JUIZ SEM ROSTO: uma análise crítica sobre a (in)constitucionalidade das decisões...



JUIZ SEM ROSTO: uma análise crítica sobre a (in)constitucionalidade das decisões colegiadas em crimes cometidos por organizações criminosas nos moldes da Lei n. 12.694/2012.[1]

 

Carlos Jesus de Abreu Pereira Filho

Yago Pinto de Mello[2]

Cleopas Isaías Santos[3]

 

Sumário: Introdução; 1 Aspectos gerais no que tange a aplicabilidade da  Lei 12.694/2012; 2 Análise da (in)constitucionalidade da Lei 12.694/2012 frente à princípios do processo penal; 3 Organizações criminosas de acordo com a lei ; Considerações Finais; Referências.

RESUMO

O presente estudo visa analisar criticamente, a (in)constitucionalidade  da lei 12.694/12 que permite decisões colegiadas logo em primeira instância dos processos ou procedimentos dos crimes praticados por organizações criminosas levando em consideração possíveis afrontas a determinados princípios do direito processual penal. Além disso, objetiva-se fazer considerações a respeito da visão da lei sobre organizações criminosas.

PALAVRAS-CHAVE

Lei nº 12.694/2012. (in)constitucionalização. Organização criminosa. Princípios do direito.

 

Introdução

No presente trabalho analisaremos a (in)constitucionalidade  da lei 12.694/12 que permite decisões colegiadas logo em primeira instância dos processos ou procedimentos dos crimes praticados por organizações criminosas levando em consideração possíveis afrontas a determinados princípios fundamentais do direito processual penal.

Nesse sentido se o juiz se sentir ameaçado poderá constituir um órgão colegiado para julgar, sendo publica apenas a decisão majoritária, nos casos envolvendo organizações criminosas, que será um ponto relevante na prática de tal lei.

 A lei 12.694/12 foi sancionada no dia 24 de julho de 2012, a principal motivação do legislador na elaboração de tal lei é a segurança do magistrado já que um expressivo numero de juízes estão sobre ameaças das organizações criminosas e outros foram assassinados  como a juíza Patrícia Acioli, morta por policiais em 2011 que eram objeto de investigação por corrupção, por ter sua segurança negligenciada.

Diante do exposto percebemos que o presente estudo tratará dos aspectos de (in)constitucionalidade em uma analise conjunta com os princípios do processo penal, segurança do magistrado e a visão do “juiz sem rosto” e organizações criminosas com o objetivo de chegarmos a uma conclusão diante a aplicabilidade da lei levando em consideração o devido processo legal.

1 ASPECTOS GERAIS NO QUE TANGE A APLICABILIDADE DA  LEI 12.694/2012

 

Antes de se fazer qualquer análise de constitucionalidade da Lei 12.694 de 2012 é necessário primeiro conhecer seus aspectos gerais, seus objetivos, seus pressupostos, seus fundamentos, bem como as inovações trazidas e suas consequências jurídicas.

A Lei nº 12.649/2012, resumidamente falando, busca conferir mecanismos de segurança aos juízes que atuam nos processos criminais, através do julgamento colegiado em primeiro grau para os crimes praticados por organizações criminosas.

Quanto ao Julgamento colegiado em primeiro grau de instrução, a Lei estabelece que em processos ou procedimentos relativos a crimes cometidos por organizações criminosas, o juiz natural da causa pode formar um colegiado de três juízes, composto por ele e por mais dois, para a prática de qualquer ato processual (art. 1º, § 2º, da Lei 12.694/12).

O colegiado é instaurado pelo Juiz natural da Causa em decisão fundamentada toda vez que o Juiz natural entender que a prática de atos naquele processo ou procedimento poderá gera risco à sua integridade física.

“O colegiado de juízes poderá ser instaurado em qualquer tipo de processo ou procedimento relacionado com crimes praticados por organizações criminosas antes de proposta a denúncia, durante a ação penal ou mesmo na fase da execução” (CAVALCANTE, 2012, p.2).

Vale ressaltar que a decisão de instauração do colegiado de juízes deve mencionar os atos que serão de competência desse colegiado e Lei 12.694/12 aponto os atos que podem ser realizados, no art. 1º, incisos de I a VII:

Art. 1º - Em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente:  I - decretação de prisão ou de medidas assecuratórias; II - concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão; III - sentença; IV - progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena; V - concessão de liberdade condicional; VI - transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima; e VII - inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado.

O art. 1º da Lei 12.694/12, em seu § 3º, preleciona que a competência do colegiado limita-se ao ato para o qual foi convocado, ou seja, “na decisão do magistrado que determinar a instauração deverá ser mencionado expressamente o(s) ato(s) o(s) qual(is) o colegiado foi convocado” (CAVALCANTE, 2012, p. 5)

De acordo com Marcio André Cavalcante, o Julgamento colegiado pode ser adotado em qualquer esfera de competência, tanto federal, como Estadual, sendo que o único requisito exigido é que o processo ou procedimento tenham como objeto os crimes praticados por organizações criminosas.

Diz o art. 1º, § 1º que o juiz poderá instaurar o colegiado, indicando os motivos e as circunstâncias que acarretam risco à sua integridade física em decisão fundamentada, da qual será dado conhecimento ao órgão correicional. Cavalcante (2012, p. 4) deduz que essa comunicação à Corregedoria serve para atender aos objetivos de “registrar para fins estatísticos e de elaboração de políticas publicas para a segurança dos magistrados e controle correicional de eventual utilização manifestamente abusiva desse mecanismo por parte dos juízes”.

Destaca-se como um ponto polêmico a previsão do § 4 º, situado no art. 1º da Lei: “As reuniões poderão ser sigilosas sempre que houver risco de que a publicidade resulte em prejuízo à eficácia da decisão judicial”. 

Por força do art. 5º da Constituição Federal de 1988, inciso LX, se estabelece que os atos processuais praticados pelo colegiado devam ser públicos, a menos que o sigilo seja necessário para a defesa da intimidade ou por razões de interesse social.

Assim, as decisões judiciais (espécie de ato processual) tomadas pelo colegiado, também devem ser, em regra, públicas. No entanto, as reuniões do colegiado para discutir sobre a deliberação de algum ato processual são obviamente sigilosas. Essa conclusão decorre do fato de que a própria Lei determina que as decisões do colegiado deverão ser publicadas sem qualquer referência a eventual voto divergente (§ 6º do art. 1º). Em outras palavras, se dois juízes votarem pela condenação e o terceiro magistrado pela absolvição, a decisão será publicada sem que seja mencionada essa divergência, a fim de preservar a segurança dos juízes que contrariaram os interesses do réu (CAVALCANTE, 2012, p.6).

Caso as reuniões do colegiado fossem realizadas publicamente, como poderia parecer em uma interpretação meramente literal e apressada do § 4º do art. 1º, haveria uma contradição com o § 6º, além de entrar em choque com os próprios objetivos da Lei, considerando que os membros da organização criminosa saberiam exatamente os juízes que decidiram sua condenação ou que foram antagônicos aos seus interesses.

O § 6º do art. 1º da Lei diz que as decisões do colegiado, devidamente fundamentadas e firmadas, sem exceção, por todos os seus integrantes, serão publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer membro.

O resultado da decisão será o que for deliberado pela unanimidade dos três juízes ou, em caso de divergência, prevalecerá a posição dos dois juízes que comungarem do mesmo entendimento. Caso os três juízes discordem entre si, deve ser buscado, internamente, o consenso ou que pelo menos dois magistrados adiram à mesma conclusão. Após chegar à decisão, esta deverá ser formalizada (escrita), devidamente fundamentada, conforme se exige de toda decisão judicial. As decisões do colegiado deverão ser sempre assinadas pelos três juízes, ainda que um deles, durante as discussões internas, tenha discordado do que os outros dois decidiram (CAVALCANTE, 2012, p.6).

A Lei 12.694/2012 trata ainda de outros aspectos, os quais não serão objeto de análise neste tópico e alguns não serão objetos de estudo neste trabalho, o objetivo desse tópico foi apenas traçar os pontos gerais mais relevantes da Lei.

2 ANÁLISE DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 12.694/2012 FRENTE À PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL

 

Após a análise dos aspectos gerais da aplicabilidade da Lei 12.694/2012 deve-se agora por em confronto os princípios que norteiam todo o processo penal, quais sejam, os Princípios da Motivação e imparcialidade do Juiz, Princípio do Juiz Natural, e o Princípio da Publicidade; para verificar a constitucionalidade dessa Lei.

O Princípio da Motivação e imparcialidade do Juiz deve claramente ser compreendido, sob dois aspectos: o da Motivação e o da Imparcialidade. O primeiro aspecto a ser discutido é o da motivação. O art. 93, IX, da Constituição Federal de 1988, expressamente, preleciona que a motivação das decisões judiciais é absolutamente necessária, sob pena de nulidade da decisão, como se pode observar da redação do referido artigo:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

Motivar “é justificar a decisão tomada, fornecendo uma argumentação convincente, indicando a legitimidade das escolhas feitas pelo juiz” (PERELMAN, 2000, p. 222), é colocar os fundamentos que tornam a decisão válida, isto é, legitima, da qual não haverá pena de nulidade, pois os fundamentos estão detalhadamente explicados, de modo a não haver nenhuma obscuridade com relação aos mesmos.

A motivação ou argumentação da sentença corresponde a uma necessidade imperiosa de perfeita distribuição da justiça. A lei exige que as decisões do juiz sejam fundamentadas, para se poder apreciar se o juiz julgou com pleno conhecimento de causa, e se formou a sua convicção por motivos legítimos, e não de puro arbítrio, para esclarecer as partes, a fim de elas resolverem em presença das razões do julgado, se lhes convém ou não interpor recurso, e para os tribunais superiores do julgado, se lhes convém ou não interpor recurso, e para os tribunais superiores reconhecerem, se lá lhes chegar a causa, das razões da decisão recorrida” (ESPÍNOLA FILHO, 2000, p. 89)

“Não é válida a fundamentação genérica, e, além disso, o juiz é obrigado a apreciar todas as teses levantadas pela defesa (mesmo que antagônicas), como garantia da motivação da decisão” (BEDÊ JÚNIOR, 2009, p. 107).

De acordo com o professor Américo Bedê Júnior (2009, p.108), expressões como “está provados nos autos” e semelhantes não conseguem atender o que exigido constitucionalmente, porque o Juiz precisa indicar em detalhes quais as provas que serviram para fundamentar o seu convencimento, a sua decisão.

Não basta só citar jurisprudências, só para legitimar sua decisão e ganhar mais páginas, é necessário fazer uma análise jurisprudencial e demonstrar que o caso em questão é semelhante à decisão jurisprudencial já apreciada pelo Tribunal, a qual está sendo citada, de modo a justificar o julgamento de maneira semelhante. 

 A fundamentação não se satisfaz com a enumeração dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento e dos que serviram para fundamentar a sentença. É ainda necessário um exame crítico desses meios, que servirá para convencer os interessados e a comunidade em geral da correta aplicação da justiça no caso concreto. (...) A fundamentação ou motivação deve ser de tal maneira que, intraprocessualmente, permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso. (...) E extraprocessualmente a fundamentação deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efetivo pelo princípio da legalidade na sentença na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais mas a própria sociedade (GONÇALVES, p. 733- 736).

O segundo aspecto a ser analisado é o da imparcialidade do julgador. O Juiz ao exercer sua função de magistrado, de julgador do caso concreto deve estar dotado de imparcialidade, isto é não deve pender para nenhum dos “lados da balança”, não deve proporcionar vantagens a uma parte em detrimento da outra, não deve envolver-se emocionalmente com o caso, não deve julgar a partir de juízos de valores próprios.

A imparcialidade do Juiz deve ser vista de dois modos, numa aproximação subjetiva ou objetiva. Na perspectiva subjetiva, importa conhecer o que o juiz pensava no seu foro íntimo em determinada circunstância; esta imparcialidade presume-se até prova em contrário. Mas esta garantia é insuficiente; necessita-se de uma imparcialidade objetiva que dissipe todas as dúvidas ou reservas, porquanto mesmo as aparências podem ter importância. No sentido de preservar a confiança que, numa sociedade democrática, os tribunais devem oferecer aos cidadãos, deve ser recusado todo juiz impossibilitado de garantir uma total imparcialidade (BARRETO, p. 155-156).

Deve o Juiz ao analisar os fatos do caso concreto, se valer de todos os fundamentos jurídicos, quais sejam, os princípios, as normas constitucionais e infraconstitucionais, jurisprudências, e demais fontes do direito, de modo a legitimar a sua decisão, conferindo imparcialidade ao julgamento, pois os fundamentos são jurídicos e não subjetivos do julgador, pois este não tem poder discricionário para julgar, ele não é livre para isso, porque suas decisões, até para serem imparciais, necessitam ser fundamentadas juridicamente.

O que se exige é um juiz imparcial, que deve analisar os fatos e encontrar a solução mais justa para o caso concreto. Na análise da imparcialidade do julgador, tem-se a delicada questão do impedimento e da suspeição de magistrados para a ação penal. A regra é que a atuação de um magistrado impedido ou suspeito provoca a nulidade do processo (BEDÊ, 2009, p. 123).

O Princípio do Juiz Natural encontra fundamento legal no art. 5º da Constituição Federal, materializado nos incisos XXXVII (não haverá juízo ou tribunal de exceção) e LIII (ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente).

“O Princípio do Juiz natural deve ser compreendido como o direito que cada cidadão tem de saber, previamente, a autoridade que irá processá-lo e julgá-lo caso venha a praticar uma conduta definitiva como infração penal pelo ordenamento jurídico.” (LIMA, 2012, p.51)

A imparcialidade do Juiz, mais do que simples atributo da função jurisdicional, é vista hodiernamente como seu caráter essencial, sendo o princípio do juiz natural erigido em núcleo essencial do exercício da função. Mais do que direito subjetivo da parte e para além do conteúdo individualista dos direitos processuais, o princípio do juiz natural é garantia da própria jurisdição, seu elemento essencial, sua qualificação substancial. Sem o juiz natural, não há função jurisdicional possível (GRINOVER, 2000, p. 44).

“Percebe-se a dimensão do princípio do juiz natural, sendo orientador para a elaboração de todas as regras relacionadas à competência, fundamental para o desenvolvimento de um processo justo, enfim, de um devido processo legal”. (BEDÊ, 2009, p. 222)

Há uma permanente interação entre o princípio do juiz natural e outros princípios também informadores da jurisdição. Ele decorre dos princípios do devido processo legal e da isonomia, pois configura uma garantia que tem como um dos princípios objetivos um julgamento justo, imparcial e equânime, realizado, em qualquer grau de jurisdição, por um juiz constitucionalmente competente. (...) O princípio do Juiz Natural significa uma forma de colocar em relevo uma série de outras garantias constitucionais do processo, além de indeclinabilidade, inevitabilidade, indelegabilidade e imparcialidade. (...) É fundamental que, além de natural, o juiz tenha imparcialidade e independência para julgar a causa que lhe é submetida – do contrário não se estará assegurando o princípio da igualdade, uma vez que cabe ao julgador observar o mandamento constitucional de que “todos são iguais perante a lei”. A partir da imparcialidade do órgão jurisdicional é que se alcançará por consequência a igualdade dos cidadãos (BEDÊ, 2009, p. 222 – 223).

O princípio do Juiz natural “encontra sua mais pura essência na igualdade jurisdicional, vez que, além de ser uma garantia fundamental da pessoa humana, o direito de não ser subtraído de seu juiz constitucionalmente competente representa, a garantia de vedação de escolha do órgão julgador de sua preferência, bem como de privilégios processuais injustificados” (BEDÊ, 2009, p. 223).

“Não há mais como se contentar com a igualdade meramente formal, visto que também deve a igualdade ser observada no plano substancial, somente se admitindo quebra da isonomia quando presente uma situação justificadora, mediante critérios de desigualação” (BEDÊ, 2009, p. 223 – 224).

O Princípio da Publicidade tem seu fundamento situado, principalmente, no art. 93, IX, e no art. 5º, XXXIII e LX, da Constituição Federal de 1988.  Esse princípio garante o acesso aos atos praticados no curso do processo a todas as pessoas contribuindo democraticamente para o escopo “de assegurar a transparência da atividade Jurisdicional, oportunizando sua fiscalização não só pelas partes, como por toda a comunidade. Basta lembrar que, em regra, os processos secretos são típicos de estados autoritários” (LIMA, 2012, p. 41).

“A publicidade dos atos processuais insere-se em um campo mais amplo da transparência da atuação dos poderes públicos em geral. É uma decorrência do princípio democrático. Este não pode conviver com o sigilo, o segredo, o confinamento a quatro portas, a falta de divulgação, porque por este caminho, da sonegação de dados à coletividade, impede-se o exercício importante de um direito do cidadão em um Estado governado pelo povo, qual seja: o de controle. Não há dúvida, portanto, de que a publicidade dos atos, e especificamente dos atos jurisdicionais, atende ao interesse das partes e ao interesse público. Protege o magistrado contra insinuações e maledicências; da mesma forma que protege as partes contra um possível arbítrio ou prepotência. E confere à coletividade, de um modo geral, a possibilidade de controle sobre atos que são praticados com a força própria do Estado” (BASTOS, 1989, p. 285)

Após análise prévia dos princípios do Processo penal que são diretamente envolvidos com o tema da Lei cabe a pergunta: A previsão desse julgamento colegiado em primeiro grau, na forma da Lei n.º 12.694/2012, é inconstitucional?

Não há qualquer inconstitucionalidade visto que segundo o Juiz Federal, Márcio André Lopes Carvalho:

“O fato da decisão colegiada não fazer referência ao voto divergente não viola a garantia da ampla defesa, o princípio da publicidade ou qualquer outro dispositivo constitucional. A decisão do colegiado deverá ser sempre fundamentada, de modo que o investigado/acusado que for prejudicado saberá exatamente os argumentos utilizados para chegar àquela conclusão. Tendo conhecimento disso, poderá perfeitamente impugnar a decisão nas instâncias superiores, apontando os eventuais erros da sentença. Não é necessário que o réu saiba os argumentos de eventual voto vencido para que possa interpor o recurso ou exercer a ampla defesa. Não há, portanto, qualquer ofensa à ampla defesa” (CAVALCANTE, 2012, p.7)

Não há violação do princípio da publicidade, porque a decisão do colegiado será publicada. Além disso acrescenta Cavalcante (2012) que “o interesse social na proteção da independência do Poder Judiciário e da segurança dos magistrados recomenda o sigilo do voto divergente sendo, neste caso, mínimo o sacrifício à publicidade em prol da segurança dos juízes”.

Não há violação ao princípio do juiz natural, considerando que é ele quem convoca o colegiado, dele fazendo parte. Ressalte-se, ainda, que a composição do colegiado é feita mediante sorteio eletrônico (critério impessoal) que envolve apenas os magistrados com competência criminal, não havendo designações casuísticas dos julgadores. Em verdade, a previsão legal reforça uma das facetas da garantia do juízo natural, que é a da certeza de um julgamento imparcial, o que somente é possível quando o magistrado encontra-se isento de pressões espúrias (CAVALCANTE, 2012, p.7).

Por fim, não há inconstitucionalidade por ofensa ao princípio da identidade física do juiz, pois:

Em primeiro lugar, esse princípio não tem exigência constitucional e somente foi inserido, no processo penal brasileiro, pela Lei 11.719/2008. Antes dessa alteração, inexistia esse princípio no processo penal e nem por isso os feitos sentenciados por outro juiz que não o da instrução foram considerados nulos por violação à ampla defesa. O juiz da causa, que realizou a instrução, também participará do colegiado e poderá passar aos demais magistrados suas impressões pessoais sobre a prova testemunhal. Ademais, o princípio da identidade física do juiz não é absoluto, tendo sido reconhecido pela jurisprudência que a ele se aplicam as exceções previstas no art. 132 do CPC (CAVALCANTE, 2012, p.7).

Diante de tudo isso, percebe-se que a Lei 12.694/2012 é constitucional, pois se coaduna perfeitamente aos princípios do processo penal, principalmente aos da Publicidade, Motivação e imparcialidade do Juiz e identidade física do Juiz, além de resguaradar a integridade física dos magistrados nesses casos específicos. A ampla defesa não impede, ou pelo menos não deveria impedir, a implementação de novos instrumentos estatais de combate à criminalidade.

 3 ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS DE ACORDO COM A LEI 12.694/2012

Atualmente percebemos uma maior preocupação de varias nações com o crime organizado, tento em vista que as organizações criminosas estão cada dia mais fortes, literalmente, mais organizadas, detentoras de armamento moderno e todas as demais tecnologias necessárias para por em prática os crimes de forma eficiente.

Nesse sentido, em 24 de julho de 2012 a presidente Dilma Roussef promulgou a lei 12.694, que segundo o delegado Akhenaton Nobre esta lei “trouxe alterações no processo de crime praticados por organização criminosa alterando e trazendo novos dispositivos ao Código Penal e Processo Penal, como em outras legislações com a finalidade de se fazer um processo penal mais seguro no tocante a punição de crimes praticados por organizações criminosas.”

Para um melhor entendimento sobre o que busca tratar tal capitulo do presente trabalho é necessário a visualização do conceito de Organização criminosa de acordo com o artigo 2º  da Lei 12.694/2012:

Art. 2º. Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ouindiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

Visto o conceito de organização criminosa determinada pela legislação pátria, o Promotor de justiça do Estado de São Paulo, Rogério Sanches Cunha, faz uma analise comparativa de extrema relevância com o conceito de Organização criminosa determinada pela Convenção de Palermo e com o crime de quadrilha ou bando:

CONVENÇÃO   DE PALERMO

LEI   12.694/12 art. 2º

Grupo estruturado de três ou mais pessoas

Associação, de 3 (três) ou mais pessoas

Existente há algum tempo e atuando   concertadamente

Estruturalmente ordenada e caracterizada pela   divisão de tarefas, ainda que informalmente

Com a intenção de obter, direta ou   indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material

Com objetivo de obter, direta ou indiretamente,   vantagem de qualquer natureza

Com o propósito de cometer uma ou mais   infrações graves ou enunciadas na Convenção

Mediante a prática de crimes cuja pena máxima   seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter   transnacional

   

       

   

   

                                                                                                   

QUADRILHA       OU BANDO

           

ORGANIZAÇÃO       CRIMINOSA

           

Crime (art. 288 do CP)

           

Forma de praticar crime (art. 2º da Lei 12.694/12)

           

Associação de mais de três pessoas (mínimo 4)

           

Associação de três ou mais pessoas

           

Dispensa organização, sendo indiferente a posição ocupada por       cada associado

           

Estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas

           

Tem como finalidade a prática de crimes (dolosos, não importando       o tipo ou quantidade da pena em abstrato), sendo dispensável o objetivo       de lucro

           

Tem como finalidade obter vantagem de qualquer natureza,       mediante a prática de crimes.

     

   

   

   

Após a visualização das duas tabelas comparativas, vale expor a clara idéia do delegado Akhenaton Nobre que defende De que o legislador brasileiro optou por um conceito de Organização criminosa mais fechado do que o proposto pela convenção de Palermo, atuando de uma forma hierarquia- piramidal com divisão de tarefas, sendo esta a principal diferença do crime de Quadrilha ou bando uma fez que este não tem a mesma estrutura; no que tange a natureza da vantagens na pratica de um crime organizado o legislador felizmente previu qualquer tipo de natureza como financeira, sexual ou mesmo moral, porem ao fixar que tal lei só cabe mediante prática de crime em seu sentido strictu sensu e de pena mínima de 4 anos, deixando de fora alguns delitos penais tipificados desnaturando a qualidade de organização criminosa perante a lei, neste sentido também não cabe a contravenção conhecida popularmente como o jogo do bicho como expõe o delegado Akhenaton Nobre :

Com essa fixação de somente crime, ao invés de ilícito penal e uma pena máxima mínima de 4 anos o legislador deixou fora principalmente a famosa contravenção penal do “jogo do bicho”, tradicional prática de lavagem de dinheiro pelas organizações e facções criminosas brasileiras, sendo que se tivesse optado por asseverar ilícitos penais, como a lei 12.683/2012 fez em relação a lavagem de dinheiro, teria avançado no combate à Organizações Criminosas.

Diante da análise do Art.2º da lei 12.694/2012 percebemos que o legislador acertou em alguns pontos e deixou a desejar em outros, porem de modo geral tal lei tem uma fundamental importância na atualidade de nossa nação na tentativa do combate ao crime organizado.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei nº 12.649/2012 foi criada, sobretudo pela forte influencia dos fatos mostrados pela mídia de assassinatos de integrantes da magistratura, com o objetivo de conferir mecanismos de proteção aos juízes que atuam nos processos criminais, por meio de um julgamento colegiado, em primeiro grau, de crimes cometidos por organizações, sendo este colegiado instaurado pelo juiz natural toda fez em que o  mesmo entender que alguma prática dentro do processo em que esta trabalhando possa lhe causar algum risco à sua integridade física

O ponto central do nosso estudo foi a confrontante analise de princípios basilares do processo penal, com a finalidade de verificar a constitucionalidade  da lei 12.694, princípios estes que cabem ser citados: Princípio da motivação e imparcialidade do juiz, Principio do Juiz Natural e o Principio da Publicidade, dito isto após a analise dos mesmos percebemos que a referida lei é constitucional já que não fere nenhum dos princípios citados, alem de ter como principal função de proteger a integridade do julgador , ressalvando que a ampla defesa não impede, ou pelo menos não deveria impedir, a implementação de novos instrumentos estatais de combate à criminalidade.

É evidente que a cada dia que passa o crime organizado vêm fortalecendo-se e modernizando-se, por tal motivo atualmente percebemos uma maior preocupação e em seguida atuação dos legisladores de importantes nações inclusive o do Brasil com intuito de combater praticas de organizações criminosas. No que tange nosso pais a lei em questão foi de extrema importância, pois, trouxe agora um conceito de organização criminosa inovador em comparação ao conceito da Convenção de Palermo e diferente do conceito do crime de Quadrilha ou Bando. Finalizamos o nosso estudo dando ênfase ao conceito de organizações criminosas no sentido da referida lei, sobretudo o tange o art. 2º da mesma.

O presente trabalho buscou uma analise da (in)constitucionalidade da lei 12.694/2012 passando por aspectos gerais e o conceito de organização criminosa consoante a  referida lei baseado em um intenso estudo de doutrina e relatos de alguns operadores do direito em nosso pais.

REFERÊNCIAS

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Comentários à Lui n.º 12.694/2012 (julgamento colegiado em crimes praticados por organizações criminosas). Dizer o Direito. Disponível em: http://www.dizerodireito.com.br. Acesso em: 03/11/12.

 BARRETO, Irineu Cabral. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Anotada, 4.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2011.

 BASTOS, Celso Ribeiro; Martins, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Editora Saraiva, 1989. V. 2.

 BEDÊ JÚNIOR, Américo; SENNA, Gustavo. Princípios do processo penal: entre o garantismo e a efetividade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

 CUNHA, Rogério Sanches. Lei 12.694 Breves Comentários. Disponível em: . Acesso em: 01 nov.2012.

ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado. vol. 1, Editora Bookseller, Rio de janeiro, 2000.

 GONÇALVES, Manuel Lopes Maia, Código de Processo Penal, anotado e comentado. Livraria Almedina, Coimbra, 2005.

GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES, Luiz Flávio. As Nulidades no processo penal. 11ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal, vol I. 2 ed., Niterói, RJ: Impetus, 2012.

NOBRE, Akhenaton. Crime Organizado e sua Nova Processualística. Disponível em: Acesso em: 01 nov.2012.

PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica. São Paulo: Martins Fontes. 2000.

[1]              Paper apresentado à disciplina Direito Processual Penal I, ministrada pelo professor Cleopas Isaías Santos, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2]              Acadêmicos do 6º período do curso de Direito da UNDB.

[3]              Professor orientador.

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