A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO COMO FATO SOCIAL NO POSITIVISMO SOCIOLÓGICO: A análise do julgado de reconhecimento das uniões homoafetivas



A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO COMO FATO SOCIAL NO POSITIVISMO SOCIOLÓGICO: A análise do julgado de reconhecimento das uniões homoafetivas.[1]

 

Jenniffer de Melo da Silva e Karen Araujo[2]

Thiago Vieira Mathias de Oliveira[3]

Sumário: Introdução; 1. Positivismo sociológico- principais aspectos teóricos 2. Do exegetismo ao positivismo e a análise do julgado de reconhecimento das uniões homoafetivas 3.O reconhecimento das Uniões homoafetivas a luz do positivismo sociológico 4. Considerações Finais; Referências.

 

RESUMO

O presente artigo propõe um exame, pautado no julgado da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277, acerca do reconhecimento das uniões homoafetivas enquanto entidade familiar, asseverando a aplicação do positivismo sociológico como melhor interpretação do direito, e refutando o exegetismo enquanto sua forma de aplicar o direito.

Palavras- chave: Dogmatismo. Fato social. Exegetismo. Positivismo Sociológico. Fato Social. Judiciário.

INTRODUÇÃO

A evolução da sociedade, o surgimento das ciências sociais, o positivismo sociológico trouxeram para o legislador uma nova forma de se pensar o direito. Uma nova concepção sobre a interpretação dada a letra da lei.

Permitindo ao legislador a utilização de valores na resolução de conflitos sem que isso fosse identificado como seu anseio subjetivo e sim como a interpretação e modernização da norma em seu significado, levando-se em consideração a evolução social.

Dessa forma, o tema ora proposto tem espoco avaliar a situação peculiar dos casais homoafetivos, que incita, prima facie, questionamentos sobre o conceito de família abarcado pela então Magna Carta, bem como demonstrar que tal premissa deve ser analisada a luz do positivismo sociológico ao invés do exegetismo e sua interpretação gramatical da letra da lei.   

Profícuo pela interdisciplinaridade que promove, o tema reveste-se de pertinência acadêmica e social, haja vista envolver o interesse da sociedade – princípio consagrado na Constituição Cidadã, bem como pela proposição de uma análise social das condições a que estes são subordinados.

Assim, busca-se pelo presente, analisar o reconhecimento das uniões homoafetivas a luz da Constituição Federal abrangendo o conceito de família e contestando a analise literal do direito posto na Magna Carta, para interpretá-lo enquanto fato social.

Este breve panorama será tratado no texto em três partes: o tópico primário versará sobre o positivismo sociológico, seus principais aspectos teóricos. Na abordagem seguinte, o destaque será para a analise do julgado de reconhecimento das uniões homoafetivas em relação ao exegetismo e o positivismo sociológico, e por derradeiro o reconhecimento das uniões homoafetivas a luz do positivismo sociológico, destacando os princípios constitucionais e o direito da família moderna, quanto ao reconhecimento na entidade familiar constituída por casais do mesmo sexo.

2-  POSITIVISMO SOCIOLÓGICO- PRINCIPAIS ASPECTOS TEÓRICOS

No início do século XIX surge na Europa uma corrente de pensamento chamada de positivismo, que defende a separação do direito da moral e da política, importando mais a análise literal da lei. O direito, portanto, deveria ser afastado de julgamentos morais, pois só assim, ele seria alcançado de forma propriamente dita. Um dos seus maiores representantes foi Hans Kelsen, o qual defendia a não criação do direito por conceitos jurídicos, mas o obedecer  rigoroso da lei (BOBBIO, 2006, p.). Na sua obra teoria pura do direito, há um grande alcance de separação do direito em relação à moral e ao direito natural. “Kelsen não admitirá a criação do direito por meio da elaboração de conceitos jurídicos, limitando-se ao que se encontra prescrito em lei”. (CAMARGO, 2003, p. 90).

Porém, na metade do século XIX, com o surgimento de novas ciências, denominadas ciências da sociedade, principalmente da sociologia, foi desenvolvida uma nova técnica para se legitimar o discurso jurídico. Então, o positivismo sociológico surgiu como uma resposta para a definição de valores objetivamente corretos, os quais poderiam ser usados pelos juízes, sem que fosse confundido com sua vontade subjetiva, uma vez que ajudaria na atualização do significado da norma. 

Essa atualização seria pela inovação de alguns pensadores em defender que o direito não se limitava apenas às normas, mas tinha uma função social, ou seja, deveria atender as necessidades sociais surgidas com ao longo do tempo. Para eles, “mais importante que cumprir a letra da lei, é fazer com que a lei cumpra as suas finalidades sociais, pois se os textos são produtos da sociedade, eles devem ser interpretados de forma a realizar as suas aspirações” (COSTA, 2004, p. 2).

 “É um mal necessário a rigidez da forma; ao invés de o abrandarem com a interpretação evolutiva, agravam-no com a estreiteza da exegese presa à vontade criadora, primitiva, imutável. Se há proveito por um lado, avulta o prejuízo maior por outro: o que a lei ganha em segurança, perde em dutilidade; menos viável se torna o sofisma, porém fica excessivamente restrito o campo de aplicação da norma”. (JANDOLI apud MAXIMILIANO, 2002, p. 21).

Para isso, era necessário o conhecer das necessidades sociais, para o implantar de soluções jurídicas adequadas. Neste ponto, o empirismo é utilizado como método científico, uma vez que, propõe o observar do mundo, para o aplicar de teorias cientificas, valorizando desta forma, os fenômenos observados.

“Para o positivismo, o direito ou a ciência jurídica deveriam ser vistos como todas as outras ciências naturais, ou seja, como uma força de natureza (social), independentemente da ação e do pensamento humanos. Era o tipo do conhecimento obtido da correlação e da constância verificada entre os fatos observados.” (CAMARGO, 2003, p. 88).

 Assim, o positivismo sociológico caracterizou-se pela preocupação com a sociedade e suas necessidades, daí o uso do termo solidariedade coletiva ou social. Despreza juízo de valor, o que conseqüentemente nega o apriorismo (característica de partir de princípios previamente aceitos).

Dessa forma, para os defensores do positivismo sociológico, o juiz tem a faculdade de criar a norma jurídica diante do caso concreto. Em suma, o jurista diante o fato que deve examinar, observando as técnicas proporcionadas pelo estudo das ciências sociais, teria a função de criar a norma jurídica. Portanto, o jurista seria o aplicador de conhecimentos sociológicos, e as normas positivistas serviriam apenas como um padrão de referência. (REALE, 1999, p. 438). A critica se dá porque o judiciário acabaria entrando na esfera de atuação do legislativo, o que ocasionaria conturbações na divisão de poderes.    

2- DO EXEGETISMO AO POSITIVISMO SOCIOLÓGICO E A ANÁLISE DO JULGADO DE RECONHECIMENTO DAS UNIÕES HOMOAFETIVAS.

O exegetismo surge a partir de um movimento que reuniu comentaristas do Código Civil Francês ou Código de Napoleão. Tal código, quando publicado, era tido como completo, de onde não se admitia lacunas. Por seu alto grau de importância, os franceses decidiram protegê-lo de interpretações distorcidas, e esse é o motivo pertinente para a criação da escola da exegese. Seus componentes defendiam a ação limitada do poder judiciário o que justifica o grande apego “às palavras da lei”, uma vez que nesta se encontra a vontade do povo, ou vontade geral, ou seja, defendiam o atendimento restrito aos termos da lei, pretendendo encontrar nestas a resposta para qualquer conflito. (CAMARGO, 2003, p. 65).

Assim, a Escola da Exegese “preceituava que o objetivo do intérprete seria descobrir, através da norma jurídica, e revelar- a vontade, a intenção, o pensamento do legislador.”( DOMAT apud MAXIMILIANO, 2002, p. 15). Para isso, usava dos métodos de interpretação gramatical (uma vez que na vontade do legislador se encontra a vontade geral, e este é quem formula as leis, o intérprete deveria se atear ao conteúdo gramatical da lei) e sistemático (o intérprete deveria obedecer à ordem definida no código, seguindo títulos e capítulos, devendo sua atividade ser objetiva e neutra). Resumidamente, as características do exegetismo são: o direito tido por uma concepção rigidamente estatal, a lei interpretada segundo a vontade do legislador, respeito e “culto” ao texto da lei, o que conseqüentemente traz  o princípio da autoridade da lei (BOBBIO, 2006, p. 84).

Como verificado, as características dessa escola de interpretação do direito apresentam-se contrárias ao do positivismo sociológico, verificadas no item anterior, uma vez que este vê o direito como produto dos anseios da sociedade, não se restringindo apenas ao conteúdo expresso da lei, ou seja, o positivismo social preocupa-se com a dinâmica social, o que não é verificado no exegetismo. Portanto, adotar o exegetismo em um modelo social que está em constante mudança seria incabível, pois este modelo não iria permitir as transformações naturais por qual esta sociedade estaria sujeita, criando um conflito social no qual podemos perceber neste caso.

Ainda, para Jhering, o sentimento de justiça, proveniente da personalidade é o que daria ensejo ao direito, colocando este em movimento. Assim, quando o sujeito reclama por danos sofridos, faz luta individual em relação ao seu direito violado, importando dessa forma, mais o direito subjetivo que o objetivo. E como todo agir tem uma finalidade, para que o jurista compreenda o direito, deve este se ater às necessidades que provocam a busca de determinados fins ao invés de conceitos já formulados por instituições jurídicas que atendem à lógica. Como bem expõe Savigny- “Pode a lei ser mais sábia que o legislador?”. (CAMARGO, 2003, p.92).

3 – O RECONHECIMENTO DAS UNIOES HOMOAFETIVAS A LUZ DO POSITIVISMO SOCIOLÓGICO.

O conceito de família desde os tempos remotos vem sofrendo alterações significativas de acordo com a evolução da sociedade. Como bem delineia Maria Helena Diniz “a cara da família moderna mudou” (DINIZ, 2010, p. 42).

A mutação no conceito de Família, considerada base da sociedade e de especial proteção pelo Estado, se depara com as uniões douradoras entre pessoas do mesmo sexo, trazendo o cerne em questão quanto a aplicação do art. 1723 do CC/2002 , a “nova” entidade familiar.

Deste modo, o debate ora levantado pela ADI 4277, corresponde a convivência pública e douradora de pessoas do mesmo sexo ser considerada uma entidade familiar, fato que aguilhoa a interpretação dada pela Magna Carta quando anverso aos casos de união homoafetivas.

Quanto ao reconhecimento das uniões homoafetivas, baseando-se nas premissas do positivismo sociológico, o direito não deve se limitar único e exclusivamente às normas legais, mas sim a sua função social, atendendo as necessidades sociais surgidas ao longo do tempo. Ora, os textos legais são produtos da sociedade em que vivemos, com sua evolução a interpretação dada a norma legal deve acompanhar de forma significativa a mudança da sociedade. (COSTA, 2004, p. 2). Isso demonstra a dificuldade de se aplicar o exegestismo, quanto a interpretação do dispositivo legal, vez que sua concepção baseia-se no fato de que o direito deve ser analisado a partir da letra da lei, sua interpretação é gramatical, não podendo assim o conflito ter sequer sofrer uma analise sociológica. (CAMARGO, 2003, p. 65).  Então, como bem dizia Augusto Comte “a única ciência capaz de reformar a sociedade é a sociologia ou física social”, (LARENZ, 1997, p. 102).

Denota o Ministro Marco Aurélio em seu voto da ADI 4277,  que há uma falta de vontade na coletividade em ver aprovadas leis que versem sobre os direitos ou equiparações dadas aos casais homoafetivos, diante do preconceito emitido pela própria sociedade (ADI4277, p.7)

Assevera ainda o ministro que a solução está além da vontade do legislador, vez que esta ocorre diretamente das garantias fundamentais do mínimo legal garantidas pela Magna Carta de 1988. (ADI4277, p.7)

O Estado ao proporcionar a todos os cidadãos os princípios fundamentais elencados pela Magna Carta escoa qualquer tipo de descriminação, preconceito, raça, sexo, alegando em seu próprio art. 5 que “todos são iguais perante a lei”, trazendo a baila os princípios da igualdade, da isonomia, sem falar no princípio da dignidade da pessoa humana, considerado princípio norteador que baliza o sistema jurídico. (DIAS, 2010,p.199).

Nas palavras do Ilustre Ministro Marco Aurélio:

Inexiste vedação constitucional à aplicação do regime da união estável a essas uniões, não se podendo vislumbrar silêncio eloquente em virtude da redação do § 3º do artigo226. Há, isso sim, a obrigação constitucional de não discriminação e de respeito à dignidade humana, às diferenças, à liberdade de orientação sexual, o que impõe o tratamento equânime entre homossexuais e heterossexuais. Nesse contexto, a literalidade do artigo 1.723 do Código Civil está muito aquém do que consagrado pela Carta de 1988. Não retrata fielmente o propósito constitucional de reconhecer direitos a grupos minoritários. (ADI4277, p.17)

Ora, dos argumentos apresentados é possível afirmar que a dignidade da pessoa humana ao ser aferido uma diferenciação de tratamento em virtude de sua orientação sexual, bem como seu conceito sobre família, significa “dispensar tratamento indigno a um ser humano”. (DIAS, 2010,p.199).  Hodiernamente “diante das garantias constitucionais que configuram o Estado Democrático de Direito, impositiva a inclusão de todos os cidadãos sob o manto da tutela jurídica. (DIAS, 2010, p.199). Ou seja, a tutela jurisdicional da minoria, o reconhecimento da entidade familiar pautada no amor, a “democratização dos sentimentos”. (DIAS, 2010, p.44).

Por fim, como bem delineia a ilustre doutrinadora “Vencer o preconceito é uma luta árdua, que vem sendo travada diuturnamente, e que, aos poucos, de batalha em batalha, tem se mostrado exitosa numa guerra desumana” (DIAS, 2010,p.198).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o decorrer do tempo, a sociedade apresenta suas mudanças, as quais podem ser verificadas no âmbito social, econômico e religioso, por exemplo. O direito se apresentou como uma das manifestações sociais no que diz respeito à organização político-administrativa de um Estado, portanto, ele serve para organizar as relações jurídico sociais emanadas do meio social. Para o positivismo sociológico (escola moderna de interpretação do direito, defendida no paper em questão), o direito deve acompanhar as mudanças da sociedade, sendo assim, na análise da ADI 4277, opta-se pelo reconhecimento das uniões homoafetivas, pelos argumentos já expostos no decorrer do paper.

REFERÊNCIAS

Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277 Distrito Federal, Relator : Min. Ayres Britto, Voto: Ministro Marco Aurélio. Disponível em: . Acesso em: 21 mai. 2012.

 

 

BOBBIO, Noberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 2006.

CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.

COSTA, Alexandre Araújo. Positivismo sociológico. Disponível em:          .

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 22.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2002.


[1] Paper apresentado à disciplina Hermenêutica, Lógica e Argumentação Jurídicas da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Alunas do 4° Período do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Professor Mestre, Orientador.


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