AS CONSEQUÊNCIAS E RELAÇÕES JURÍDICO PROCESSUAIS...



AS CONSEQUÊNCIAS E RELAÇÕES JURIDICO PROCESSUAIS ENTRE A REVELIA E A RECONVENÇÃO NO PROCESSO CIVIL DE PROCEDIMENTO ORDINÁRIO PATRIO*

 

Débora Cristina Bouças Bahia Silva**

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 Revelia; 2 Reconvenção; 3 Revelia x Reconvenção Conclusão. 

RESUMO

Apresenta-se o processo como instrumento utilizado para materializar um direito pretendido. Destaca-se que ao longo do procedimento utilizado para que o processo seja sanado tem-se uma seqüência de atos-fatos processuais e que dentre eles se encontram a reconvenção e a revelia. Defini-se a reconvenção como espécie de resposta do réu na qual temos um contra-ataque deste em face do autor, enquanto que revelia como ato-fato processual em que há ausência de resposta do réu (no caso, ausência de contestação)

PALAVRAS-CHAVE: Relação. Revelia. Reconvenção.

INTRODUÇÃO 

Processo é instrumento utilizado para garantir, conhecer e materializar o direito substantivo através de uma seqüência de atos processuais que buscam organizar, de forma metódica, a apuração das narrativas das partes e a coleta das provas advindas do autor e do réu com intuito de permitir a obediência do devido processo legal, ao contraditório e a ampla defesa.

A revelia e reconvenção, ambos institutos abordados na seqüência do presente trabalho, são atos-fatos processuais que surgem, então, para garantir a eficácia do processo. 

A revelia atuando como uma punição ao réu que, de certa forma, não contribui com o Estado na resolução do conflito por não apresentar contestação quando lhe é estabelecido, produzindo alguns efeitos que podem ser danosos ao réu, que podem não ser aplicados em algumas situações, e que também podem ser cessados diante de outras; aspectos esses que serão esclarecidos a seguir.

E a reconvenção permitindo que o réu utilize-se do mesmo processo para demandar ação contra o réu, sendo tal demanda decidida na mesma sentença que a do processo primeiro, mas ainda assim sendo consideradas autônomas as duas ações. Com a reconvenção temos também a tendência à celeridade e à economia processual.

E, por fim, temos que, m conseqüência de ambos serem atos-fatos integrantes do processo, estes acabem por se relacionar em determinado(s) momento(s) ao longo do procedimento adotado para que o processo seja sanada de forma devida.

Aqui, restringem-se as considerações feitas ao contexto do processo de procedimento ordinário, tendo em vista que a aplicação dos institutos aqui tratados podem e/ou se modificam de acordo com o procedimento aplicado ao processo.

1 REVELIA

Para compreender a revelia, é razoável conhecer anteriormente o que seria contestação. Esta, juntamente com a reconvenção e as execções, é uma modalidade de resposta do réu. É através da contestação que o réu apresenta a suma de seus argumentos de defesa. Caso a contestação não seja apresentada pelo réu no prazo estabelecido (art. 319, CPC), este tornar-se-á revel na ação. 

Assim mostra-se coveniente comentar que:

o réu tem o ônus de oferecer defesa, enquanto o autor, o ônus de replicar à defesa do réu, sendo que, para a prática de cada um desses atos processuais a lei processual assinala determinado prazo, não se admitindo, em princípio, seja praticado fora dele. (ALVIM, p.2, 2002)

Sendo assim, Marinoni (p.124, 2008) argumenta sobre o porquê da existência e da aplicação da revelia, destacando sua importância para o processo, e, conseqüentemente, para o Estado

o processo se estabelece não apenas no interesse das partes, mas primordialmente em benefício do próprio Estado, que assumiu o monopólio da jurisdição e, portanto, deve velar pela solução dos conflitos surgidos no seio social, [...]. Para que possa atingir bem sua missão, porém, o Estado precisa da colaboração dos sujeitos envolvidos no litígio, no intuito de conhecer adequadamente os meandros do conflito, podendo, assim, decidir corretamente (segundo os ditames da lei) a lide. Se, porém, uma das partes, recusa-se a colaborar para a obtenção desse objetivo estatal, isso certamente constitui algo bastante prejudicial, na medida em que o aporte dos fatos da causa ao processo ficara defeituoso, podendo importar na má formulação do problema e, conseqüentemente, na equivocada solução do conflito. [...]. Em vista disso é que conhece o instituto da revelia, como forma de punição ao réu que se nega a colaborar com o Estado na consecução de seus fins no processo.

           

Os efeitos da revelia que concretizam tal punição dada ao réu são de duas ordens: material e processual. Como efeito material, tem-se a presunção (relativa) dos fatos alegados pelo demandante (confissão ficta - art.319). Como efeitos processuais, têm-se o prosseguimento do processo sem intimação do réu-revel (art.322), além da possibilidade de julgamento antecipado da lide (art.330, II).

Em relação ao efeito material da revelia temos sua aplicação com algumas restrições, dentre elas estão as exceções previstas no art.320, incisos I, II, III: havendo litisconsórcio passivo e um dos réus contestar a ação; quando a causa trata sobre direitos indisponíveis; e, quando a petição inicial não está acompanhada de instrumento publico que a lei considere indispensável à prova do ato.

Didier jr. (p.495, 2008) afirma que a confissão ficta não é efeito necessário da revelia, ou seja, é possível que ocorra a revelia e os fatos alegados pelo autor não sejam presumidos contra o revel; esclarece, em seguida, o autor que:

O simples fato da revelia não pode tornar verossímil o absurdo: se não houver o mínimo de verossimilhança na postulação do autor, não será a revelia que lhe conferirá a plausibilidade que não possui. Se a postulação do autor não vier acompanhada do mínimo de prova que a lastreie, não se poderá dispensar o autor de provar o que alega pelo simples fato da revelia. A revelia não é fato com dos mágicos.

Ainda na jurisprudência encontra-se a colocação feita em julgamento pela Ministra Nancy Andrighi da terceira turma do STJ que “a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em face à revelia do réu é relativa, podendo ceder a outras circunstâncias constantes dos autos, de acordo com o princípio do livre convencimento do Juiz” [1], posição esta predominante na jurisprudência pátria. O réu - apesar de não apresentar o devido interesse quando diante da apresentação da defesa tendo como uma das conseqüências os prazos fluírem sem necessária comunicação da prática dos atos processuais – tem o direito de intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado que este se encontrar (art.322), a partir de então, mesmo que revel, o réu passa a ser intimado a tudo que vier ocorrer, cessando assim esse efeito processual da revelia (prosseguimento do processo sem intimação do réu-revel). O réu-revel, de acordo com o enunciado nº. 231 da súmula do STJ, pode até produzir provas[2].

2 RECONVENÇÃO

A reconvenção é uma das formas de resposta do réu, é um contra-ataque do réu em face do autor, através deste contra-ataque o réu demanda (no mesmo processo em que já é parte) ação contra o autor; com a reconvenção o réu passa a ser parte não somente do pólo passivo – como se apresentava na ação inicial –, tornando-se também parte ativa no processo, pois agora é titular de ação própria contra o primitivo autor.

O prazo para fornecimento de reconvenção é o mesmo que o da contestação (quinze dias), ambas as formas de resposta do réu devem ser oferecidas simultaneamente. O réu demandante da reconvenção é chamado de reconvinte e o autor que fora demandando por este é chamado de reconvindo. O prazo para que este conteste, sendo oferecida e admitida a reconvenção, é de quinze dias, sendo feita a intimação ao reconvindo através de seu advogado. 

A reconvenção é, então, demanda nova no processo já existente, ou seja, a reconvenção não faz nascer novo processo, na verdade, ter-se-ão num único processo duas ações em trâmite concomitantemente, “conjugando num só palco duas relações jurídicas distintas, embora originadas de um só fato”. (MONTENEGRO FILHO, p.362, 2007).

Devido à simultaneidade da ação principal e reconvencional teremos as duas lides resolvidas pelo juiz na mesma sentença, no entanto, cabe ressaltar, que ambas as ações são autônomas entre si. Referindo-se ao colocado supra, Didier Jr (p.483, 2008) muito bem esclarece:

Reconvenção e ação principal são de ser julgadas na mesma sentença, embora sejam autônomas: não há obrigatoriedade de ambas terem seus respectivos méritos apreciados, pois pode o autor desistir da demanda principal ou ela não ser apreciada por algum defeito que comprometa sua admissibilidade. Agora, se houverem de ser julgadas, haverão se sê-lo na mesma sentença. Essa autônima justifica, inclusive, condenações independentes às verbas de sucumbência.

No entanto, como ação a reconvenção, além dos requisitos normais necessários – pressupostos processuais e condições da ação – aplicáveis a todas as demandas (requisitos da petição inicial), submete-te também a alguns requisitos específicos para seu cabimento: a) competência – o juízo da causa principal também deve ser competente para julgar a reconvenção; b) compatibilidade entre os procedimentos aplicáveis a cão reconvencional e ação principal – tendo em vista que ambas serão processadas conjuntamente; c) litispendência; d) conexão com a causa principal ou com os fundamentos da defesa (art.315, caput).

Com as palavras de Marinoni (p.146, 2008) considera-se importante lembrar que:

Essa ação do réu para a reconvenção poderia, certamente, constituir objeto de processo distinto, mas, por conta da conexão que guarda com o litígio exposto na relação processual já instaurada, admite a lei possa ser a questão trazida para decisão nos mesmos autos da principal.

O que significa que a admissibilidade da reconvenção encontra-se atrelada a idéia de economia processual, logo, pode-se concluir que a reconvenção fora idealizada com o propósito de racionalizar a distribuição da prestação jurisdicional em um menor espaço de tempo.[3]

 

3 REVELIA X RECONVENÇÃO

É sabido que o processo através de seu procedimento é composto por diversos atos-fatos jurídicos, dentre eles temos a revelia a reconvenção, ambas anteriormente esclarecidas. Nesse contexto, cabe então, ressaltar as possíveis relações existentes entre ambos institutos.

A contestação é fato determinante para a ocorrência da revelia a da reconvenção. Tem-se ciência de que, caso ocorra à contestação, o réu tem como possibilidade dentre as formas de respostas lhes oferecidas à reconvenção através da qual demanda ação contra o autor primário; entretanto, caso a contestação não ocorra, o réu é considerado revel, ou seja, sofrerá os efeitos da revelia.

Logo depois de emitida a petição inicial da reconvenção - que deverá atender aos requisitos lhe impostos – acontece a intimação do autor-reconvindo na pessoa de seu advogado para que este ofereça contestação no prazo de quinze dias. A partir daí, caso não ocorra a contestação a reconvenção no prazo de dias por parte do reconvindo - aquele que fora demandado pelo réu da ação principal, questiona-se a possibilidade de aplicar-se (ou não) os efeitos da revelia a este.

De forma direta Câmara (p.357, 2006) coloca que “a ausência de contestação do autor-reconvindo implicará revelia, sendo aplicáveis todas as considerações acerca deste”.

Já Didier Jr (p.498, 2008), em relação, ao assunto, posiciona-se em relação a questão, afirmando que:

 a revelia na reconvenção é, via de regra, tratada pelos autores como sendo indistinta da revelia comum. Convém lembrar, porém, que a reconvenção é a ação do réu contra o autor, no mesmo processo. Disso decorre que se o autor-reconvindo for revel na reconvenção, mas a reconvenção for conexa à ação principal de molde a que o julgamento de ambas passe pala apreciação da existência de fatos comuns, o juiz, pelo princípio da comunhão da prova, não poderá presumir existentes, para fins de reconvenção, fatos que  foram não-ocorridos por conta da instrução probatória ocorrida na ação originária.

Em decisão monocrática proferida pelo Ministro Felix Fischer da quinta turma do STJ, tem-se:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL RECONVENÇÃO. REVELIA. EFEITOS.

SÚMULA 07/STJ.

I – Conquanto, em princípio, tenha aplicação o art, 319 do CPC ao reconvido que não contesta, a presunção de veracidade dos fatos alegados na reconvenção em face da revelia é relativa, cedendo passo a outras circunstâncias constantes nos autos, tendo em conta que adstrito o julgador ao princípio do livre convencimento motivado. A conseqüência da falta de resposta à reconvenção não conduz, necessariamente, à procedência do pedido reconvencional.

II - Por outro lado, o e. Tribunal a quo, soberano na análise do acervo probatório, ao confirmar a decisão monocrática, asseverou que o material cognitivo não dava amparo às alegações deduzidas na reconvenção. Percebe-se, pois, que entender em sentido contrário demandaria a vedada incursão em seara probatória (Súmula 07/STJ).[4] (grifos nossos)

Sendo assim, convém afirmar que a revelia do reconvindo deve ser tratada de forma relativa, não sendo razoável a procedência por si só do pedido proposto na reconvenção, aplicando-se aí os seus efeitos naturais a revelia[5], sem deixar de levar em consideração outros aspectos, como os que foram supracitados.

 

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

O processo judicial tem como objetivo fulcral solucionar conflitos de interesses entre as partes nele envolvidas. O procedimento é a forma através do qual a seqüência de atos-fatos jurídicos processuais que compõem o processo irá apresentar-se, sendo assim, esses atos-fatos organizam-se de forma teleológica para a prática de um ato final – decisão.

Nesse contexto, o réu diante da demanda que o autor lhe dirige tem possibilidade de apresentar diversos comportamentos; o mais trivial é que o mesmo responda positivamente comparecendo ao processo pra defender das alegações feitas pelo autor – contestação. Porém, se além de defender-se de tais alegações, o réu pode valer-se da possibilidade de contra-atacar o autor, demandando ação em face deste no mesmo processo, temos assim, a reconvenção.

No entanto, a lei não impõe ao réu nada que o obrigue a defender-se, pois ao permanecer omisso, deixando de apresentar resposta quando lhe era devido, sua conduta não deixa de ser legítima, mas a ele é aplicado os efeitos da revelia, pois ao não apresentar contestação com o objetivo de defender-se se tornou revel.

Enfim, institutos como os aqui abordados servem para que o processo prossiga de acordo com as garantias do devido processo legal e seja, assim, “um instrumento da paz social”.[6]

REFERENCIAS

ALVIM, J. E. Carreira. Conseqüências fáticas e jurídicas da revelia. Contestação intempestiva. Impossibilidade de desentranhamento. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: . Acesso em: 29 maio 2008.

CAMARA, Alexandre Freitas. Curso de Direito Processual Civil. vol. I, 16. ed. ver. atual. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2005.

DIDIER JR, Fredie. Lições de direito processual civil. v.1: teoria geral e processo de conhecimento, 9. ed. rev. amp. atual. Bahia: JusPodivm, 2008.

JURISPRUDENCIA. Disponível em: . Acesso em: 21 maio 2008.

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. v.2, :Revista dos Tribunais, 2008.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 4. ed. v.2. São Paulo: Atlas, 2006.

* Artigo apresentado à disciplina de Processo de Conhecimento, do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

** Aluna do quarto período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB,  turno noturno

[1] REsp 332763 / SP

[2] DIDIER JR, Freddie. 9ª ed., 2008, p. 497.

[3] MONTENEGRO, Misael. 4ª ed., 2007, p. 362.

[4] REsp 334922 / SE

[5] MONTENEGRO, Misael. 4ª ed., 2007, p. 366.

[6] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. 23ª edição, 2007, p.47.

Download do artigo
Autor:


Artigos Relacionados


As ConsequÊncias E RelaÇÕes JurÍdico-processuais Entre A Revelia E A ReconvenÇÃo No Processo Civil PÁtrio

As ConsequÊncias E RelaÇÕes JurÍdico-processuais Entre A Revelia E A ReconvenÇÃo No Processo Civil PÁtrio

Modalidades De Respostas Do Réu Presentes No Código De Processo Civil E Segundo Alexandre Freitas Câmara

Revelia E Reconvenção No Processo Civil Pátrio

Processo Civil Defesa Do RÉu E A ExceÇÃo De Incompentecia Relativa

Prova Processual (resumo)

Relativização Dos Efeitos Da Revelia Na Reconvenção.