A INTERDISCIPLINARIDADE APLICADA À PSICOLOGIA JURÍDICA E AO DIREITO



A INTERDISCIPLINARIDADE APLICADA À
PSICOLOGIA JURÍDICA E AO DIREITO
Ana Lícia Santos Braga1
Mariângela Aparecida Santos de Oliveira2
Vanessa Mourão Ferreira3
RESUMO: É inegável a importância da Psicologia Jurídica a fim de desmitificar os discursos vigentes no senso comum acerca da possível interdisciplinaridade do Direito com outros ramos das Ciências Humanas. Desse modo, o presente artigo tem por objetivo apresentar a relação existente entre os ramos da Psicologia e do Direito, bem como explorar a importância decorrente dessa interdisciplinaridade, tanto para o Psicólogo Jurídico quanto para os Operadores do Direito em seus diversos ramos de atuação.
PALAVRAS CHAVE: Psicologia. Direito. Psicologia Jurídica. Interdisciplinaridade.
INTRODUÇÃO
A atuação integrada entre os profissionais de Direito e Psicologia se mostra cada vez mais necessária nos tempos modernos. Prova disso se dá pelo fato de que, muitas vezes, para a realização de uma apreciação judicial efetiva, faz-se necessária toda uma análise dos aspectos psicossociais que envolvem a causa. Entretanto, antes de adentrar essa importante questão de conexão de disciplinas, se faz necessário salientar alguns conceitos, sem os quais a compreensão do que se pretende ficaria comprometida.
Primeiramente, destaca-se o conceito de um dos núcleos basilares do presente trabalho: a Psicologia. Jorge Trindade(2011), em um de seus manuais, a define como o estudo científico do comportamento e dos processos mentais, sendo o comportamento aquilo que está caracterizado nas ações humanas (falar, escrever, caminhar etc.), e os processos mentais se relacionando aos aspectos de experiência interna (sentimentos, afetos, sonhos etc.).
A psicologia possui diversas áreas, que se expressam através de diferentes linguagens. Dentre elas encontra-se a Psicologia Jurídica, que por sua vez é a psicologia que ajuda o Direito a atingir seus fins. O autor supracitado diz “tratar-se de uma ciência
1 Acadêmica do 8º período Do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES
2 Acadêmica do 8º período Do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES
3 Acadêmica do 8º período Do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES
auxiliar do Direito, e não aquela que o questiona, nem aquela capaz de o interrogar.” Trata-se de uma disciplina ainda em construção, talvez em virtude da impermeabilidade característica do Direito e dos que atuam no ramo, que muitas vezes não atribuem a devida importância ou mesmo não demonstram receptividade no que se refere aos benefícios que outros âmbitos poderiam oferecer. Tal fato se mostra uma incoerência, uma vez que psicologia e direito tratam da conduta humana, primando sempre pela justiça.
Acerca dos indícios iniciais de integração entre Direito e Psicologia, discorre Fernando de Jesus(2010):
Os primeiros sinais do surgimento da Psicologia Jurídica iniciam-se no Séc. XVIII. Um dos temas iniciais que estabeleceram a natural relação entre Psicologia e Direito foi o sentimento jurídico do estabelecimento de normas para o convívio comum conforme as regras e normas de conduta estabelecidas por determinado grupo social.
Outro importante marco relativo a essa integração se deu já no Séc. XIX, quando Mittermaier, na obra La doctrina de La prueba, ressalta a importância do testemunho na decisão judicial, bem como de outras causas capazes de atenuar a responsabilidade legal de uma ação. Nota-se nesse momento uma Psicologia Jurídica especialmente voltada aos comportamentos delitivos.
Feitas as análises conceituais e uma breve passagem sobre alguns dos primeiros sinais marcantes de conexão entre o âmbito jurídico e psicológico, faz-se a seguir uma maior explanação acerca dessa importante interdisciplinaridade que é objeto do presente estudo.
BREVES APONTAMENTOS ACERCA DA RELAÇÃO INTERDISCIPLINAR ENTRE PSICOLOGIA E DIREITO
O Direito faz um estudo sobre o comportamento da sociedade. Segundo Hermann Post, “Direito é a exposição sistematizada de todos os fenômenos da vida jurídica e a determinação de suas causas”. É um setor da vida social e deve ser estudado sociologicamente e independe de outras acepções. É, ainda, o conjunto das condições existenciais da sociedade, que ao Estado cumpre
O Direito tenta abarcar da forma mais ampla possível todas as situações existentes na sociedade, a fim de assegurar o direito dos indivíduos em sua totalidade. Para tanto, necessita da ajuda de diversas outras disciplinas especializadas em cada arcabouço social, pois, justamente devido à sua amplitude, é humana e cientificamente impossível aprofundar-se em todos esses institutos.
Cada disciplina auxiliar do Direito carrega consigo suas peculiaridades. Nesse sentido, a Psicologia define estruturas, processos e passa a ver o desenvolvimento como algo primordial. O papel do psicólogo então seria o de desencobrir as dificuldades e estimular o desenvolvimento pleno de cada indivíduo.
A psicologia está ligada à aplicação concreta do direito, sobretudo pelo fato do direito corresponder a uma ciência humana, passível de múltiplas interpretações e compreensões dos comportamentos envolvidos, como também serve de suporte ao restabelecimento psicológico dos indivíduos afetados pelos conflitos decorrentes do próprio trâmite processual e pela própria complexidade das relações humanas.
Quando o psicólogo passa a atuar no âmbito jurídico, seu objetivo de início, foi realizar avaliações, laudos e pareceres que auxiliem o juiz em suas decisões. Caberia ao Psicólogo predizer e definir o comportamento de um indivíduo.
A Psicologia Jurídica, de acordo com Fátima França, deve fazer um estudo do comportamento e as consequências das ações jurídicas sobre o indivíduo. Sendo assim, subdivide-se em: Psicologia Jurídica e o Menor; Psicologia Jurídica e o Direito de Família; Psicologia Jurídica e o Direito Cível; Psicologia Jurídica do Trabalho; Psicologia Jurídica e o Direito Penal; Psicologia Judicial ou do Testemunho, Jurado; Psicologia Penitenciária; Psicologia Policial e das Forças Armadas; Vitimologia; Mediação; Formação e Atendimento a Juízes e Promotores; entre outros assuntos.
Para introduzir o conceito de interdisciplinaridade, mister se faz definir a noção de disciplina. A disciplina é uma maneira de organizar, de delimitar. Representa um conjunto de estratégias organizacionais, uma seleção de conhecimentos que são ordenados para serem apresentados ao aluno, com o apoio de um conjunto de procedimentos didáticos e metodológicos para seu ensino e para a avaliação da aprendizagem. É uma categoria organizada dentro das diversas áreas do conhecimento que as ciências abrangem. A interdisciplinaridade estabelece então uma relação de interação entre as disciplinas.
A interdisciplinaridade não dilui as disciplinas, ao contrário, mantém sua individualidade. Mas integra as disciplinas a partir da compreensão das
múltiplas causas ou fatores que intervêm sobre a realidade e trabalha todas as linguagens necessárias para a constituição de conhecimentos, comunicação e negociação de significados e registro sistemático dos resultados. BRASIL (1999, p. 89)
Portanto, a interdisciplinaridade soma os valores das disciplinas para que um complemente o conhecimento contido no outro. No âmbito jurídico isso não é diferente, uma vez que as disciplinas auxiliares trazem à tona resultados bastante satisfatórios quando solicitadas.
Como exemplo, cita-se a atuação do assistente social nos trabalhos relativos à proteção da criança e do adolescente, através dos CRAS – Centro de Referência de Assistência Social – e do Conselho Tutelar. O profissional do Direito trabalha com aquilo que lhe é apresentado como prova e pedido. Não há uma outra forma de contato que não seja aquela estabelecida no escritório do advogado ou na sala de audiência. Já o assistente social trabalha mais próximo do indivíduo, vai até o local da situação para apuração dos fatos e elaboração do parecer apropriado. Da mesma forma, o profissional da Psicologia, através do contato com o indivíduo, formula o seu olhar sobre a situação de acordo com os conhecimentos inerentes à profissão.
De acordo com Luiza Teixeira Carvalho, a função da Psicologia Forense é de assessorar, acompanhar, apoiar, dar orientação pertinente a cada caso atendido nos diversos âmbitos do sistema judiciário. Assim, fornece ao julgador uma adequada compreensão comportamental dos personagens processuais e auxilia certos indivíduos a superar possíveis transtornos que possam vir a ocorrer.
DISCUSSÕES RELEVANTES SOBRE INTERDISCIPLINARIDADE NO ÂMBITO JURÍDICO E PSICOLÓGICO
É possível perceber que após vários anos de intensa discussão acerca do papel do Psicólogo no ambiente jurídico, na atualidade, muitos são os avanços notados nas relações que paulatinamente foram se estabelecendo entre os ramos da Psicologia Jurídica e aqueles que, no Direito, com eles dialogam, de forma tal que hoje é possível falar de uma interdisciplinaridade ativa em tais relações.
Contudo, antes de se estabelecer a atual conjuntura na qual se percebe uma íntima relação entre o profissional da Psicologia Jurídica e o profissional do Direito, é imprescindível que se discuta a teia de relações formada desde o surgimento e da evolução de tais relações até os presentes dias.
Ademais, uma vez que tanto o direito quanto a Psicologia Jurídica são dotados do poder de compreender o âmago das relações humanas, sendo também igualmente capazes de opinar e trabalhar em prol do crescimento ou da destruição de tais relações, é imprescindível estabelecer o grau de influência e poder que a sociedade reserva ao psicólogo jurídico e aos operadores do direito na atualidade.
Desse modo, tendo em vista tal relevante questão, é preciso que o profissional da Psicologia jurídica assuma uma posição crítica diante do trabalho que se propõe a realizar em nossos dias, a fim de que sejam evitados erros como os cometidos até meados da década de 80, onde eram confeccionados laudos preconceituosos, estigmatizantes e pouco científicos, capazes de simplesmente propagar o pensamento da sociedade na qual se inseriam, tanto em relação ao criminoso quanto a crianças e jovens submetidos a triagem e encaminhamento a reformatórios.
Além disso,
E, como diz de forma contundente o professor de direito, Verani, os instrumentos oferecidos pela psicologia tinham um uso que favorecia a eficácia do controle social e reforçava a natureza repressora que está inserida no direito, ao invés de garantir as liberdades e os direitos fundamentais dos indivíduos (VERANI, 1994:14)
Assim, os laudos e informações psicológicas acabaram por ser utilizados, durante muito tempo, como instrumentos segregadores e excludentes em relação às minorias e aos que se encontravam em estado de vulnerabilidade, impedindo um trabalho interdisciplinar efetivo entre Direito e Psicologia.
Contudo, é preciso esclarecer que tal panorama, após a década de 80 até os dias atuais tem vivenciado mudanças radicais. A Psicologia Jurídica evoluiu, e com ela os conceitos acerca da atuação do Psicólogo no ambiente jurídico; não há mais que se falar em segregação ou exclusão, uma vez que a relação interdisciplinar entre Psicologia Jurídica e Direito tem se expandido, de modo a se estabelecer em sua plenitude, sem entraves ou rótulos.
O Direito também não é uma disciplina estanque, sendo dotado de mobilidade e aptidão a criar legislações inovadoras e capazes de acompanhar as necessidades sociais; é o que ocorreu, por exemplo, com as inovações trazidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, uma vez que “ O Estatuto trata dos direitos de todas as crianças e jovens brasileiros considerando-os 'sujeitos de direitos'.”(ALTOÉ,S/ANO:2) Tal linha
de pensamento fica clara ao se analisar as colocações de Sônia Altoé, quando deixa claro que:
As inovações do Estatuto da Criança e do Adolescente, por força de lei, impulsionaram mudanças na prática profissional do psicólogo no âmbito da Justiça na 1ª e 2ª Vara da Infância e Juventude, exercendo também forte influência nas outras áreas de trabalho do psicólogo junto ao poder judiciário, ou seja, na vara de família e junto ao sistema penal. (ALTOÉ, S/ANO:2)
A partir da década de 90, surgiram novos posicionamentos dos profissionais da Psicologia, foram adotadas práticas diversas e uma ampla perspectiva surgiu em relação à interface da Psicologia Jurídica aplicada ao Direito. A partir do referido marco, não mais se falou apenas numa Psicologia Clínica, mas emergiu uma Psicologia Social, que prioriza a formação de uma equipe multidisciplinar, além da busca de intercâmbio com outros profissionais, principalmente os da área jurídica, uma vez que ambas são dotadas de relação direta com a práxis vivenciada pela sociedade, num contexto histórico-cultural em constante transformação.
CONCLUSÃO
Desde o final do século XIX a Psicologia teve seu reconhecimento como ciência, atuando predominantemente em estudos cujo intuito era a busca e o desenvolvimento de instrumentos aptos a investigar funções mentais tais como a memória e o pensamento humano. A partir desse período e devido a seu ramo específico de atuação, surgiram os primeiros sinais de aproximação entre a Psicologia, que se afirmava como uma ciência nova, ainda em formação e o Direito.
Com o passar dos tempos a Psicologia se firmou cada vez mais como disciplina auxiliar do Direito. No Brasil, em seus primórdios, a Psicologia atuava principalmente junto às varas de família, criminais e da infância e juventude, tendo contudo sua área de atuação restrita ao modelo pericial, onde a interdisciplinaridade ficava quase que completamente mitigada.
Contudo, com a difusão do papel do Psicólogo Jurídico no ambiente legal, logo surgiu a necessidade de expansão de sua atuação, bem como de uma maior humanização do trabalho realizado em conjunto por este profissional e aqueles cujo ramo de atuação é o Direito. Assim sendo, os Psicólogos passaram a implementar formas de atuação mais amplas, a fim de contemplar temas como cidadania, direitos humanos e saúde dos indivíduos que, por algum motivo, estavam envolvidos com questões relacionadas à justiça.
Dessa forma, após sua ascensão na década de 90, a interdisciplinaridade com o Direito torna-se base para formulação de quaisquer pareceres sobre determinadas situações dentro do ambiente jurídico. Nesse contexto interdisciplinar, o Direito trata do ser em sociedade, a Psicologia, do ser como indivíduo. Nada mais oportuno então que integrar as duas ciências para que se reduza a ocorrência de injustiças e análises inadequadas sobre o comportamento das pessoas envolvidas numa relação jurídica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALTOÉ, Sônia. Atualidade da Psicologia Jurídica. Disponível em acesso em 06/12/2012.
CARVALHO, Luiza Teixeira. Algumas Considerações sobre a importância da Psicologia Jurídica/Forense. 2009.
FORTES, Clarissa Corrêa. Interdisciplinaridade: origem, conceito e valor. Disponível em acesso em 04/12/2011.
JESUS, Fernando de. Psicologia aplicada à Justiça. 3 ed. Goiânia: AB, 2010.
MARIA, Soraia. Introdução ao Estudo do Direito. Disponível em acesso em 04/12/2011.
SOUZA VERANI, S. - “Alianças para a Liberdade” em: Brito, L. Torraca (org.)- “Psicologia e Instituições de Direito: a prática em questão”, Rio de Janeiro, CRP-RJ /Comunicarte, 1994.in ALTOÉ, Sônia. Atualidade da Psicologia Jurídica.
TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para operadores do Direito. 5 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011

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