Tia Dejinha E Seu Discípulo



Tia Dejinha sempre foi fascinada por estórias de terror. Não qualquer uma mas aquelas que ela mesma criava, com personagens que apareciam no meio da noite entre raios e trovões. Mulheres de longos cabelos, sedutoras, que com um simples olhar embriagavam quem as olhasse, no entanto, todas moravam, de fato e de direito, nos cemitérios que compunhamos vários cenários por ela imaginados.

Ora mulheres, ora homens diabólicos, bichos e entidades de encruzilhada, eram muitas as personalidades do além, e por serem tantas e tão diferentes de tudo quejá se ouvira falar nesta vida, com o passar do tempo foi aumentando o número de pessoas que se sentavam ao seu redor para ouvir um bom conto de terror.

De tão especial que eram estes encontros o faz de conta foi se transformando em evento consagrado, aos poucos, tomando o lugar das sessões de cinema, ninguém mais queria saber de outra diversão no cair da noite. Logo após o jantar, lá estava a turma toda da cidade esperando por mais uma estória da tia Dejinha.

Certo dia aparece no lugarum tal contabilista da cidade grande que desconfiado com o empreendimento da contadora de estórias, resolve investigar de perto otamanho sucesso. Será que ela pagava impostos ?

Em uma das noites, após o público ter se retirado arrepiado e ofegante por tudo que havia escutado e imaginado, o contabilista fica por ali, a espera de alguma resposta. Era preciso investigar tudo o que fosse possível, com aquele montão de gente que todas as noites aparecia, com certeza a tiazinha estava é ficando enricada.

O que o abestado não sabia, era que Dejinha nada cobrava, suas estórias eram ditas para quem as quisesse saborear. Momentos de prazer, de brincar com o medo dos moradores do lugar.

Passam-se algumas horas, e na calada da madrugada vê que tia Dejinha caminha para a mata, distante poucos minutos do centro da velha cidade. Espantado vê que a contadora de estórias de terror espalha várias folhas de papel branco, estes usados nas impressoras do computador, pelo chão da mata. Debruça-se sobre eles e freneticamente vai rabiscando, escrevendo, desenhando, como se estivesse num ritual literário. Canetas, lápis, tubos de tinta das mais diversas cores vão sendo usadas.

De repente tia Dejinha se ergue do chão totalmente envolta nas cores que antes usara, e vai diminuindo de tamanho até ficar na espessura das folhas de papel. Um clarão se faz, um estrondo se faz ouvir e Dejinha penetra no mundo de suas estórias.

O encabulado contabilista chega mais perto e reconhece no papel o desenho de uma estrada de chão batido, mais a frente árvores gigantes desfolhadas e assustadoras, numa pedra no cantinho esquerdo do papel, tia Dejinha lá está sentada, de prosa com a figura tenebrosa. Assusta-se e sente muito medo.

No entanto,enchendo-se de coragem, volta os olhos para o papel. Sente-se mal e enjoado, a figura tenebrosa causa-lhe arrepios. Seus pelos são enormes, o corpo disforme, a cabeça pequena perdendo-se naquele corpanzil todo. A baba que escorre da boca chega a ensopar a folha de papel.

O contabilista se belisca, quer ter a certeza de que está tendo um sonho mau. Seu mundo tão certinho, onde tudo se encaixa com perfeição, dois e dois são quatro, como poderia estar presenciando tamanho desatino ?

Sai da mata desconjurado, sem ainda entender o acontecido. O melhor mesmo é seguir para o hotel, uma boa noite de sono talvez fosse o remédio e a resposta para todos os males.

No dia seguinte, após o jantar, mais uma vez a população se reúne no salão da associação de moradores para se entreter com mais uma estóriacomandada por tia Dejina. Crianças, senhores de cabelos brancos, jovens senhoras, estão todos lá, ansiosos pela chegada da mestra das estórias de terror. Tem gente na cidade que melhorou de vida por causa destas sessões, como é o caso do vendedor de tacacá que até montou uma banquinha bem na entrada do salão, dizem que a venda que ele faz a noite já deu até pra comprar um terreno perto do rio.

O contabilista também comparece. Tem certeza de que a mulher naquela noite não vai aparecer, ela estava dentro do papel, ou ele é que estaria ficando maluco ? Vai entrando ressabiado, olha pelo salão a procura de uma resposta que o satisfaça, mas ela lá está, rodeada de gente que mal respira para que o silêncio seja completo e assim melhor absorver cada pedacinho da estória.

A voz de tia Dejinha aparece primeiramente muito pausada, descrevendo um lugar repleto de árvores gigantescas e maltratadas, secas e assustadoras, que há muito haviam perdido as folhas e a vontade de viver. O lugar era habitado por um terrível monstro de corpo disforme, uma cabeça pequena mas portadora demuitas maldades. Da boca do monstro escorria uma baba venenosa que entranhava na pele de todos aqueles que no lugar do coração tinham uma pedra, de tão ruim que eram.

Neste momento o contabilista sai cambaleandodo salão. Não entende como aquilo estava acontecendo, precisava de respostas claras, em alguma coisa que pudesse confiar. Passa no hotel, pede ao porteiro algumas folhasde papel em branco, canetas e lápis e vaipara a mata, no mesmo lugar onde estivera na noite anterior.

Alguns anos depois, numa cidade às margens do Tapajós,onde as estórias só eram de boto que virava homem bonito em dia de luar, oucobra - grande que morava em baixo da terra,apareceu um homem contador de estórias de terror,que em noites de lua cheia corria pra florestacom o corpo coberto de pelos e de sua boca escorria uma baba pegajosa, que por onde quer que pingasse matava a vegetação.

Deve ser por isso que falta tanto verde na floresta Amazônica.


Autor: Jussara Whitaker


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