Palavras para as imagens dois



PALAVRAS PARA AS IMAGENS DOIS

 

ABU SIMBEL

Podia ser blasfémia, porque não,
Medir sem pudor o santuário,
Mas a vida que cabe neste vão
Tem o breve e a glória do contrário! — em Abu Simbel, Aswan.

 v   

Lembrando a lápide da civilização do Lácio, incrustada na parede da Igreja do Souto da Casa, que o Pe. António Genro da Silva estimou, e o Dr. Pedro Salvado decifrou:

 UMA LÁPIDE MEMORÁVEL E O POVO DA RAMA DO CASTANHEIRO

Tem a forma de serpente

Estas casas povoadas.
Um olho alto, à frente,
Da torre lança miradas.

Por aqui viveu em tempos,
Já muito longe passados,
Dona Lívia em que os exemplos
De esposa eram louvados.

Foi Lucius Julius quem fez
A lápide que a deixou viva,
Dormindo com placidez
Perto da torre, cativa.

No mesmo sono, a filha,
Que sendo Júlia, o pai lembra,
Dorme na pedra que brilha
Um passado que relembra

Povos honrados, senhores
Destes sítios tão fagueiros,
Que hoje são os credores
Da rama dos castanheiros. — em Souto da Casa.

 v   

O GATO E AS MAÇÃS

Mesmo se forem maçãs
Cheirosas e com doçura,
O gato tem a finura
De as tratar como galãs! — em Castelo Branco.

 v   

VIANA DO CASTELO

Os cuidados paliativos
Trouxeram-me hoje a Viana.

Mesmo olhos fugitivos
Veem um rio que emana.

Subi ao monte que via
Da praça cheia de canto.
Vistosa Santa Luzia,
Trazes luz ou trazes pranto?) — em Viana do Castelo.

v   

Amigos e sabores, num restaurante no Barco (Covilhã):

Uma mesa que envaidece
Com delícias e senhores
E se o vinho embevece

Une afetos e sabores.

O Barco trouxe bem perto
Luís, José e António,
Augusto e João Alberto,
Amigos de culto idóneo.

— em Barco.

 v   

Nas imediações do Fundão, subindo a estrada da Serra:

Outono, será prazer
Ver as cores a arder?

Quanto mais o rubro aquece
Mais o frio me entristece. — em Fundão.

 v   

PRAÇA DA FIGUEIRA: a outra vista da estátua de D. João I ("João das Regras, Povo de Lisboa, Cortes da Nação..."). E a Praça cheia de gente!

Primeiro, é rei João,
Outro senhor, o das Regras,
Mais este povo em ação,
Oh! Lisboa, tu me alegras! — em Lisboa.

 v   

Devastação irreparável. Aqui, numa igreja de Lisboa da Baixa pombalina, os estragos são bem visíveis! Azo a mais um "sonetilho" do tempo:

SONETILHO UM

Trapaceiro é um burlão,

E há muitos à descarada,
Vendem a alma a tostão
Duma pátria que já brada.

Que bela filosofia!
Sou mui sério pr’a pagar
A quem sirvo dia a dia
Que é meu patrão e meu par.

Mas não me custa tirar
Coisa que pertence a quem
A ganhou a trabalhar.

Pr’arrecadar o vintém,
Tirar não chamo roubar
Porque sou sério e de bem!— em Lisboa.

 v   

Um local de grandes ressonâncias, visto no meu passeio:

PRAÇA DA FIGUEIRA

Chegou o rei p´ra adornar

Praça que fora mercado,
Com o poço Borratém
Num dos prédios encerrado.

Vai veloz direito à rua,
Onde só a vista vesga
Acha plausível meter
O Rossio na Betesga.

Primeiro é rei João,
Outro senhor, o das Regras,
Mais o povo glorioso
E estas paredes negras. — em Lisboa.

 v   

TEMPO OBSCURO

Pode ser malfeitoria
Fechar serviços a eito
Se não há alternativa

Sem corrigir o defeito.

Exemplo da medicina
À qual o doente implora:
Não presta este remédio,
Paciência! Vá-se embora! — em Castelo Branco.

 v   

Subir ao alto da serra, entre as hortênsias de S. Jorge (S. Miguel, desculpem, mas foi um lapso feliz pelo gosto das quadras de António Lourenço):

O equilíbrio é instável
Mas o travão é seguro:
A pão de forma, domável,

É um carro de futuro.

Se acaso em frente vacila,
O condutor que a conhece
Logo pr’a trás a perfila
E ela avante obedece! —em Ponta Delgada.

 v   

Se a avesinha soubesse! (imagem total)

SONETILHO DOIS

Se o alvo é as reformas

Há mui pano para manga:
Existem as mesmas normas
Mesmo p´ra ficar de tanga.

Médicos e professores,
Que o Estado bem esgotou,
Patrão exclusivo, penhores,
E muito mais obrigou,

Veêm esta bela quadra:
Em nome de Portugal
Se é Banco, e nunca ladra,

O corte não é real
Porque aqui o que enquadra
É norma, mas especial. — em Lisboa.

 v   

GIL VICENTE que se cuide de um banho no Rossio:

SONETILHO TRÊS

É este um país castiço

Como prova o que se passa:
Que está bem assombradiço
Clama-o esta trapaça.

Dirão alguns, um feitiço
E não há quem o desfaça.
Mas é mais certo o serviço
Do governo que fracassa.

Basta ver o compromisso
Que tudo, tudo, estilhaça,
Ficando nada inteiriço.

Mas pode haver ameaça
De o povo não ser submisso
E acabar com a devassa. — em Lisboa.

 v   

D. João da Câmara, bom poeta e dramaturgo, no seu posto último, ao pé do Teatro, com uma ave companheira que lhe levanta a figura:

O bronze moldou com fogo
Os contornos deste busto
E o pombo leve, num jogo,

Veio torná-lo mais robusto.

É o D. João da Câmara,
Que ao Teatro deu seu dom,
Preferindo a antecâmara
Gostoso dum mimo bom. — em Lisboa.

v   

“E Monsanto se chama, de pedra é feito - minha nave coalhada."

A Nave de Pedra, FERNANDO NAMORA

O encanto duma nave

De pedra alta, suave,
Que desliza neste manto
É magia de Monsanto. — em Monsanto da Beira.

v   

Ruas de Lisboa, na atualidade:

Desafina a toada
Que tem Camões para canto
De esperteza desastrada
Que só pode dar em pranto! — em Lisboa.

 v   

Arte portuguesa (cachorro de casa do século XVI, em Miranda do Douro) num ângulo suave.

Veio o povo para a rua,
Provou disto não gostar
Se a pobreza se acentua

Com tão canhestro mandar.

Parecia que estava ao rubro
Uma volta do comando
Mas eis que logo descubro
O fumo do lume brando. — em Miranda do Douro, Braganca.

 v   

Um olhar sobre o castelo visto da Sé, em Castelo Branco:

SE FOSSE UM RIO CANTAVA

Se fosse um rio cantava

O murmúrio que o habita:
As pedras do leito luzem
E a vela esquiva hesita. — em Castelo Branco.

v   

Redondilhas e paisagens:
Duma estátua de Lisboa

ESTAR E NÃO ESTAR

Estar e não estar é um jeito,
Uma arte de ilusão.
Ei-lo, batendo no peito:
- Longe de mim ser o mau. — em Lisboa.

 v   

SONETILHO QUATRO

Um governo inclemente
E uma troika que assanhou
Não é feito de repente

Pois outrora começou!

Veio a troika a mandar
Quando o poleiro servia
Apetites de palmar
E deu esta porcaria.

Agora o povo inocente
Que paga a dívida alheia
Pode ficar consciente

E com a ira bem cheia
E para ser coerente
Pegar todos na cadeia! - em Lisboa.

 v   

REDONDILHAS E PAISAGENS

Duma estátua de Lisboa:

QUE HAVIA D' ACONTECER


Que havia d’ acontecer,
Para dar esta feição?
A troika, a bom de ver,
Chegou cá por esticão. — em Lisboa.

 v   

Soltem-se as redondilhas e mostrem-se as belas paisagens portuguesas, mesmo que não haja relação:

SE NÃO É LABORATÓRIO...

Se não é laboratório

É crime mais afinado:
Sugam o sangue corpóreo
Com requintes de atentado! — em Covilhã, Castelo Branco.

 v   

Passei há pouco na Av. 1º de Maio, de Castelo Branco, e fiquei triste: a Livraria pode fechar? Mais uma?!

Recordo HERMAN HESS: "Como velho amigo dos livros e dono de uma não pequena biblioteca, posso assegurar, por experiência própria, que comprar livros não serve apenas para sustentar os livreiros e autores: a posse de livros (não somente a sua leitura) proporciona alegrias especiais e tem a sua moral própria". (Rezensionem aus dem Nachlass (inéditos). — em Castelo Branco.

 v   

A SÉ DE CASTELO BRANCO ENTRE RAMAGENS

Fui há pouco ao centro da cidade
Para mirar, oblíquo, o templo antigo.
Encontrei, de longe, uma verde grade
Que me pôs o rosto como num postigo! — em Castelo Branco.

 v   

Entrada sul do Fundão, em obras que dão força à sua configuração genuína:

TEM A GRAÇA DE CIDADE…

Tendo a fama de cidade

E o sincero da aldeia,
Teria mais saciedade
Se fosse vila bem cheia. — em Fundão.

 v   

 Fresquíssimo, este livro do grande poeta ANTÓNIO SALVADO - "O DIA - A NOITE - O DIA":

Ó servidor da noite
ó terno sonho
que m'inflamas de luz

o outro lado

e como paz de amante
em doce beijo
me desligas do mundo
e de águas turvas." p. 19

  v   

Perante as notícias desta semana, que o Jornal do Fundão reflectia - o deslocamento da radioterapia prevista para o Centro Hospitalar Cova da Beira (Fundão) para o de Viseu (Tondela) - apetece ironizar, mais uma vez:

Foi ter em consideração
Tondela, que deu o jeito,
Porque afinal o Fundão
Desandou sem ter proveito! — em Fundão.

  v   

Esta também cabe nos Epigramas:

NEM POUCO MAIS OU MENOS…

O Jornal da Covilhã

Já é quase peremptório:
Serra dos Reis, não em vão,
Diz que findou diversório.

— em Covilhã, Castelo Branco.

  v   

CAI O CARMO?

O Carmo visto da Rua do seu nome, nos tempos que correm, e uma redondilha popular para a ocasião:

AFLIÇÃO TÃO PROFUNDA

A gente desta nação
Sofre aflição tão profunda,
Que se não der um murrão,
Pode ficar moribunda. — em Lisboa.

 v   

Duas redondilhas, lembrando o entardecer, em Ciudad Rodrigo, um dia destes:

AH! COMO A LUZ ADORMECE…

Ah! como a luz adormece

Na tarde de céu macio:
É o crepúsculo que tece
As estrelas, fio a fio.

E como o sono vigora
No cansaço da labuta!
Quando vier a aurora
Será que a todos desfruta? — em CIUDAD RODRIGO (SALAMANCA).

 v   

 Foge a noite, no Ganges...

SE A LUA ME VÊ…

Se a lua me vê, recebo a luz

Que torna o meu velar prateado.
É noite, e o astro rei que a produz
De ouro bateu num rosto espelhado. — em Varanasi.

 v   

 Baixo relevo em madeira de arte popular, peça única maciça (30x40 cm) com cena campestre, que trouxe há pouco da feira de velharias, de Castelo Branco:

É OBRA DUM ARTESÃO

É obra dum artesão

De madeira, com talante.
Tem a ciência da mão
Duma arte cativante. — em Castelo Branco.

 v   

Lembrar estes locais, com presença:

VELHA GOA

Este campo que se perde

Nas lonjuras do passado,
Se hoje se mostra verde
Foi de sangue repassado.

Foi a Lisboa de Goa,
Esplendorosa rival.
Teve luxo e teve proa
De ser ela a capital

Foi cidade de cristão
E Babilónia indiática.
Medrou lá a inquisição
E a cólera aquática.

Sem ruínas não teria
Esta visão de jardim
Ou sendo cidade pia
Teve um destino ruim. — em Goa Velha, Goa.

 v   

Hawa Mahal ou Palácio do Vento : construído para as mulheres reais, escondidas, verem as procissões (em Jaipur)

Cada uma janelinha
Tem um segredo escondido:
De fora não se adivinha
Qual é a cor do vestido. — em Jaipur.

 v   

Local onde uma pessoa idosa morreu queimada, numa madrugada destas! No coração frio da cidade!

VIVIA A SOLIDÃO….

Vivia a solidão bem-disposta nesta casa

Com uma presa que por fácil não fugia.
Mas uma noite em que o frio virou brasa
A cidade viu consumar-se a profecia! — em Castelo Branco.

 v   

 No rio Ganges, em Varanasi (Índia), colhi esta fotografia do meu barco, com a sua beleza. E vai um pensamento que é um hino aos Cuidados Paliativos!

"[Meu filho] olhou-me e caiu no choro: “Sabe, papa, é tão difícil ter o pai doente...” [...] Chorámos juntos. Era duro, mas era possível falar. E, para os dois, aquele momento foi ao mesmo tempo comovente e muito “útil” por nos ter permitido expressa...Ver mais

— em Varanasi.

 v   

Tem dez anos, esta magnífica imagem nos pomares de Alcongosta. Que não pode ser perene! Homenagem a quem a fez viver.

SE UMA LÁGRIMA CAÍSSE NESTA EFÍGIE

Se uma lágrima caísse nesta efígie,

No dia em que o sol se pôs deveras,
Não seriam as flores, no Estige,
Cerejeiras em vez d'um ramo d’ heras. — em Alcongosta, Fundão.

 v   

DA MINHA JANELA A VEJO…

Da minha janela a vejo,
Reclinada no meu sono.
Tem a carícia do beijo
E o gosto do abandono!


Tem a luz que me penetra,
Cores profundas que eu gosto,
Palavras doces, soletra,
Com a ternura do rosto!

Tem a lua e a luz do dia,
Folhas que caiem, outono.
Que mais, para garantia
Do repouso que ambiciono?! (Barrocal)— em Castelo Branco

 v   

AINDA VOLTO AO CAMILO

Ainda volto ao Camilo
Da língua mais que perfeita.
Tenho nele o meu asilo,
De muitos temas, receita.


Horas de paz, eu procuro,
Mistérios são insondáveis.
Bruxas, demónio, esconjuro
Destinos abomináveis.

Amor que o sangue designa,
Cheio de força cruel.
A vida pode ser digna
Sendo às virtudes fiel.

Duas horas de leitura
São bálsamo abençoado:
A vida como aventura
Ou com destino traçado? — em Castelo Branco

 V

UM POUCO MAIS DE DECORO!
Resisti a colocar uma fotografia chocante (tenho muitas!), mas a notícia merecia-o: segundo o EXPRESSO deste fim de semana, pela pena acutilada e humana de Cristina Galvão, soubemos que uma lei retira aos doentes qu

e necessitam de cuidados domiciliários dos Centros de Saúde, tal direito, quando saem do seu domicílio (exemplo: pais acamados que transitam entre as casas dos filhos, em cidades ou aldeias diferentes). E diz a lei que é para melhorar os cuidados! Um pouco mais de decoro!


TRATA DE FORMA DIFERENTE

“Damos à lei um sentido
Geral, que a todos convém.
Mas isso é atrevido
Sendo comum o desdém

Da própria lei, que em conjunto
Trata de forma diferente
O mesmíssimo assunto,
Dando e tirando ao doente:

Sendo por necessidade,
Que cura ferida com cheiro,
Tem direito numa cidade,
Perde-o como passageiro.

No seu país! Infame!

— em Souto da Casa

v   

" O meu prazer é encerrar as palavras na medida de um verso". HORÁCIO, Sátiras

METER AS PALAVRAS NA MEDIDA DE UM VERSO

Horácio, grande poeta

De Roma que o viu morrer,
Ao verso deu como meta
As palavras lhe meter,
Usando a medida certa
Como forma de prazer.

Rima a laranja com ser
Ou antes está descoberta?
Se for medida concreta,
Prefiro mais a comer! — em Castelo Novo

 v   

OH QUANTA VARIEDADE

Oh quanta variedade
Há no palco da vaidade!
Uns zombam tipo bufão

E outros estão e não estão.

Não é o caso da gata,
Surpresa com o qu’ encontrou:
Nem a morte será chata
Nem a careta ultrajou!

— em Castelo Branco.

 v   

BUCÓLICA

É a luz que ao sol-posto
Dá vida com tanta cor:
Lê-se a ventura no rosto,
Com a Bucólica em flor. — em Castelo Branco.

 v   

Ó QUE BELO PASSARITO

Ó que belo passarito
Vestido de pena azul.
Lembra a cor do Egito
Que vi nos mantos de tule.


Oh! Mulheres de Luxor
No Vale dos Reis encantado!
Pássaro que este, maior,
Está nos templos desenhado.

E por ser tão pequenito,
Tem mais graça, sim senhor.
Deslumbra o Francisquito,
Em Goa. É professor.

 Colheita (do meu facebook) no início de novembro do ano da graça de 2012 


Autor: António Lourenço Marques Gonçalves


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