’, pois seria despautério que o legislador ordinário estabelecesse novo titular de um poder derivado só da vontade do constituinte originário; 3) ‘as relativas ao processo da própria emenda’, distinguindo-se quanto à natureza da reforma, para admiti-la quando se tratar de tornar mais difícil o seu processo, não aceitando que vise a atenuá-lo.”[11]

Frise-se, ademais, que não há exemplos de controle de constitucionalidade referente às emendas que desrespeitem as limitações implícitas impostas ao poder constituinte derivado reformador.

Segundo Gilmar Mendes, ao tratar do tema em apreço, aí reside o grande desafio da jurisdição constitucional: não permitir a eliminação do núcleo essencial da Constituição, mediante decisão ou gradual processo de erosão, nem ensejar que uma interpretação ortodoxa ou atípica acabe por colocar a ruptura como alternativa à impossibilidade de um desenvolvimento constitucional legítimo.[12]

                                                                                                                                                                  III.         Conclusão

Concordamos, nesse diapasão, com uma significante parcela da doutrina que compreende não ser possível desrespeitar, quanto mais alterar (a não ser que seja para tornar mais rígido e dificultoso o processo de emenda constitucional) os preceitos fixados no artigo 60 da Constituição Federal.

Assim, se as limitações impostas pelo citado artigo forem desrespeitadas, a emenda será inconstitucional, devendo ser retirada do ordenamento jurídico por meio das regras atinentes ao controle de constitucionalidade.

 

 

 


[1] TEIXEIRA, J. H. Meirelles. Curso de Direito Constitucional, p. 443.

[2] BONAVIDES, Paulo. Teoria da Democracia Participativa. 3 ed., p. 140. O autor faz referência aos seguintes artigos da Constituição Federal: “Art. 1o A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federa, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político”; com ênfase ao parágrafo único: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição”; e “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular”.

[3] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 28 ed., p. 63.

[4] Em resposta à pergunta formulada nos Writings de Thomas Jefferson: “uma geração de homens tem o direito de vincular a outra?”.

[5] CANOTILHO. J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição,7 ed., p. 1065.

[6] MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. 2 ed., p. 528.

[7] FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira, 7 v., p. 192-195, 208-209.

[8] SAMPAIO, Nelson de Souza. O poder de reforma constitucional moderno, 2 ed., p. 40, 80, 88.

[9] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 27 ed., p. 693.

[10] CANOTILHO. J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição,7 ed., p. 1065.

[11] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 28 ed., p. 68.

[12] MENDES, Gilmar Ferreira. Estado de Direito e Jurisdição Constitucional, 1 ed., p. 1002.

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