Redução da Maioridade Penal



REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL        

Gabriela Percília Cristino

Bacharelando do curso de Direito do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais

 

Resumo

O presente artigo procurou refletir sobre a “Redução da maioridade penal”. Não é de hoje que o tema é discutido por todos os setores da sociedade. Até completar 18 anos, o jovem é inimputável de acordo com nossa Carta Magna, logo, não comete crimes, e sim atos infracionais. Os menores não são submetidos às penas estabelecidas no Código Penal, ficando sujeitos à legislação especial, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Este assunto é analisado no artigo através de uma comparação entre os argumentos contra e a favor da redução da maioridade para os 16 anos. A pesquisa foi realizada através da análise da legislação vigorante em nosso país. É notório que o assunto gera grandes polêmicas e discussões, pois existem prós e contra na aplicação do Código Penal aos adolescentes, pois essa é uma fase de transição que exige atenção especial.

Palavras-chave: Inimputabilidade. Maioridade. Adolescente. Estatuto.

INTRODUÇÃO

A questão da maioridade penal está em foco na nossa sociedade. Discute-se se a inimputabilidade deve se encerrar aos 18 anos, ou seria reduzida para os 16. Várias questões devem ser analisadas nessa discussão, pois a adolescência é uma fase complicada, na qual o indivíduo se encontra em um momento de transição.

A discussão maior gira em torno do discernimento do menor de 18 anos. Seria o jovem de 16 anos já consciente de seus atos? Ele já consegue discernir o que é crime ou não, e arcar com as consequências?

As legislações brasileiras, ao longo de sua história, trataram a questão da maioridade penal diferentemente. Na época do império, o indivíduo de 14 anos já respondia penalmente por seus atos. Nossa Constituição consagra em 18 anos a maioridade penal, e os menores ficam sujeitos ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

Assim, o objetivo da pesquisa é elucidar essa discussão através de uma comparação entre os argumentos a favor e contrários a redução da maioridade penal. Para isso, foram pesquisados diversos artigos sobre o assunto, além da análise das legislações que tratam da questão.

1 MAIORIDADE PENAL

1.1 Inimputabilidade

A inimputabilidade é tratada de forma diferente em cada país. Em Portugal, a maioridade penal ocorre aos 16 anos, assim como na Argentina. Já em outros países como Colômbia e Peru, a idade é 18 anos. Ou seja, apesar de ter uma tendência mundial sobre a maioridade após os 18 anos, não há um consenso unânime sobre o assunto, depende da cultura de cada país a fixação desta idade.

No Brasil, a Constituição consagrou como plenamente inimputáveis os jovens menores de 18 anos, uma vez que estes não possuem a aptidão de responder pelas consequências jurídicas de seus atos. Isso significa que o menor não responderá pelos atos delituosos tipificados pelo Código Penal, ou seja, ele não comete um crime, mas sim um ato infracional. Assim, estarão submetidos às normas de uma legislação especial, que é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que os menores de 18 anos, ao praticarem uma infração, sofram medidas sócio-educativas, que podem chegar, dependendo da gravidade do ato, até à privação de liberdade.

1.2 Como o assunto é tratado na legislação

1.2.1 Na Constituição Federal e no Código penal

A Constituição de 1988 deu à criança e ao adolescente um tratamento diferenciado daquele dado pelas legislações anteriores. Por exemplo, na legislação de 1824, os jovens só eram percebidos pela coletividade no momento em que cometessem alguma infração, pois não havia nenhuma lei que desse suporte para esses jovens ou prevenisse a prática de atos ilícitos. A maioridade penal se dava aos 14 anos.

Já o Código de Menores de 1979, que atualmente encontra-se revogado, apesar de representar um grande avanço na legislação para os inimputáveis, era uma legislação extremamente repressiva. Este código acreditava que o crime era uma opção, e não uma consequência das condições sócio-educativas do menor. As sanções previstas eram tão pesadas quanto àquelas dadas aos adultos.

Nossa Constituição tem vários artigos destinados ao menor, dando a eles o status de prioridade do Estado, e por isso devem ser protegidos e defendidos. O artigo 227 da CR/1988 dispõe:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988 p. 166).

A família e a sociedade tem papel indispensável na vida desses jovens. De acordo com o artigo 229 da CR/1988 “Os pai têm dever de assistir, criar e educar os filhos menores [...]”. É perceptível a preocupação da Carta Magna com o suporte que deve receber o menor por parte de sua família.

É no seu artigo 228 que a Constituição estabelece o limite da imputação penal, pois enuncia que “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Dispõe, de maneira idêntica, o artigo 27 do Código Penal e o artigo 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O artigo 228 da CF/1988 constitui uma garantia individual para os menores. Assim, este artigo não pode ser objeto de deliberação a proposta de emenda, conforme artigo 60 §4º, IV. Então, seria a redução da maioridade penal inviável, por ser o dispositivo 228 uma cláusula pétrea?

O Código Penal, em vigor desde sete de dezembro de 1940, fixou a idade do fim da inimputabilidade através do critério bio-psíquico. De acordo com este critério, o indivíduo só responderá penalmente por seu ato, que foi de confronto com a lei, se for constatado que ele tem as condições psíquicas e o discernimento necessário para diferenciar o que é crime e o que não é.

Entre os códigos penais que vigoraram no Brasil, a fixação da maioridade penal aos 18 anos não é unânime. Por exemplo, no Código Penal de 1890, a inimputabilidade absoluta era até os 9 anos de idade, e depois dos 14, o infrator era considerado um criminoso, respondendo penalmente.

1.2.2 No Estatuto da Criança e do Adolescente

O Estatuto da Criança e do Adolescente foi criado especialmente para os menores de 18 anos pela Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990, sob o governo de Fernando Collor de Mello. Esta lei contém medidas administrativas destinadas à reeducação e recuperação.

O ECA é considerado um avanço na defesa das crianças e dos adolescentes, colocando o Brasil em posição de destaque em relação aos outros países do mundo.

Este estatuto veio reforçando alguns preceitos já estabelecidos na Constituição de 1988 como o tratamento diferenciado aos adolescentes por estarem passando por uma fase de transição, que reflete diretamente na relação do jovem com a sociedade. O Estatuto estimula as políticas públicas voltadas aos adolescentes e às crianças e reforça o papel do Estado, da família e da sociedade na formação destes.

A lei considera crianças os que têm até doze anos de idade e adolescentes aqueles que têm entre 12 e 18 anos.

O ECA nasceu da necessidade de um tratamento diferenciado entre os menores e os adultos, em razão das grandes diferenças existentes entre eles, uma vez que os menores possuem um desenvolvimento da personalidade ainda incompleto. Por essa razão, é necessário um Estatuto, uma lei especial. As crianças e os adolescentes não poderão sofrer as penas firmadas pelo Código Penal, às primeiras aplica-se medidas de proteção, e aos segundos medidas sócio-educativas.

O Estatuto tem como princípio máximo amparar os menores, ou seja, punir não é a parte mais relevante da lei. Reconhece que os fatores sociais nos quais o jovem está inserido interferem em seu caráter. Por isso, a norma busca a recuperação e reintegração do menor infrator à sociedade.

É no artigo 112 do ECA que estão previstas as medidas sócio-educativas caso haja a prática do ato ilícito.

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I - advertência;

II - obrigação de reparar o dano;

III - prestação de serviços à comunidade;

IV - liberdade assistida;

V - inserção em regime de semi-liberdade;

VI - internação em estabelecimento educacional;

VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI (BRASIL, 1990).

Sendo a internação a mais severa medida, por isso deve ser empregada em casos que tiverem extrema necessidade, como última alternativa à solução do caso. Ela deve respeitar os princípios relatados no artigo 227, §3º, V: “obediência aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoas em desenvolvimento [...]” (BRASIL,1988).

2 A FAVOR DA REDUÇÃO MAIORIDADE PENAL

Aqueles que defendem a redução da maioridade penal para os 16 anos apresentam vários argumentos, entre eles o amadurecimento mais rápido dos adolescentes na atualidade. O legislador se utilizou do critério biológico, considerando que os menores não tem plena capacidade de entendimento. Entretanto, os defensores da redução da maioridade penal partem do pressuposto de que, nos dias de hoje, o jovem tem mais acesso à informação devido aos meios de comunicação, que, a cada dia, estão mais rápidos e eficientes na transmissão de dados.

Alguns defensores alegam que as sanções previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente não são suficientes para intimidar as práticas delituosas por parte dos menores. Muitos deles não temem as medidas sócio-educativas, preferem roubar e ganhar algum retorno financeiro, mesmo com o risco de sofrer as sanções do ECA. Ou seja, a punição é insignificante.

Estatísticas comprovam que 95% dos adolescentes infratores entre 16 e 18 anos são criminosos perigosos e que cometem atos ilícitos regularmente.

É importante mencionar, também, uma pesquisa realizada em 2006 entre os magistrados. Foram consultados quase três mil juízes de todo país, e destes, 61% mostraram-se a favor da redução da maioridade penal.

Os partidários dessa posição defendem não ser viável falar que o artigo 228 da Constituição é uma cláusula pétrea, que não pode ser emendada. O Direito precisa acompanhar a evolução da sociedade, logo, se a visão da coletividade muda acerca da maioridade penal, a legislação também precisa ser modificada. Não pode o legislador originário bloquear a capacidade de autodeterminação jurídica das próximas gerações.

O artigo 60 da CR/1988, em seu §4º enuncia que os direitos e garantias fundamentais “Não será objeto de deliberação de proposta de emenda constitucional tendente a abolir”. Conclui-se a partir desta redação, que as emendas que tratam sobre as matérias do §4º podem ser feitas, mas não se podem abolir tais matérias, ou seja, o artigo 228 pode ser alterado, mas não abolido.

Muitos criminosos utilizam os menores de idade para a realização de crimes, justamente pelo fato de os adolescentes não sofrem com as penas do Código Penal. Esta situação ocorre constantemente no Brasil. Se caso a maioridade fosse reduzida, os jovem entre 16 e 18 anos não seria usados para esses fins.

Muitos consideram que a legislação brasileira entra em conflito em relação ao amadurecimento do jovem. O Código Eleitoral torna apto o menor entre 16 e 18 anos a votar, deste modo, presume-se que ele tem o pleno discernimento para participar da vida política do Estado e escolher seus representantes, aqueles que irão conduzir o futuro do país. Entretanto, este mesmo jovem que tem esta capacidade não tem o discernimento para distinguir o que é certo ou errado?

Ao completar 16 anos o menor pode se emancipar, atingindo a capacidade jurídica plena sem, entretanto, completar os dezoito anos. Já pode se casar, ter estabelecimento civil ou comercial, ou seja, participar sem assistência ou representação os atos da vida civil em sua plenitude. Mas apesar de poder adquirir a capacidade plena aos 16 anos, ainda não pode ser penalizado de acordo com o Código Penal.

Quando o Estado aplica uma pena àquele que infringiu o Direito, está mostrando para a sociedade que o ato é punível, e assim, deve ser evitado. Ou seja, a pena tem uma função intimidativa, por isso, o menor precisa de penas mais severas, evitando que o ato infracional torne a se repetir.

3 CONTRA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

3.1 Do ponto de vista psicológico

Para os psicólogos, a adolescência é uma fase diferenciada das outras fases da vida humana. É um período de preparação e transição, é nesta fase que vão ser firmadas as bases do adulto. Se o menor tiver uma adolescência boa, com apoio da família, da sociedade e do Estado, provavelmente se tornará um adulto de caráter, idôneo e disciplinado.

O adolescente não deve ser considerado como um rebelde ou um infrator em potencial. O comportamento do menor, nesta fase, é fruto do contexto social em que ele está inserido, ou seja, quando tratamos de adolescência, é preciso considerar todo o contexto social, histórico e familiar do indivíduo.

Devemos considerar, também, que a maioria dos adolescentes que praticam algum ato ilícito não conseguem usufruir dos direitos que o Estado deveria lhes garantir, como alimentação, lazer, segurança, dentre outros.

Não é certo precisar um marco cronológico exato para que o jovem passe do estado de ignorância para o estado de pleno conhecimento e responsabilidade por suas ações. O correto é analisar todo o contexto no qual o adolescente está inserido, pois a realidade social é decisiva no comportamento do jovem.

3.2 A redução da maioridade não é a solução

Muitos são aqueles que defendem que não se reduza a maioridade penal para os 16 anos. Não concordam com o fato de que os adolescentes com 16 anos sejam tratados penalmente como adultos. A redução não irá reduzir os índices de criminalidade social.

Um problema que seria acarretado pela redução da maioridade penal é o inchaço populacional nos presídios, que já se encontram em um estado deplorável. É do senso comum que as cadeias são meros depósitos humanos, chegando a ferir a dignidade do detento, pois, não apresentam a menor condição de vida, de higiene, e, muito menos de ressocialização.

Com a redução da maioridade para 16 anos, essa situação só iria se agravar, adolescentes seriam jogados nestes lugares, sem a mínima condição, e dali só sairiam piores. Eles conviveriam com criminosos em potencial, que praticaram graves crimes, por isso, muitos dizem, que a prisão é uma “escola do crime”, onde os adolescentes irão aprender as práticas criminosas.

O número de infrações cometidas por menores de idade é baixo, comparado com os crimes cometidos pelos adultos. Entretanto, a mídia faz parecer que esses números são bem maiores. Quando o menor comete um crime, a imprensa divulga de forma exagerada e causa uma grande comoção social.

Segundo ROLIM (2006) “a mídia, principalmente a televisiva, funciona como um filtro de notícias, selecionando aquelas que devem ser mostradas à exaustão e aquelas que devem ser escondidas [...]”.

Em suma, a redução da maioridade para 16 anos, em nada contribuirá para a redução da criminalidade. O que se deve fazer é exigir do Poder Público medidas para prevenir que o jovem entre no mundo do crime.

É incorreto afirmar que o ECA não pune. Este Estatuto prevê medidas que são punições ao menor infrator. As medidas vão desde uma simples advertência, podendo chegar à privação de libertade, assim como no Código Penal, ou seja, o ECA é rigoroso com os jovens que cometem graves infrações.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim como foi apresentado, a redução da maioridade penal é uma matéria complexa, envolve vários fatores que precisam ser minuciosamente analisados antes de tomar qualquer decisão. A partir da análise dos argumentos contra e a favor, é possível verificar que ambos os lados tem argumentos fortes quanto a sua posição, ou seja, a redução da maioridade penal apresenta prós e contras.

A pena é aplicada demonstrando a coercibilidade do Estado, ou seja, aquele que é punido serve como “exemplo” para os outros indivíduos, de forma que estes não pratiquem o crime. Logo, a punição evita o sentimento de injustiça e impunidade, evitando o incentivo a novos delitos.

Entretanto, antes de pensar em punir o jovem infrator, é necessário analisar a raiz do problema e procurar solucioná-lo. E a solução da criminalidade juvenil se encontra no Estado, pois seu papel é desenvolver políticas públicas voltadas para o jovem, assim como é previsto na Constituição. Não basta que a lei garanta a proteção ao menor, o Estado, a sociedade e a família tem que andar juntos para atingir essa finalidade.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Organização do texto: Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos e Lívia Céspedes. 45 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente (1990).

BRASIL. Código Penal (1940).

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 36ª Ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

LEIRIA, Cláudio da Silva. Redução da mairoridade penal: porque não? Âmbito Jurídico. Disponível em:

MONTEIRO, Ivana dos Santos. Redução da maioridade penal: advento do retrocesso. Âmbito Jurídico. Disponível em:

RANGEL, Maurício. A Constitucionalidade da redução da maioridade penal em face de sua natureza de regra de política criminal. Âmbito Jurídico. Disponível em:

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