COMMON VERSUS GENTLEMAN: NÍVEIS SOCIAIS QUE SE CONTRASTAM



COMMON VERSUS GENTLEMAN: NÍVEIS SOCIAIS QUE SE CONTRASTAM¹

Rosileide Alves de Brito²

RESUMO

O presente estudo propõe realçar a visão de contraste entre dois níveis sociais extremamente divergentes e significativos para a compreensão do romance Grandes Esperanças, de Charles Dickens. Nesta perspectiva, faz-se necessário esclarecer o intuito de Dickens em tentar caracterizar com definições o conceito de Gentleman utilizando para este fim o personagem Pip, de essência comum, que ao deparar-se com um estilo de vida oposto ao seu sente-se humilhado  por Estella que o faz almejar ser um cavalheiro para encontrar-se socialmente a altura dela. Por conseguinte, Pip através de uma ajuda financeira que recebera de um bem feitor anônimo inicia o processo para tranformar-se em um gentleman. Como resultado mais palpável da nova realidade que se impõe, Pip contará com a ajuda de um jovem nascido em berço nobre chamado Herbet que não ostenta e nem dispõe de bens materiais. Assim, com esse paralelo presente em Grandes Esperanças, o estudo também esta aberto a possíveis complementações.

PALAVRAS–CHAVE: Common. Gentleman. Sociedade. Grandes Esperanças.

Utilizando-se da escrita, Charles Dickens com intuito de representar parte da sua vida em seus personagens, escreveu Grandes Esperanças, no qual, cria um paralelo entre Common e Gentleman. Dickens foi educado em uma família de classe media, porém não dispunha de riquezas o suficiente para manter-se nesse nível. Mesmo sem as possuir, a notória ostentação de bens feita pelo pai despertou em Dickens uma necessidade de manter-se em um patamar social elevado e comportar-se como um gentleman. Mantendo em sigilo inclusive o motivo do não pagamento das dívidas que levou o seu pai à prisão. Entretanto, fez grandes esforços para manter-se como gentleman. Assim, veremos os motivos e as características que levam o autor a distinguir esses níveis sociais.

¹Artigo elaborado como requisito para aprovação na disciplina Pratica de Pesquisa IV ministrada pelo professor Márton Gémes.

²Acadêmica do 8º período do Curso de Letras – Habilitação em Língua Inglesa

 

Diante dos pensamentos do autor e sob influência da era vitoriana, época na qual a Obra foi escrita, século XIX, as pessoas eram tratadas pelo que ostentavam, caso usassem boas vestimentas e fizessem uso correto da linguagem seriam aceitas e respeitadas pela sociedade, porém se fossem pobres eram duramente destratadas. Assim, torna-se visível como era medido o valor das pessoas, visto que o mesmo era feito pelo dinheiro que demonstravam possuir e não pelos seus valores morais. Logo, evidencia-se o quanto de hipocrisia reinava naquela época.

Diante disto, a visão que a sociedade vitoriana tinha do Gentleman era de um homem com modos, nascido em berço nobre que dominasse assuntos diversos e instigasse diálogos interessantes acerca do mesmo, mas que cativassem tanto as mulheres, como também a platéia masculina. Feitos acima de tudo com elegância e classe. Dessa forma, um homem não se tornava um gentleman, ele nascia um. Com isso, não teria necessidade de trabalhar para viver. Como adentra teoricamente o comentário feito mais tarde por Hebert, utilizando-se do conceito dado pelo seu pai.

Há esse respeito meu pai tem um principio que me parece acertado. Segundo a sua teoria, um homem que não seja um verdadeiro gentleman quanto ao coração, jamais poderá ser um verdadeiro gentleman no que diz respeito as maneiras. Diz ele também que não a verniz que encubra perfeitamente as fibras da madeira, e que quanto mais se enverniza a madeira tanto mais aparecem as fibras. (DICKENS, 1860, p. 151)

Para reiterar o raciocínio do discurso, de maneira a reforçar as idéias nele defendidas e compreender a incumbência de Herbet, perfeito gentleman, em ajudar Pip. Faz-se necessário discutir a influencia interpessoal na qual Pip passa a sentir em relação a sua condição social, pois ele era um garoto pobre, de origem comum, com seu destino traçado, ou seja, iria trabalhar na ferraria e tornar-se ferreiro como seu cunhado Joe. No entanto, ele era satisfeito com o seu destino e jamais havia percebido nenhuma diferença entre ele as demais pessoas, nas quais o tratavam com certa indiferença. Entretanto, tudo muda na visita feita à Miss Havisham, quando fora tratado de maneira desprezível e chamado de comum por Estella.

Confessei então ao meu amigo que me sentia muito infeliz; que não pudera explicar-me diante de Mrs. Joe e M. Pumplethook por que ambos me trataram com grosseria; que em casa de Miss Havisham morava uma menina lindíssima, muito orgulhosa e que tinha dito que eu era um rapaz comum que bem sabia que era um rapaz comum mais não desejava continuar sendo o que era (DICKENS, 1860, p. 69).

Esta passagem traz consigo outro fator preponderante à compreensão, pois até aquele momento Pip não tinha idéia que ele era diferente por ter um estilo de vida oposto ao de Estella. Ele passa a sentir-se envergonhado de si mesmo, da família, do modo como vive, enfim das suas condições que o tornam comum. E pensa que não há caminho a ser percorrido para tornar-se cavalheiro, pois ele é pobre e Estella é rica. Esse, sem duvidas já seria um ponto significativo que os separavam. Porém, inesperadamente Pip recebe uma fortuna de um anônimo, com isso esquece seu destino e planos traçados e vai morar em Londres para se educar e finalmente aprender a ser um gentleman.  “O meu sonho realiza-se! As loucas fantasias da minha imaginação eram ultrapassadas pela realidade” (DICKENS, 1860, p. 119).

Implantado em um novo nível social, Pip encontra-se com Hebert e tornam-se amigos. Hebert tenta ensinar a Pip como um gentleman age, se veste, fala. Assim, Hebert reflete o que seria um verdadeiro gentleman na Obra, pois este era de linhagem nobre e recebeu educação condizente com sua posição. Por esse motivo foi responsabilizado de ajudar Pip a tornar-se um gentleman. Não obstante, o contraste entre ambos é bastante visível por que Pip era comum por natureza, estudou pouco e não foi educado para outro fim a não ser para profissão de ferreiro, diferentemente de Hebert como já fora mencionado.

Pip se convence das lições que é se tornar um gentleman, todavia sua essência não era aquela, era simples e dispunha de outros valores. Como a simplicidade, honestidade e companheirismo. Essência esta que foi esquecida ao ocupar outro nível social. Processo que culminou no abandono de seus familiares, resumidos apenas ao cunhado Joe. Ou seja, sua simplicidade se desfez a tal ponto que chegou a sentir-se envergonhado de seu único e verdadeiro amigo.  “Eu tivera a intenção de dizer que, encontrando-me em situação de poder fazer alguma coisa por Joe, mais facilmente conseguiria melhorar a sua posição social se ele fosse menos rústico.” (DICKENS, 1860, p. 127).

Entretanto, depois de várias decepções mostradas claramente no final da obra, Pip volta a ser pobre. Retornando ao vilarejo reencontra Joe e Biddy. Porém, depara-se com a união dos dois e decepciona-se, pois criara esperanças de casar-se com a amiga e confidente de infância, Biddy. Com isso, percebe-se a prepotência do personagem Pip diante de seus familiares, que por serem Comuns, imaginou que esperariam por ele até o dia em que retornasse. Como se as pessoas fossem peças de um jogo manipulado por ele. Essa é a essência de um gentleman, prepotente, egoísta  bem diferente do garoto comum, fiel e simples que um dia ele fora. Tendo dessa forma a sociedade modificado a essência de Pip. Foi constatado que o mesmo tornou-se um gentleman, possuidor das características citadas, adquiridas mesmo sem ter vindo de berço nobre.

Outro personagem que por dispor das mesmas características também é considerado gentleman, pelo berço e não por suas ações é Dentley Drummle, que Pip conhece ao chegar em Londres. A prepotência adquirida por Pip talvez pelo ambiente que está inserido faz-se em grande percepção em Drummle, na qual também faz parte de seu intimo.

Por sempre procurar relacionar seus personagens a fatos, Dickens deixa claro outra característica marcante que é a relação entre ser gentleman e não trabalhar. Isso foi demonstrado por Pip ao tornar-se gentleman. Esqueceu completamente esse desejo pelo trabalho que antes quando ainda estava na condição de comum demonstrava grande desejo pelo mesmo, visto como uma forma de libertação.

A partir dessa idéia pode-se observar outras argumentações acerca deste paralelo entre ser gentleman e o não desejo pelo trabalho, pois os gentleman na sociedade vitoriana eram membros da aristocracia britânica, estes por direito, os industriais, oficiais do exercito, comerciantes e os membros do parlamento que assim foram reconhecidos por sua ocupação. Com isso, observa-se um traço subentendido por Dickens em tentar relacionar o homem ocupante de um cargo na sociedade, que por ser um gentleman não cumpria com suas obrigações no trabalho.

Enfim, os níveis contrastantes entre esses dois níveis sociais na obra Grandes Esperanças é vista pela caracterização que vai além do fator dinheiro e posição social adquirido por Pip quando se torna gentleman. Dickens explorou esses conceitos de forma brilhante. Mesmo nas entrelinhas, conseguiu com que o leitor não decifrasse logo no início os significados existentes nas auto-análises do personagem. Nos comentários feitos, onde tenta conceituar os níveis sociais discutidos na obra que retratam dois tipos de vida: uma de origem comum e outra adquirida e marcada pelo comportamento da sociedade que transforma indivíduos. Tudo isso Dickens nos revela através da conjugação sarcástica da sociedade vitoriana.

REFERÊNCIAS

DICKENS, Charles. S/d [1860/1]. Grandes Esperanças. Trad.: Alceu Marson. Rio de Janeiro: Ediouro

MENDES, Oscar. 1983. “A Era Vitoriana”. In.: Id. Estética Literária Inglesa. São Paulo; Brasília: Itatiaia; INL, (Col. Ensaios, v.10), p.08 – 17

PINA, Álvaro. 1984. “Great Expetactions: a subjetividade como construção simbólica”. In.: Id: Dickens: A Arte do Romance. Lisboa: Horizonte Universitário, p. 85 – 134

WILLIANS, Raymond. 1990 [1973]. “Gente da Cidade”. In.: Id. O Campo e a Cidade: na historia e na literatura. Trad.: Paulo Henrique Britto. São Paulo: Companhia das Letras, p. 214 - 227


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