Direito Processual Coletivo: Efetividade Processual, Mercado e o Acesso Coletivo à Ordem Jurídica Justa



Edmundo Gouvêa Freitas[1]

RESUMO

Este trabalho procura no panorama hodierno de crise estrutural do Estado, em que a regulação é perfilhada e eivada de princípios individualistas de mercado, dar relevo à necessidade da busca efetiva pela satisfação dos direitos em sede coletiva[2].

Palavras-chave:Acesso à Justiça; Efetividade Processual; Justiça e Sociedade.

Com efeito, torna-se imperioso esclarecer preliminarmente que os interesses plurissubjetivos são diferenciados em espécies[3], de forma quase enigmática e terminológica entre difuso[4], coletivo[5], de grupo, meta ou supra-individual, por espelhar idêntica realidade, reconhecendo a existência na doutrina de respeitáveis tentativas de distinguir tais conceitos.

Interesse coletivo, em verdade, "deve ser entendido como aquele concernente a uma realidade coletiva, não se confundindo com exercício coletivo de interesses individuais."(Mancuso, 1994: p. 65)

É notória, a existência de planos diversos de titularização, escala crescente de coletivização (segurança pública; assistência à saúde; qualidade de vida). O difuso está situado entre o interesse legítimo e o interesse simples[6].

Cumpre examinarmos, por outro enfoque, a mudança nos modelos de produção em virtude de deslocamento da atividade econômica, bem como o desenvolvimento de mercado de capitaisligados para além das nações.

É importante ressaltar "o fenômeno de metamorfose dos mercados e reforma do Estado foram aspectos de um mesmo processo mundial de reconstrução do capitalismo." ( Faria, 2002: p. 42)

A saber, o fluxo de investimentos sem considerar as fronteiras, associado à crescente expansão das multinacionais teve como conseqüência a hegemonia de conceitos neoliberais em matéria de relações econômicas.

Neste contexto de economia planetária, foi adotado o paradigma cujo ajuste estrutural engloba a privatização e a diminuição do papel do Estado[7]. Observa-se, ademais, tendência mundial generalizada à democratização; à proteção dos direitos humanos e, por fim, um interesse pelo Estado de Direito.[8]

Hodiernamente, aponta-se para um alto índice de atomização – desagregação. Posta assim a questão, almejamos a melhor regulação possível na esfera social, vez que os grandes problemas do momento estão se tornando o da transformação do direito e dos litígios, bem como o da opressão dos grupos sociais inerentes ao processo de transnacionalização econômica social e política.[9]

Cai a lanço notar que "o capital, por ter mais mobilidade, está em posição melhor que o trabalho, para aproveitar as oportunidades e colher os benefícios. (Faria, 2002: p. 49)

Não se pode olvidar que observando a conjuntura contemporânea questiona-se sobre a necessidade de uma proteção específica à coletividade no Brasil. Nessa vereda, inquire-se também no que se refere aos instrumentos processuais clássicos e atuais no sistema processual civil brasileiro e sua adequação àproteção do Direito de Massa ou da Coletividade[10].

Esta preocupação com a proteção consumerista de massa, em sentido mais amplo, ou como quizer, na modalidade coletiva, atingirá ou mesmo representará o aperfeiçoamento do Estado, tendo em vista que influi no incremento de melhor qualidade de vida da sociedade à ele (Estado) submetido.

Registre ainda, a efetiva prestação jurisdicional – efetividade processual – em nível coletivo, sob aótica da segurança jurídica e a relevância de seuimpactono cotidiano do tecido social pátrio.

Notadamente, neste oceano de informações, com conhecimento sistemático eanálise crítica almeja-se justificar o porquê da proteção jurídica, relacionando o aspecto ideológico da insuficiência protetiva à coletividade no modelo brasileiro.[11]

Tal necessidade de proteção leva em conta a necessidade de uma nova reflexão de instrumentos processuais tradicionais e a possibilidade, e ainda, adequação do modelo individualista alçado no mundo plural ou coletivo. Assim, devemos perquerir acerca do modelo tradicional de tutela jurídica estabelecido pelo Estado no tocante aos interesses metaindividuais.

Analisando os institutos processuais, como também investigando os possíveis institutos que de forma peculiar poderão levar a cabo uma proteção jurídica processual e específica do consumidor, em linhas gerais,entendemos como de maior relevância o estudo da legitimidade; coisa julgada; necessidade de prova; intervenção endoprocessual em consonância ao ambiente em que é aplicado o ordenamento jurídico consumerista.[12]

Mister se faz ressaltar que é forçosa a investigação em caráter periférico, visando mensurar o impacto na produção em larga escala, na qualidade do produto e na esfera jurídica, inventariando, de forma clara, a relação do consumidor na ponta da flecha e, por conseguinte, ao final da cadeia, a coletividade. Imperioso se torna compreender os efeitos socio-econômicos da norma jurídica coletiva frente a uma possível melhoria nos padrões de qualidade de vida do consumidor brasileiro.

Ao ensejo da conclusão, convém ponderar que "o significado das crises consiste exatamente no fato de que indicam que é chegada a ocasião para renovar os instrumentos" (KUHN, 1996, p. 105).

Relevante salientar que em continuidade ao tema proposto cabeuma elaboração teórica futura com escopo na compreensão mais aprofundada de instrumentos processuais eficazes no tocante à satisfação dos direitos da coletividade.[13] Não se pode perder de vista, ademais, a relevância do temaao incremento do consumo e desenvolvimento da nação.

Importante se faz ressaltar a inserção do cidadão no acesso à justiça através do acesso coletivo da efetiva proteção do consumidor pátrio.[14] Ao propósito, defendemos o Estado criando ambiente propiciador de investimentos decorrentes da iniciativa privada, como também na empresa atuando por interesse a partir do ambiente favorável (carga tributária; intrância no mercado e seus produtos) gerando competitividade e, portanto, procurando atingir um número mais avançado de seu produto.[15]

A efetividade da prestação jurisdicional, portanto, está intrinsecamente ligada ao incremento das vendas com respectivo aumento destasgerando multiplicação dos produtos; contratação de empregados para dar cabo à produção em larga escala e, por último, mais acesso aos bens de consumo, justificando isso a partir do interesse e amplitude favorável das empresas, somado à uma frente de trabalho que consegue produzir em larga quantidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS

ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do Consumidor. 2.ed.rev.atual. e ampl.São Paulo: Saraiva, 2000.

ARNAUD, André-Jean. Introdução à análise sociológica dos sistemas jurídicos; tradução do francês por Eduardo Pellew Wilson. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

BESSA, Leonardo Roscoe in: BENJAMIN,Antônio Herman; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

FARIA, José Eduardo e KUNTZ, Rolf. Qual o futuro dos direitos? Estado, mercado e justiça na estruturação capitalista. São Paulo: Max Limonad, 2002.

FREITAS, Bruno Gouvêa. As lacunas na teoria pura do direito: uma abordagem da ideologia nos discursos sistemáticos. Monografia apresentada no curso de graduação em direito da Universidade Federal de Juiz de Fora, 2004.

GAIO JÚNIOR. A proteção do consumidor no mercosul.São Paulo: LTr, 2003.

GAIO JÚNIOR. Direito Processual Civil: teoria geral do processo, processo de conhecimento e recursos. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

HELD, David & MCGREW. Prós e contras da globalização. Tradução, Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

KUHN, T. S. . A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1996.

MANCUSO, Rodolfo Camargo. Interesses Difusos: Conceito e Legitimação para agir. 3ªedição . Revista e Atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.



[1]Graduando do 10º Período de Direito. Universidade Salgado de Oliveira – campus JF/MG.

Pós-Graduando em Direito Processual. Universidade Estácio de Sá – campus JF/MG.

Correspondente Jurídico.

[2]Tal tema, contemporaneamente, vem sendo elaborado de forma autônoma e sistemática. A nosso ver, isso decorre do fato de que os sistemas jurídicos soem ser fundados na tutela ao indivíduo, isto é, querelas do tipo " Tício versus Caio", mesmo que os implicados sejam pessoas jurídicas. Mesmo o conceito tradicional de legitimação para agir mostra esse individualismo: "é a identidade da pessoa do autor com a pessoa favorecida pela Lei, e da pessoa do réu com a pessoa obrigada". (Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil,v.I, p.109. Ao passo que, nos conflitos metaindividuais, "è uma serie indefinida de Tizi contro molti Cai, o contro um solo Caio (. .)" ( V. Vigoriti, Ob. Cit., p.255) (Mancuso, 1994: p. 70)

[3] Sob a ótica Processual, a espécie de interesse defendido na ação (difuso, coletivo ou individual homogêneo) irá depender diretamente do conteúdo e extensão do(s) pedido(s) e da cauda de pedir formulados pelo autor, permitindo delinear os benefícios atuais e potenciais da tutela requerida. (Bessa, 2007: p. 390)

[4] Os interesses difusos encontram-se em estado "fluido", de formação, no seio da comunidade, impõe-se não confundi-los com aqueles interesses que, conquanto afetados à sociedade civil, já mereceram enquadramento específico no sistema jurídico e não comportam controvérsia a nível indivíduo versus indivíduo; pense-se no interesse à defesa comum, à ordem pública, à saúde pública. Como observa Ada Pellegrini Grinover, "o único problema que esses interesses podem suscitar se situa na perspectiva clássica do conflito Autoridade versus indivíduo". (Mancuso, 1994: p. 75)

[5] Interesses coletivos e difusos configuram espécies do gênero "interesses meta (ou super) individuais", queapontam, pelo menos, duas diferenças básicas: uma de ordem qualitativa (sob esse critério vê-se que o interesse coletivo resulta do homem em sua projeção corporativa, ao passo que no interesse difuso, o homem é considerado simplesmente enquanto serhumano) e outra de ordem quantitativa (verifica-se que o interesse difuso – que relaciona-seà toda comunidade -concerne a um universo maior do que o interesse coletivo, apresentando este, menor amplitude já pelo fato de estar adstrito a uma relação base, a um vínculo jurídico, o que levaa se aglutinar junto a grupos sociais definidos). (Mancuso, 1994: p. 68)

[6]Tenha- se presente que não padece dúvida que sempre existiram interesses difusos. Os interesses sempre emergiram, naturalmente, do plano de mera "existência-utilidade"; de modo que interesses de todos os tipos e matizes puderam surgir de cada ponto onde se voltaram a atenção ou a vontade humanas.(Mancuso, 1994: p. 70)

[7] Diante do policentrismo decisório que hoje caracteriza a economia globalizada, com suas hierarquias total mente flexíveis, entidades nacionais e supranacionais híbridas e do crescente predomínio da lógica financeira sobre a economia real, o Estado-nação vem sendo gradativamente substituído pelo "mercado", enquanto instância de coordenação da vida social. (Faria, 2002: p. 69)

[8] A globalização econômica contemporânea traz em si um mundo cada vez mais unificado para as elites – nacionais, regionais e globais – , porém nações cada vez mais divididas, uma vez que a força do trabalho global, tanto nos países ricos quanto nos pobres, segmenta-se em vitoriosos e derrotados. (Held & McGrew, 2001: p. 64)

[9] A existência de interesses coletivos impulsiona a formação de grupos sociais,justificando também tal entendimento a idéia sobre a qual os sobre a qual os homens se unem por grupo ou satisfação plena de suas necessidades não pode ser alcançada de forma eminentemente isolada, sendo a família, a sociedade civil e comercial, o sindicato exemplos específicos para tal entendimento. Tem o Direito, no tocante ao aspecto sociológico, essencial função de controlador social, normatizando as relações sociais dentro de valores e modelos culturais e éticos, não sendo, porém, a única forma de se tentar alcançar o justo. (Gaio, 2006: p. 17)

[10]A globalização da economia, acompanhada de orientações políticas que a favorecem, tudo isso cria oportunidades para o direito e para os profissionais do direito, o que acarreta ao mesmo tempo uma mudança na própria lógica das práticas jurídicas. (Arnaud, 2000: p.361)

[11] As épocas de maior preocupação com os problemas de método são as de crise, pois a ideologia dominante não pode mais colocar de lado seu adversário; de forma que as reivindicações hegemônicas de ambos os lados precisam tomar explícitas as posições mais mediatas – por princípios metodológicos – do seu sistema rival. (Freitas, 2004: p.32)

[12] Ajustificativa da tutela está assentada no reconhecimento da parte consumidora nas relações consumeristas, assim, a intervenção do Estado no domínio econômico guarda estreita relação com o surgimento da tutela do consumidor. (Almeida, 2000: p. 25)

[13] O direito processual como instrumento de realização do direito materiale de eficácia social do CDC, não poderia ser esquecido pelo legislador. Mais do que isso: era necessário avançar e melhor disciplinar a tutela dos interesses metaindividuais, próprios de uma sociedade massificada. (Bessa, 2007: p. 380)

[14] Com efeito, é de se enfocar, dentro de uma base racional relativa à proteção do consumidor, o papel atuante e essencial que este exerce para tal funcionamento do mercado, merecendo, por isso, fundamentalmente, atenção diferenciada, já que sua confiança no mercado é pré-requisito para o sucesso deste. (Gaio, 2003: p. 115)

[15] O surgimento e desenvolvimento dos mercados, relacionados a mecanismos de troca de bens e serviços realizados por agentes com capacidade autônoma – indivíduos, empresas – dentro de um espaço normativo comum, são oriundos de larga história e também de processos sociais e políticos complexos , sendo a proteção do consumidor conseqüências direta de tais processos, ante as novas situações decorrentes do desenvolvimento. (Gaio: 2003, p. 108)


Autor: Edmundo Gouvêa Freitas


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