Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária: Perfil Constitucional da Propriedade Rural



POLÍTICA AGRÍCOLA E FUNDIÁRIA E DA REFORMA AGRÁRIA: PERFIL CONSTITUCIONAL DA PROPRIEDADE RURAL 

Anne jerce de oliveira - Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo/ES. E-mail: [email protected]

Kelly posse bastos - Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo/ES. E-mail: [email protected]  

Mayara porto Martins Aleixo - Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo/ES. E-mail: [email protected].

INTRODUÇÃO

Este trabalho busca apresentar um conhecimento maior no que tange: a política agrícola e fundiária, a reforma agrária e o perfil constitucional da propriedade rural, mas é imprescindível destacar que, política agrícola e reforma agrária, embora muitas pessoas as confundam, nós mostraremos no decorrer do trabalho que elas apresentam significados e funções bem diferentes.

            Devido à alta taxa de concentração de renda e terras nas mãos de poucas pessoas, a Constituição Federal procurou anexar em um de seus capítulos suas principais políticas, buscando assim, uma maior valorização do trabalho e principalmente do trabalhador rural.

            Porém, cabe aqui mencionar, que essa questão agrária teve toda uma evolução, e as primeiras discussões a respeito deste tema, foi em 1530 quando começou a nascer o latifúndio, ou seja, quando os proprietários de uma grande proporção de terra, trocavam uma parte da produção com quem se propusesse a cultivá-la, mas em 1822 com a independência do Brasil, essa troca foi ficando cada vez mais difícil, pois nessa época era a lei do mais forte que dominava, e somente em 1850 com o nascimento da Lei das Terras que o campo conseguiu ter um pouco de ordem.

            Apesar da criação de uma lei que tinha o intuito de criar oportunidades, e fazer que nascessem pequenos proprietários rurais, visto que a mesma estabelecia que as terras só poderiam ser adquiridas por meio da compra, isso não deu muito certo, pois os simples colonos e os escravos não tinham condições financeiras alguma para comprar o tão sonhado pedaço de terra, com isso, os coronéis (homens ricos) compravam toda terra e continuavam com o poder em suas mãos.

            Foi no período do regime militar que surgiu a Lei do Estatuto da Terra (Lei n°. 4.504, de 1964) que tinha a finalidade de realizar a reforma agrária, só que essa realização não teve muito êxito, pois essas alterações fortaleceram ainda mais o latifúndio, dando aos grandes proprietários dinheiro farto e barato, tudo isso impulsionado pelo capitalismo.

            Um fato marcante no Brasil foi o “Milagre Brasileiro”, que acelerou a economia do país através da industrialização e da urbanização, deixando assim de lado os projetos de reforma agrária, projetos esses que foram totalmente esquecidos e que só foram tirados do baú em 1984 com a redemocratização e a incorporação do INCRA ao Ministério de Desenvolvimento Agrícola.

POLÍTICA AGRÍCOLA E FUNDIÁRIA E DA REFORMA AGRÁRIA: PERFIL CONSTITUCIONAL DA PROPRIEDADE RURAL

  1. POLÍTICA AGRÍCOLA E FUNDIÁRIA

“Entende-se por Política Agrícola o conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do país.”, esse conceito de política agrícola está presente no art. 1°, § 2° da Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra).

Essa política agrícola busca nortear a economia rural, a atividade agropecuária, sempre traçando planos, que tenham a finalidade de harmonizá-la com o processo de industrialização do país e de melhorar a utilização da terra, para que assim possa complementar a produção, o aproveitamento da mão-de-obra rural e a colonização oficial e rural, modernizando a legislação e encaixando-a aos planos e programas governamentais, tentando ainda elevar a condição da vida no campo.

Além disso, a política agrícola tem como principal objetivo proporcionar a toda comunidade o desenvolvimento e o bem estar social.

A Constituição Federal em seu art. 187 determina que ”a política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais (...)”.

A política fundiária tem a finalidade de disciplinar à posse da terra e de adequar o seu uso, ou seja, a função social da propriedade. “Nesse contexto, a política fundiária deve visar e promover o acesso a terra daqueles que saibam produzir, dentro de uma sistemática moderna, especializada e profissionalizada”.

            Na visão de José Afonso da Silva, pg.799, aConstituição Federal protege mais a política agrícola do que a reforma agrária. “Enquanto a esta se opuseram inúmeros obstáculos, àquela tudo ocorre liso e natural, porque aí o beneficiário é a classe dominante no campo”.

            A Constituição Federal criou ainda o chamado “usucapião constitucional” (art. 191, CRFB/88), para que aquele cidadão que não possua nenhum tipo de propriedade, seja ela urbana ou rural, tenha a possibilidade de ao estar por cinco anos ininterruptos num terreno rural, não sendo este maior que50 hectarese desde que não haja oposições, possa tornar-se “proprietário” do mesmo, mas com uma condição, a partir do momento que o torne produtivo por seu trabalho ou de sua família e faça deste terreno sua moradia. Porém a Constituição veda qualquer possibilidade de usucapião em imóveis públicos. 

  1. REFORMA AGRÁRIA

Em conformidade com o art. 1°, § 1° da Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra), “considera-se reforma agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição de terra, mediante modificações no regime de sua posse ou uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade”.

Sendo assim, percebe-se que a função da reforma agrária é repartir as terras (as propriedades) e a renda fundiária, transformando os latifúndios improdutivos em minifúndios produtivos, pois isso diminuiria o êxodo rural e estimularia os camponeses a ficarem no campo, o que para a economia do país seria de grande relevância. Porém é muito difícil falar em reforma agrária no Brasil, por causa do alto custo que os assentados representam para o governo, pois além de desapropriar as terras é necessário dá a eles a matéria-prima, maquinários, estradas, caminhões, etc., para que haja a iniciação da produtividade e esse processo sairia muito caro para os cofres públicos.

De acordo com o art. 184 da CRFB/88, a desapropriação é muito utilizada pela União para obrigar o proprietário de um bem que não esteja cumprindo sua função social a transferir-lhe este bem, mediante indenização em títulos ouem dinheiro. Sendoque, para fins de reforma agrária, apenas poderá ser desapropriada aquela propriedade que não esteja sendo produtiva ou até mesmo a pequena propriedade rural, se esta também não estiver sendo produtiva ou se seu proprietário tiver mais de um terreno, independentemente do tamanho de cada um deles; já aquele pequeno proprietário rural, que só possui aquele pedaço de terra e dela tira seu sustento e de sua família, está propriedade não poderá ser desapropriada (art. 185, CFRB/88).

Pode-se falar ainda, em desapropriação para fins de necessidade, utilidade pública ou interesse social, mas nesses casos, qualquer tipo de propriedade pode sofrer a desapropriação, seja ela: grande, média ou pequena, produtiva ou não, urbana ou rural, não importa, o que interessa é que essa desapropriação não tenha ligação com qualquer tipo de reforma agrária.

Existem quatro medidas que constituem uma reforma parcial e que juntas denominam a chamada reforma agrária; medidas essas que tem a finalidade de melhorar a vida do homem no campo, fazer com que as terras sejam utilizadas de forma mais coerente, reduzir as desigualdades sociais e descentralizar a renda, fazendo assim, com que a economia do país também seja investida na produtividade do trabalho agrícola. São elas:

            1º - Reforma fundiária: é o Estado redistribuindo a propriedade fundiária, principalmente em áreas de agricultura tradicional e de pouco produtividade. Essa redistribuição dos direitos de propriedade é feita por meio da desapropriação e da divisão dos latifúndios improdutivos, visando uma distribuição mais justa da terra, portanto, devem ser incluídas nessas operações as terras do governo, ou seja: terras devolutas, terras da Federação, dos Estados e Municípios.

            Vale ressaltar que as Terras devolutas (art. 188, CRFB/88) são terras que pertencem ao patrimônio do poder público, mas por não serem propriedades utilizadas, podem ser alienadas ou concedidas a particulares.

            2º - Reforma agrícola: são as medidas destinadas a aumentar a produtividade da terra e da mão-de-obra agrícola, como: iniciação de técnicas avançadas de cultivo e assistência técnica; crédito fácil e acessível; facilidades para o escoamento dos produtos a preços compensatórios; e escolas e serviços médico-hospitalares locais.

             3º - Reforma rural: é a reforma da empresa rural, visto que esta apresenta as melhores condições de alcançar os grandes mercados, os preços mais acessíveis e os equipamentos de mais alta tecnologia, para que assim, possa melhorar a utilização da terra. Porém cabe aqui mencionar que nem 10% dos trabalhadores do campo são proprietários das terras que cultivam, a maior parte deles trabalha como parceiro agrícola ou a base de assalariamento. No entanto, de acordo com o site http://www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/320.pdf “é a pequena propriedade rural, que garante um princípio de vida digna e identifica na mesma pessoa as figuras de operário e de proprietário, sendo assim a mais sólida base da prosperidade agrícola de um país”.

            4º - Regime das relações de Poder: os trabalhadores do campo carecem de mecanismos de defesa legal e reformar as relações de poder é atribuir ao trabalhador do campo os recursos legais para que os mesmos possam reivindicar seus direitos. Sendo que esses recursos são as organizações do sindicalismo rural e da justiça agrária. 

  1. PERFIL CONSTITUCIONAL DA      PROPRIEDADE RURAL

A Constituição Federal garante o direito de propriedade como um direito fundamental previsto no art. 5°, inciso XXII, ou seja, “toda pessoa, física ou jurídica, tem direito à propriedade, podendo o ordenamento jurídico estabelecer suas modalidades de aquisição, perda, uso e limites” (Alexandre de Moraes, pg. 173), porém essa propriedade deve atender as funções sociais (art. 5°, inciso XXIII, CRFB/88) cumprindo com sua finalidade de moradia e sustento para determinada família para que não venha a sofrer a desapropriação, pois sempre que um bem imóvel produtivo ou não, rural ou urbano, único do proprietário ou não, pequeno, médio ou grande ou até utilizado apenas como opção de lazer, não cumprir tal função, poderá ser desapropriado, caso haja a necessidade de criar algum instituto de relevante valor social, mas convêm lembrar que esse tipo de desapropriação é só para casos de interesse social e utilidade pública onde não tenham finalidade de reforma agrária.

José Afonso da Silva, pg. 795, lembrando Fernando Pereira Sodero, diz que “o regime jurídico da terra fundamenta-se na doutrina da função social da propriedade, pela qual toda a riqueza produtiva tem uma finalidade social e econômica, e quem a detém deve fazê-la frutificar, em benefício próprio e da comunidade em que vive”.

 Vale ressaltar que a desapropriação é uma maneira drástica e freqüente que o Estado tem de intervenção dentro da propriedade privada.

Esta ação estatal poderia ser considerada uma contradição (contraditio in adjecto), pois a propriedade é citada inicialmente na Constituição Federal no artigo 5°, caput:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.

Porém, é interessante frisar que a propriedade é um direito fundamental que possui algumas garantias que tem a função de proteger o direito como, por exemplo, a certeza de que a propriedade pequena apenas será desapropriada para suprir necessidade pública mediante obviamente, indenização. Com esta previsão pode-se entender que o direito a propriedade não é um direito absoluto.     

  1. MST

O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), Teve origem na aglutinação de movimentos que faziam oposição ou estavam desgostosos com o modelo de reforma agrária imposto pelo regime militar, principalmente na década de 1970, o qual priorizava a colonização de terras devolutas em regiões remotas, com objetivo de exportação de excedentes populacionais e integração estratégica. Contrariamente a este modelo, o MST declara buscar a redistribuição das terras improdutivas. Apresentando uma proposta que tem o escopo de melhorar a divisão das terras brasileiras, exigindo do governo medidas complementares ao simples assentamento, como a eletrificação e irrigação do campo, concessão de créditos rurais e execução de programas que visem estimular a atividade agrária e a subsistência do agricultor e de sua família. Sendo que essas reivindicações se apresentam num cenário de mudanças político-sociais da ordem estrutural, sempre ressaltando os valores da ética e da moral, através de uma democracia participativa.

            A seguinte jurisprudência do STJ demonstra a legitimidade do MST para fazer tais reivindicações:

“Reforma Agrária. Movimento Sem-Terra. Movimento popular visando a implantar a reforma agrária não caracteriza crime contra o patrimônio. Configura direito coletivo, expressão da cidadania, visando a implantar programa constante da Constituição da República. A pressão popular é própria do Estado de Direito Democrático” (HC nº. 5.574/SP – 6ª T. – Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 8-4-97). 

 

 

 

CONCLUSÃO

Com base no que foi apresentado no decorrer do trabalho, chega-se à conclusão que a reforma agrária apresenta-se como um modelo fracassado em nosso país, visto que sua aplicação veio tarde demais e não conseguiu atende exatamente quem tinha competência para se beneficiar dele, embora à mesma tenha tido um projeto que teve tudo para dar certo.

E apesar da existência da lei do Estatuto da Terra, a política governamental não consegue colocar em prática essa redistribuição de terra, pois há séculos nosso país anda assombrado por projetos que nascem com o intuito de melhorar a vida da sociedade, mas que morrem antes mesmo de sair do papel.

A reforma agrária diante de tantas dificuldades, busca no desenvolvimento capitalista enfatizar o problema dos sem-terra e as pessoas em estado de miséria que vive no campo. Para o desenvolvimento capitalista acontecer com dignidade exige que as terras sejam redistribuídas e que o campo seja modernizado para que a economia do mercado não fique defasada, já que os grandes centros urbanos necessitam do trabalho rural para ser sustentado.

Portanto, se a reforma agrária for aplicada de forma correta e coerente, ela estará cumprindo sua função social e beneficiando aqueles que mais necessitam dela, gerando assim mais igualdade e progresso nacional.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Revista âmbito jurídico. Política agrícola e fundiária e reforma agrária [internet]. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/320.pdf. Acessado em: 05/09/2009.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1° a 5° da CRFB/88, doutrina e jurisprudência. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

QUEIROZ, Ari Ferreira de. Proteção constitucional da pequena propriedade rural [internet]. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1676&p=2. Acessado em: 16/09/2009.


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