MASCULINIDADE VERSUS FEMINILIDADE DA PERSONAGEM LUZIA NA OBRA DE DOMINGOS OLÍMPIO "LUZIA HOMEM"



MASCULINIDADE VERSUS FEMINILIDADE DA PERSONAGEM LUZIA NA OBRA DE DOMINGOS OLÍMPIO “LUZIA HOMEM”1

                                                        Maria Janete Rodrigues Moura2

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo mostrar os traços masculinos e ao mesmo tempo femininos da personagem Luzia na obra de Domingos Olímpio “LUZIA HOMEM”. Mostraremos ao longo do trabalho esses atributos que faz da personagem uma grande e extraordinária mulher. Uma alma feminina e frágil que é prisioneira de um corpo másculo.

Palavras-chave: Masculinidade. Feminilidade. Fragilidade. Bravura.

Introdução

            O destaque desse artigo, além de adentrar as questões do sertão nordestino na grande seca no final do século XIX e a vida cotidiana dos sertanejos retirantes, vai traçar um perfil diferenciado de uma mulher fora dos padrões estabelecidos pela sociedade vigente. Uma mulher cheia de excessos, produtiva, trabalhadora, e que, no entanto apesar da sua grande força física ela sonha em casar e ter filhos.             Olímpio descreve em sua obra uma mulher que não se destaca por sua fragilidade e doçura, mas por sua atividade e bravura, traços próprios da masculinidade. Luzia tinha todos esses traços masculinos, uma grande força física que causava inveja a qualquer homem robusto, mas, por trás de seus músculos, estava uma mulher doce e frágil.                                                                                                Luzia era uma jovem mulher que trabalhava na penitenciária de Sobral. Era a única operária mulher entre homens e jovens que empunhavam tijolos, cintilando em suor. As outras mulheres trabalhavam na costura de roupas da cidade. Todos se horrorizavam com os feitos da LUZIA HOMEM.                                      

Viram-na outros levar, firme, sobre a cabeça uma enorme jarra d’água, que valia três potes, de peso calculado para a força normal de um homem robusto. De outra feita, removera, e assentara no lugar próprio, a soleira de granito da porta principal da prisão, causando pasmo aos mais valentes operários (Olímpio, 1996, p.16).                                   

1. Artigo elaborado para obtenção de nota para a disciplina Tópicos de Literatura Cearense.

2. Aluna do curso de letras da Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA.

Mas apesar dessa potência fálica e masculinidade, Luzia era uma mulher que causava o desejo nos homens da cidade, com seus contornos femininos representados pelos quartos arredondados, com suas amplas formas. Luzia se revolta com os olhares que desperta nos homens ela rejeita e repudia tais olhares.            Luzia Homem é uma extraordinária mulher dona de um corpo escultural, e são as palavras da personagem Terezinha que denunciam a feminilidade de Luzia, destituindo-a da posição de mulher fálica. Tal cena acontece quando Terezinha vislumbra Luzia tomando banho de rio em noite de luar: [...] porque vi com meus próprios olhos que é uma mulher como eu, e que murelhão [...]. (Olímpio, 1996, p.25).        

O corpo de Luzia é, pois, o extraordinário, uma vez que reúne simultaneamente a força e a delicadeza. É também em grande medida, o segredo da personagem. Muitos se sentem atraídos por este segredo, como o soldado Crapiúna que, por sua vez, encarna atributos do rústico, agressivo, persistente, como muitas vezes se define o homem do sertão.                                                                 O comportamento de Luzia deixa as pessoas intrigadas porque ao mesmo tempo em que ela é uma linda e delicada mulher, por outro lado tem um aspecto rude e uma força descomunal. Até a própria personagem não se reconhece como igual mulher, por isso muitas vezes é rejeitada.                                                              Luzia provoca nos homens o desejo por ser uma mulher muito bonita, de cabelos longos; mas também frustração, despeito, já que ela nunca cede aos assédios sexuais destes. Nas mulheres provoca inveja, comentários maliciosos e intrigas, pois ela sempre preocupada com a sobrevivência, não interrompe suas atividades para fuxicos.                                                                                                                 Os homens se encantam com a dubiedade de Luzia, enquanto as mulheres repelem, recriminam, num misto de medo e despeito, o que aparece em algumas passagens da obra, como se outras mulheres, invejassem-lhe muito secretamente, aquele corpo singular que, sem explicações cabíveis faziam de Luzia diferente e, portanto davam a ela uma marca especial no meio daquela vida monótona de trabalho árduo e pobreza. Como podemos observar nesse trecho: [...] mulher que tinha buço de rapaz, pernas e braços forrados de pelúcia crespas e entornos de força [...]. (Domingos Olímpio, 1996, p.24).                                                                                     A própria Luzia questiona-se por ter esse físico de homem, e por conseqüência disso sente-se incapaz de se entregar ao amor.                 

Sentia-se incapaz de amar;carecia-lhe a fraqueza sublime, essa languidez atributiva da função da mulher no amor, a passividade pudica, ou aviltante da fêmea submissa ao macho, forte e dominador, irresistível, como aprendera na intuitiva lição da natureza; essa comovente timidez de novilha ante a investida brutal do touro lascivo, sem prévios afagos sedutores, sem carícias de beijos corrrespondidos, como nos idílios das rolas mimosas. Não; não fora destinada a submissão. (Olímpio, 1996, p.63).

Luzia Homem era assim, uma sertaneja corpulenta como muitas outras que vivem atualmente nos bolsões da seca, carregando areia, pedra, num sol escaldante, inclemente que amortece e deprime.                                                                                               Luzia tinhas suas qualidades físicas e morais, qualidades estas que a tornam uma atração constante para todos que convivem com ela. A obra nos mostra também, segundo Padre João Mendes:

Uma jovem heroína que, no meio da promiscuidade que uma aglomeração humana faminta acarreta, se conserva fiel, honesta, dedicada, religiosa recusando todos os oferecimentos que poderiam comprometer a sua integridade moral (1983, p.05).

Luzia Homem era destas pessoas onde coexistem de modo admirável, a força e a meiguice, a timidez e a vontade de vencer um grande amor e a repulsa pelo mal.        Uma mulher dotada de grande força física e aspecto másculo, mas de delicada sensibilidade feminina e de atributos de singular beleza. Toda sua história está marcada por essa duplicidade e sua personalidade, ao longo da narrativa será evidenciada essa singular mistura. Apesar dessa mistura entre o masculino e o feminino ao longo da narrativa, iremos perceber traços muito mais femininos do que masculinos, quando Luzia vai trabalhar na costura, por exemplo, junto com outras mulheres.                                                                                                                                  Segundo Freitas “O romance vai revelando no decorrer da trama, que a fama de Luzia vai evoluindo de uma caracterização masculinizada para outra mais feminina”. (Freitas, 2007, p.38).  Suas atitudes vão demonstrar essa feminilidade, seus cuidados para com a mãe doente, sua fragilidade. As pessoas vêem nela atributos mais suaves.                                                                                                             Luzia vai se mostrando muita feminina no desenrolar da obra, como podemos perceber nesse trecho:

Notavam que estava mais esbelta, graciosa, a cor mais clara pelo repouso de alguns dias. Havia misteriosa alteração no seu semblante. As vigorosas de energia máscula se contraíam em curvas melancólicas, e, nos olhos meigos, flutuava a sombra do ideal morto entre chispas fulvas de anelos incontentados. As atitudes lânguidas e os gestos lentos denunciavam fadiga moral, ou a preguiça voluptuosa das felinas amorosas. Dir-se-ia que se lhe haviam atenuado os tons varonis, e, da crisálida LUZIA HOMEM, surgira a mulher com a doçura e fragilidade encantadora do sexo em plena florescência suntuosa. (Olímpio, 1996, p.85).

É importante ressaltar que Luzia Homem é tão feminina como qualquer outra dentro ou fora da obra, como vemos, no início do livro só aparecem aqueles traços masculinos da personagem, logo pensamos que ela é totalmente masculina, mas, no desenrolar da narrativa, iremos perceber seus traços mais femininos a todo instante em cada gesto da personagem, o modo como cuida dos cabelos, a curiosidade a vaidade ao colocar um lindo vestido, a fraqueza diante de tantos problemas, a ansiedade, as dúvidas, as suspeitas cruéis em tumulto absurdo e monstruoso comprovam a sua debilidade de mulher amorosa.                             Todas essas características mostram o quanto Luzia era feminina e o quanto ela tinha medo de ficar só no mundo e que ao mesmo tempo tinha medo de se entregar ao amor.

Notava-se-lhe, no entanto, certo cuidado excepcional no arrumo dos cabelos em grossas tranças luminosas, dum brilho escuro de cobras negras, a escolha do vestido de chita cabocla, guarnecido de rendas, as posturas faceiras (Olímpio, 1996, p.118).

Percebemos então que mesmo Luzia tendo atributos masculinos não deixava de lado os seus sentimentos e atitudes de mulher, aliás, uma grande mulher capaz de vencer qualquer obstáculo e que resistia com firmeza os assédios que sofrera, com garra e um caráter extraordinário.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

           

Observa-se nesse artigo os traços mais femininos da personagem Luzia Maria da Conceição, a famosa Luzia Homem, da obra de Domingos Olímpio. Apesar, desse apelido que recebera, Luzia é dona de uma grande beleza e tem uma feminilidade difícil de perceber por trás dos grandes músculos.                                      Essa é uma obra das que o leitor nunca esquece, pela força como é retratada e pela dramaticidade dos retirantes fugindo da seca. O drama maior que a personagem sofre é ser morta nas mãos de um soldado tentando possuí-la de qualquer maneira. Podemos perceber, ao longo do artigo, que Luzia tinha um belo corpo, corpo esse, tecido de conflitos. É uma síntese de atributos então considerados valorosos para o feminino e o masculino, e, num certo sentido harmonioso na sua materialidade selvagem, rústica e, ao mesmo tempo com suas fragilidades e delicadezas de uma mulher feminina de verdade.                                            A força de Luzia é voltada para a produção e o trabalho, luta para sobreviver do castigo da seca, é uma mulher de fibra e coragem, uma mulher como outra qualquer.                                                                                                                                        Ao mesmo tempo em que a obra mostra esses traços masculinos e femininos da personagem Luzia, a obra também nos mostra os impulsos de bondade, fé, esperança, amor e grandeza moral em meio à pobreza e a grande seca que assolava a região naquela época. Luzia representou este papel de bondade, fé, esperança etc.                                                                                                                                  A heroína, não obstante o seu apelido lembrar qualidades masculinas não deixa de ter a graça da feminilidade em meio à vida rude que leva envolta nos lances de brutalidade e de choques dramáticos a que foi jogada. A obra Luzia Homem é tecida por todos esses fatos dramáticos, mas o foco principal deste artigo foi mostrar os traços masculinos e femininos da personagem Luzia. Traços esses que foram mostrados ao longo deste trabalho.                                                                   Uma característica que deixa a mulher uma figura bastante distinta do masculino é a aparência física e a dos trajes. O corpo das mulheres é o centro, de maneira imediata e específica, e é o que observamos nas amplas formas arredondadas de Luzia e suas pernas esculturais, ou seja, o seu corpo apesar de másculo era muito bem definido. Suas mãos muito delicadas e pequenas, sua doçura de mulher, sua fragrância de mulher amada.                                                                     Luzia era assim dona de um corpo singular capaz de deixar qualquer homem enlouquecido por aquela singular beleza.  Luzia é taciturna, solitária, boa, corajosa, firme de caráter, constituindo-se num símbolo de mulher cearense, heróica na sua luta contra o flagelo da seca.

REFERENCIAS

LIRA, Padre João Mendes. Luzia Homem ontem e hoje. Sobral-CE. 1983

FREITAS, Nilson Almino de. O macho e fêmea e a família: Luzia Homem sertão cearense. Revista de ciências sociais. 2007

OLÍMPIO, Domingos. Luzia Homem. 1ª edição. Rio de Janeiro, Brasil, 1996.     

     

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            

           

           

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Autor: Janete Rodrigues Moura


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