Casa Caiada, Tijolo De Quatro Cantos: Casa Caiada, Tijolo De Quatro Quinas.



Quando tinha apenas quatro anos apenas, fiz a minha primeira triste aventura e acompanhei o primeiro enterro. Era de uma criança que tinha morrido de crupe, uma doença que era muito temida no sertão de Pernambuco, na década de 50. Vi toda aquela gente ora cantando, ora rezando, ora correndo para acompanhar os que carregavam o “anjinho” como diziam. E eu acompanhei todo o cortejo até o cemitério, pois eu achava que minhas irmãs e irmãos podiam estar naquela multidão. E foi no meio de tanta gente que eu me perdi, depois de ter presenciado as pessoas colocarem o caixão do anjo no buraco e jogarem flores. Cantaram bastante. Mas, ninguém pareceu me notar ali. Todos foram embora, mas eu não sabia voltar para casa. Ouvi alguém, de voz conhecida, cantando:
“ Casa caiada, tijolo de quatro cantos,
Você para cantar empanca
E eu canto sem empancar.
Casa caiada,tijolo de quatro quinas,
Você pra cantar “ magina”,
Eu canto sem” maginar”

Parei um pouco de andar para saber de onde vinha aquela voz. Mas, a cantiga parou.Saí do cemitério, depois de andar bastante, talvez andando em círculo porque não conhecia a saída. Fiquei contente quando ouvi novamente a cantiga: “ Casa caiada, tijolo de quatro cantos,Você para cantar empanca....
Pela cantoria percebi que era um senhor conhecido da minha família e a minha salvação estava ali. Era chamado por todos de Batida. Ele me encontrou e disse: -você veio ao enterro sozinha? Onde está sua mãe? Vou levar você para sua casa.
Eu sabia quem era aquele homem, e jamais acertaria o caminho de casa se não fosse ele. Levou-me para casa. Minha mãe, meu pai e meus irmãos já estavam me procurando. Uma surra já estava prometida. Mas como aquele homem demorou em casa conversando com meus pais eu me salvei da “taca!” Nunca mais eu segui ninguém que não conhecia, muito menos enterro!
Hoje , quando vejo cemitério e túmulos eu me lembro da minha primeira fuga para acompanhar enterro e da cantoria de Batida:
“ Casa caiada, tijolo de quatro cantos,
Você para cantar empanca
E eu canto sem empancar.
Casa caiada,tijolo de quatro quinas,
Você pra cantar “ magina”,
Eu canto sem” maginar”

A expressão “casa caiada” me lembra cemitério. O “tijolo de quatro cantos” leva-me a pensar em túmulo, caixão e a construção do cemitério. A idéia de “empancar” induz-me a recordar a situação de inutilidade, pânico e perplexidade diante da idéia de ficar sozinha em lugar desconhecido. A cantiga de Batida me traz uma lembrança boa da feira de Parnamirim, tanto pelo apego que tenho pelas “emboladas” e “repentes” de Cordel como pelo afeto e carinho pelos amigos de minha infância!

Vocabulário:
Cordel: literatura exposta nas feiras do nordeste em folhetins presos a varais de cordões
Embolada: modalidade de declamação rápida em que se mesclam trocadilhos e trava-línguas.
Repente: modalidade de declamação de improviso.



Autor: Djalmira Sá Almeida


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