Should I Stay or Should I Go (em Português)



Os brasileiros são do mundo todo.

Constantemente ouvimos os nossos colegas brasileiros que vivem no exterior falando sobre o quanto sentem falta de casa. Ao mesmo tempo que reclamam, dizem ser impossível voltar e readaptar ao lugar de origem. Brasileiros residindo no exterior dizem que estão tão acostumados com suas novas vidas "estrangeiras" que se torna difícil voltar e morar nas regiões tropicais da América Latina. Isso inclui os jovens que se formaram no exterior. Sim, talvez existe um pouco de verdade nesta forma de pensar, mas, perdoe-me por dizer, voltar não pode ser tão difícil assim. Voltar e, eventualmente, readaptar ao lugar de onde viemos talvez seja a melhor coisa para um indivíduo, especialmente se essa pessoa pode contribuir para o desenvolvimento do país. Enquanto vivendo no exterior, muitos de nós recebemos formações acadêmicas, dominamos outras línguas além do Inglês, aprendemos certas habilidades e aumentamos o nosso conhecimento geral. Muitos de nós nos tornamos pessoas melhores com habilidades capazes de influenciar e, até melhorar, as coisas ao nosso redor com pouco esforço. Um bom número de cidadãos brasileiros vivendo no exterior trazem consigo novos conhecimentos e experiências em abundância. Estes são, por exemplo, as pessoas que deveriam estar sendo convocadas para voltar e guiar o país para a frente (obviamente com sua devida remuneração). Os novos conhecimentos que adquirimos é o que devemos manter conosco para aplicar onde é mais necessário.

O Brasil sempre foi (e sempre será) muito diferente dos Estados Unidos. Os EUA conseguiu aperfeiçoar a democracia ao longo dos últimos 225 anos, enquanto o Brasil tem se esforçado para manter a sua desde os últimos 100 anos. Os estilos de vida hoje entre os dois países são também muito diferentes. A maioria dos americanos vivem para atingir suas metas pessoais a longo prazo, enquanto a maioria dos brasileiros vivem um dia de cada vez. Os Estados Unidos hoje serve de lar para mais de 1,1 milhões de imigrantes brasileiros. Infelizmente, o fato que muitos brasileiros deixaram seu país natal serve de imagem para explicar o próprio Brasil de muitos anos atrás—não só um país consumido pela corrupção e pela violência, mas um lugar onde milhões deixaram suas famílias para reiniciar suas vidas em outros lugares. Mas o fato curioso aqui é que, durante esse tempo todo, muitos de nós mudamos para países totalmente diferentes e nos adaptamos muito bem. Um bom número de nós, brasileiros, começamos a mudar para continentes diferentes e acabamos permanecendo por lá. Essa permanência só é possível porque os brasileiros se adaptam tão bem em qualquer lugar que conseguiram se misturar e fazer parte dos estilos de vida da Europa, Ásia e América, e ainda assim, preservando a etnia brasileira.

Nossa própria cultura de hoje é remodelada por influências estrangeiras. Mesmo antes de 1800, o Brasil vinha recebendo imigrantes de Portugal e, mais tarde, povos da Europa e Ásia. Excluindo os milhares de emigrantes que fugiram de Portugal com a família real para a antiga capital do Rio de Janeiro, a maioria dos imigrantes foram trazidos com o intuito principal de trabalhar na descoberta de minerais e também beneficiar o setor agrícola, que tem sido tradicionalmente a base da economia do Brasil. Além destes imigrantes, nós também temos as influências africanas que foram incorporadas pelos escravos, e ainda antes destes, os indígenas também contribuiram com suas influencias e costumes. A população brasileira de hoje é o produto final do que os EUA chamam de "melting pot". Os americanos vem falando por muitos anos sobre a inédita força do multiculturalismo e como a mistura dos povos estrangeiros irá, eventualmente, tranformar a cultura norte-americana. Mas a realidade é que isso nao é nada inédito no velho Brasil. Nossos sobrenomes são de descendência espanhola, italiana, japonêsa, portuguesa e a lista continua. Poucos são os brasileiros com sobrenomes verdadeiramente nativos, se é que haja algum sequer. Nossas aparências são únicas, porém, modeladas pelos traços de todos os povos—de dentro e fora do nosso país. Os brasileiros podem parecer indianos, coreanos, alemães, italianos... o povo brasileiro pode, literalmente, parecer com todo mundo. Isso não quer dizer que os brasileiros não têm uma aparência particular, mas a nossa combinação de traços únicos é o que define o nosso povo. Isso mostra que os brasileiros vem se adaptando no seu próprio país antes mesmo dos anos 1800's. Nós não estivemos sempre lá; nossas famílias não estiveram sempre lá. Nossos ancestrais um dia foram, na verdade, recém-chegados no lugar que chamamos de casa, e não só parece que eles se adaptaram, mas nos também nos adaptadomos muito bem, não é?

É por isso e por outros motivos que os brasileiros podem retornar para casa e se dar muito bem. A dificuldade em lidar com a ideia de voltar para o Brasil tem a ver com a transformação da nossa psicologia depois de passar tanto tempo longe de casa. Usando os EUA como exemplo, durante os nossos primeiros anos fora, esforçamos para fazer parte da nova sociedade local. Normalmente, nossos primeiros colegas são também da mesma origem e chegaram aqui buscando trabalho. Então nós nos relacionamos e aprendemos tudo com eles. Começamos a nos misturar antes mesmo de tentar entender qual o melhor jeito de lidar com a nossa própria vida no exterior. Até aprendermos quais os melhores lugares para frequentar e os melhores amigos para se manter, seguimos com o ideal de que devemos trabalhar como loucos para alimentar a vida que deixamos no Brasil. Vivemos uma vida dupla. Mas isso só dura até percebermos que não podemos viver duas vidas diferentes. Daí então fazemos menos ligações para o Brasil. Daí então começamos a ser mais egoísta e cuidar melhor de nós mesmos. Daí então mandamos menos dinheiro para nossos familiares. Daí então finalmente percebemos que podemos ter uma "nova vida" mais confortável, mas para isso, temos que investir mais em nós mesmos. Daí surge um válido contra-argumento para confortar o nosso desejo de ficar: talvez a razão pela qual não queremos voltar é porque essa nova “vida americana" nos proporciona o conforto e conveniência que sempre corremos atrás sem sucesso algum.

A melhor qualidade de vida que temos na América é, sem dúvida, uma força que nos faz querer ficar por aqui. É normal não querer voltar para um lugar que nos bateu a cara cerca de 20 a 25 anos atrás. É desnecessário dizer que nos sentimos mais seguros em um ambiente já desenvolvido e que nos dá oportunidades, até mesmo durante o maior caos econômico desde a Great Depression. É muito mais fácil se identificar com um lugar que nos trata como merecemos. Nossas memórias do passado nos trás de volta aos tempos de oportunidades raras e poucas ferramentas para se consertar e se manter financeiramente. O Brasil de antes martelava nossos pés ao chão e nos impedia de sequer tentar subir os degraus das classes econômicas. O norte da América é um lugar completamente diferente (ou pelo menos, tem sido na sua maior parte da história). Uncle Sam realmente permite que nós, povos de todas as raças e origens, comecemos do zero, e quando trabalhamos duro, somos justamente recompessados. Para aqueles sem um diploma universitário, trabalhando como encanador ou eletricista pode pagar tão bem quanto um recém-formado, se não mehor. Por outro lado, um diploma universitário é um investimento pessoal e será útil para o resto da vida, enquanto a vantagem e capacidade de trabalhar como carpinteiro, por exemplo, é limitada.

As chances oferecidas pela atual economia brasileira ainda não são tão abundantes, mas de forma lenta e continua, porém, só tem a melhorar. Como se sabe (e como ouvimos o tempo todo), a economia brasileira está cada vez melhor. Empregos estão sendo criados como nunca, investimentos estrangeiros estão sendo injetados na economia diariamente, a infra-estrutura e a educação estão finalmente sendo reconhecidos como um problema a ser levado mais à serio, as mulheres têm melhores oportunidades de trabalho, a fome e a pobreza são hoje vistos como velhos hábitos vergonhosos, a violência nas grandes cidades finalmente começa a custar votos aos políticos. O Brasil vem abordando seus problemas e caminhando em direção a dias melhores. É claro que alguns hábitos antigos nunca quebram (ou talvez levará mais tempo). Hábitos persistentes são, por exemplo, uma seleção de futebol que não ganha mais títulos, ou novelas que insistem em atrasar a mente dos seus telespectadores, ou as famílias ricas que contratam empregadas domésticas e as roubam de qualquer chance de carreira profissional ou aprendizagem pessoal.

O Brasil nunca deixou de ser aquele lugar bom de gozar a vida. E agora, economicamente falando, o país se move em direção a dias melhores. Nós que moramos fora, com toda a experiência e conhecimentos que adquirimos enquanto vivemos no exterior, formamos uma força inédita e influente para a economia brasileira—especialmente os jovens adultos. Somos pessoas que pensam de forma inovadora mas que podemos aprender muito mais com aqueles que sempre praticaram a cultura brasileira. Temos a habilidade de revolucionar o estilo ultrapassado que vem gerênciando o Brasil. Mesmo que a economia brasileira vem melhorando, o sistema político de hoje é apenas um reflexo moderno da pós-ditadura antiga: velhas idéias para solucionar velhos problemas. Os jovens que viveram e estudaram no exterior aprenderam a pensar de maneira desigual. Eles carregam perspectivas e ideais universais de natureza diferente e que podem ser utilizados para resolver os problemas importunos do Brasil. Isso não quer dizer que os estudantes brasileiros que frequentam escolas no exterior são mais inteligentes, mas eles são apenas bem preparados, pois passam por experiências e oportunidades desconhecidas no Brasil. O artigo "Brazil: Sustaining Economic Growth”, publicado por várias revistas brasileiras nos EUA e no Reino Unido, fala em maior profundidade sobre o precário sistema educacional dentro do Brasil.

Então, talvez, as baixas temperaturas de Nova York ou o clima úmido da Flórida devorou nossas memórias da beleza tropical do Brasil. Ou talvez o valor decrescente do dólar misteriosamente aparenta ser bom para todo mundo—enquanto a moeda do Real não o alcança. Baseando-se em sua mais recente história, o Brasil tem nos dado todos os motivos para fugir de casa e nunca mais voltar. Há pouco tempo, presenciamos a ditadura brasileira, depois vimos a destruição econômica causada pelas más decisões de Fernando Collor de Mello, e, finalmente, adotamos a pratica necessária de instalar grades de ferro nas janelas das nossas próprias casas enquanto a violência urbana se escalava e a falta de oportunidades aumentava para o resto do povo. Mas hoje os tempos são diferentes. O Brasil ainda não é uma superpotência desenvolvida, e isso pode levar algumas décadas para chegar ao pé da letra, mas nos podemos ajudar o país a chegar lá mais rápido. A “pegadinha” aqui é que vamos ter que levantar as mangas e ser proativos. Nos que viemos de fora não seremos nada úteis se voltarmos de braços cruzados esperando por dias melhores. Voltar exige esforço e persistência individual. Não podemos simplesmente pegar uma carona na economia e desfrutar do tal desenvovimento. Se não mergulharmos de cabeça no sistema e influênciar na reforma, só retardaremos o processo de desenvolvimento econômico. Para aqueles que aceitam o desafio de voltar, é necessário aplicar os conhecimentos e habilidades que adquirimos no exterior a fim de impulsionar o país para a frente. A única dor de cabeça vai ser atualizar todos os documentos, como o Título de Eleitor, e se acostumar, de novo, com a burocracia excessiva. Somente depois destas pequenas inconveniências, aprecie uma cerveja estupidamente gelada no Bar do Zé seguido de um churrasco no final da tarde.

Junho, 2011


José Ricardo é formado em Administração & Comércio Exterior pela University of Bridgeport e atualmente está concluindo seu MBA.


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