Efigênia, Que Da Guerra Nada Sabia



A guerra havia começado. Na tela da tevê um amontoado de fogos de artifício muito mais brilhantes do que os usados nas festas de São João e Santo Antonio.

Não havia fogueiras, pelo menos por enquanto, assim pensava dona Efigênia, com os olhos grudados no espetáculo tecnológico.

Bush, trush, Saddan, vartan, eram mais ou menos estes os sons que seus castigados ouvidos conseguiam perceber. O que eles querem? – perguntava a si mesma. O que pensam que estão fazendo, estes homens de nomes engraçados?

Dona Efigênia também não conseguia entender como que o presidente de um país podia jogar bomba em outrosó por vontade própria. Preocupada,imaginava a quantidade de mortos espalhados pelo sagrado chão da pátria. Mulheres desesperadas pela morte dos filhos, desfilavam em sua mente, já um pouco atrapalhada pelo avançado dos anos.

Lavadeira de profissão, mal sabendo escrever o nome, passava os dias entre idas e vindasde trouxas de roupa sobre a cabeça.

Da vida, conhecia o rio do lugar, seus peixes, as frutas apanhadas no quintal da casa, os filhos e netos, a farinha de puba, é lá na memória, quase escondida, a recordação de certo lugarejo cearense, onde um dia havia nascido.

De guerra e de luta nada sabia. Nunca soube da Cabanagem, de Palmares, muito menos do golpe de sessenta e oito ou dos caras – pintadas. Sua lida era outra, a de contar tostões para comprar o feijão, de enfrentar o lamaçal da rua nos fartos dias de chuva para entregar à freguesa a roupa passada.

Seu mundo, distante do espetáculo televisivo, decididamente não entendia a razão da guerra. Para ela, era bem mais fácil que cada povo resolvesse entre si mesmo as suas pendengas, mesmo se fossem coisasde política.

Dona Efigênia tinha medo de política. Na época das eleições tinham dito para ela que se o Lula ganhasse iria trocar a bandeira do Brasil por uma bandeira toda vermelha.Teve raiva do homem. Onde iriam parar o seu verde – amarelo? Mas a vida era assim mesmo, um dia o caso da bandeira, noutro a guerra.

Preocupada, queria mesmo é saber quantos quilômetros de distância havia entre sua cidade e o lugar da guerra. Este tal de Iraque ficava mesmo lá pelas bandas onde Jesus havia nascido?

Durante inúmeras noites, quase vencida pelo cansaço, dona Efigênia sentou-se em frente da televisão para ver morte e destruição. Agitava-se muito com a confusão de tanques, mísseis, o barulho das bombas e o palavreado dos jornalistas especializados em guerra.

Assistiu, a cores, paláciosserem destroçados , a soberania do Iraque ir pelos ares, e mais uma vez o americano matar pretensiosamente em nome do mundo, da democracia e da liberdade.

As vezes acordava assustada durante a noite. Qualquer barulho fora da casa, por menor que fosse, tinha a mesma intensidade da bombas do xerife americano. Sentava-se na cama, pedindo a Deus que nunca deixasse que a guerra chegasse no seu Brasil.

Rezava fervorosamente para que Bush nunca se interessasse pela Amazônia, do contrário, ele simplesmente mandaria invadir o país sob o pretexto de que os brasileiros não sabiam tomar conta da mata.

Não entendia nada de guerra, mas sentia, como se fosse sua, a dor do povo massacrado, ofendido duplamente em sua cidadania, primeiro pelo ditador, depois pelo estrangeiro. Seu coração sangrava pelas crianças sem pátria, sem pai, sem esperança.

Continuou a lavarroupas, a cuidar dos netos, a assar o peixe na lenha do quintal, enfim, a tocar a vida como sempre havia feito.

Os dias foram passando e uma coisa, aos poucos, foi mudando, lá no fundinho da alma, primeiro como um pensamento ainda confuso. Depois, corajoso, sabedor quedaquela América gloriosa não tinha medo, não.

Se um dia acordasse com o estrondo de um míssel lançado por um helicóptero de ataque Apache Longbow, saberia que seus botos tucuxís, seu açaí e o mágico som carimbó, jamais desapareceriam do seu pedaço de terra,.

Tal qual o povo lá do Iraque, seria valente para reconstruir a nação. O opressor pode quase tudo, mas não consegue mudar a alma do oprimido. Este tem sua cultura, sua religiosidade, sua tradição que lhe sustenta, senão, a própria vida. Que o faz ser único diante de tanta etnia, diante de tamanha diversidade.


Autor: Jussara Whitaker


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