O Sábio está morto, a Sabedoria jaz!



Este texto foi inspirado na Apologia de Sócrates e no Aforismo 125 [A Gaia Ciência] do filósofo alemão Friederich Nietzsche.

- Havia em um reino distante um Sábio que para o povo, em um determinado dia, havia se tornado insano. Neste dia ele saiu a percorrer as vilas proclamando em altos brados: O Sábio morreu! O Sábio morreu! O Sábio está morto! O Sábio está morto! A Sabedoria morreu!  

- Aos poucos ele percebeu que havia se tornado motivo de grande chacota entre os seus conterrâneos, por causa do modo intempestivo como se apresentou naquela manhã, percebeu também, que o povo da vila imaginava que ele falava de si mesmo, por ser ele também um Sábio, isso porque as pessoas não compreendiam o motivo do seu desvario.

- Diga-nos: é verdade? O Sábio morreu? – Perguntou ironicamente um jovem feirante. - Ele se matou como um louco? - Indagou o velho ourives. - Dorme sem vida? - Não quis despedir-se de nós? - Viajou às pressas para nunca mais retornar? - Foi para o além? – gracejavam aos berros os jovens e os velhos em todas as vilas, por onde o Sábio passava.

- O Sábio, agora tido como insano, virou-se repentinamente para o lado dos que gritavam com mais voracidade e com os olhos fixos disse gritando: - se o sábio não morreu, para onde ele foi? - E completou: posso lhes dizer: - o Sábio morreu. – A Sabedoria sucumbiu com a sua morte. A sabedoria também morreu. Nós todos o matamos. - A nossa descrença nas suas palavras o matou.  – A minha descrença, a descrença de todos vocês o fez morto. – Todos nós somos assassinos. Matamos o Sábio e aniquilamos a Sabedoria.  

- Porque fizemos com que ele nos abandonasse e preferisse a morte? - Porque fizemos dele um estulto? - Quem primeiro duvidou das suas sábias palavras e aniquilou os seus pensamentos? - Porque eu e vocês nos fizemos surdos aos seus conselhos e o expulsamos da nossa presença? - O que será dele agora? - O que será de nós agora? - Estamos como órfãos? - Estamos como que sepultados eternamente na ignorância do nosso falso entendimento? – Somos mortos vivos? - Sepultamos profundamente a nossa alma e o nosso espírito? - Há ainda Sabedoria entre nós? - Caminhamos agora como cegos sem guia e nem destino? - Temos a noção exata da nossa culpa? Do vazio que há entre nós? - Temos ainda Razão? - A Sabedoria ainda é possível entre nós? - Vivemos ainda? - Morremos todos? - Existirá o amanhã?  - Não são as vozes que ouvimos as vozes dos que lamentam pela morte do Sábio e choram a perda da Sabedoria? - Não é o cheiro que nos impregna o odor pesado das mortes do Sábio e da Sabedoria? - A Razão também perece e putrifica? - O Sábio está morto. - A Sabedoria morreu. - O Sábio nunca mais nos dará os seus conselhos. - A Sabedoria nunca mais se fará presente entre nós. - Eu e vocês matamos o Sábio e enterramos a Sabedoria. - O que faremos agora? - Como seremos redimidos, nós os seus algozes, tiranos cruéis?

- A mais pura e forte Sabedoria que ouvimos desde nossos antepassados, o mais Sábio desde o início dos tempos sangra pelo nosso escárnio. - Quem nos redimirá desta culpa? - Como limparemos a nossa consciência maculada? - Como nos livraremos dos pensamentos insanos de culpa? - Como nos justificaremos desta loucura? - Que certeza temos agora? - Que Sabedoria nos guiará agora? - Haverá outra Sabedoria? - Criar uma nova sabedoria é tarefa impossível para nós? - Ressuscitar o Sábio é inconcebível? Criar um novo Sábio será tarefa impossível para nós? Devem vocês se esforçar para serem sábios e expiar a própria culpa pela morte do Sábio e da Sabedoria? - Nunca estivemos muito dispostos a pensar, sempre fomos como que ignorantes e preguiçosos, mesmo eu que sou considerado um Sábio. - E nossos filhos como viverão sem o Sábio e sem a Sabedoria? - Não pensamos nisso antes deste ato covarde? - O pior de todos os atos, matamos o Sábio.

– Fez-se um silêncio cósmico: - o Sábio visto por todos como insano, calou-se, olhou com firmeza o povo que atento o ouvia. Todos quietos olhavam perplexos para aquele que os acusava e a si mesmo se acusava. - Então ele gritou: - Eu sou um assassino! Matei o Sábio e sepultei a Sabedoria! Vocês são assassinos! Mataram o Sábio e sepultaram a Sabedoria! - E continuou: - Ainda precisávamos dele. - A Sua vingança não tardará, virá como um fogo. - Já sinto a sua presença, a sua ira agora despertou e vive entre nós. - A sua Sabedoria não foi aceita por nós. – A luz e o Vento também findaram a sua missão em nosso meio! - O Sol não nos dá mais o seu brilho, esquivou-se de nós. As trevas tomam o seu lugar. - Precisamos, urgentemente, agora, assumir a nossa culpa. - Precisamos fazer ecoar o nosso lamento por nosso horrível destino. - Somos uma estrela cadente, sem vida, sepultada no infinito. - Mesmo sendo felizes ao seu lado, matamos o Sábio.

- Naquele mesmo dia, horas depois de deixar o povo daquelas vilas e partir daquele reino, o Sábio lúcido, tido por todos como insano passou a percorrer outros reinos, entrou em outras vilas, falou com outros povos, e em todos os lugares propagava o seu discurso de lamentação pela morte do Sábio. Falava entre os reis e chorava entre o povo. Dizia apenas: - Matamos o Sábio! - O Sábio morreu. Matamos a Sabedoria!

- O que são as palavras sem a Sabedoria, o que é o pensamento sem o sábio? - Será a mente vazia do povo o sepulcro da Sabedoria? – Será a Filosofia o fim trágico do Sábio?

[Hamilton Pipoli]


Autor: Hamilton Aparecido Pipoli


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