Discursos políticos: Um lugar de jogos enunciativos



Discursos políticos: Um lugar de jogos enunciativos 

Nossos objetivos são analisar como se constituem os sentidos de enunciados recortados de discursos elaborados por Ulysses Guimarães em 3 (três) momentos distintos de sua trajetória política, quais sejam 1940, 1978 e 1988.

Especificamente, buscaremos analisar pronunciamentos de Ulysses Guimarães, em 1940 quando discursava a favor do movimento militar, em 1978 quando discursava contra os abusos do regime militar e pela redemocratização do país pelo partido Movimento Democrático Brasileiro - MDB e em 1988 quando presidia a Assembleia Nacional Constituinte em que no discurso histórico declarou promulgada a Constituição Federal (CF/88), tendo sido por ele chamada de Constituição Cidadã, pelos avanços sociais que incorporou no texto (Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB). Nossa hipótese fundou-se no dizer de que este acontecimento enunciativo aparece como produtor da ocasião e da oportunidade específica de um ator político específico: o então deputado Federal Ulysses Silveira Guimarães, conhecido como o Doutor Diretas.

Cabe ressaltar que Ulysses Guimarães participou de atividades intensas em prol da redemocratização do Brasil e fez desse objetivo sua bandeira maior – como mostra os anais da história política brasileira. Desse modo nossos objetivos são pautados como segue abaixo:

Através dos gestos que constituem práticas políticas, buscaremos compreender, por um lado:

  • Como um ator político analisa uma conjuntura e ao tomar uma posição vê produzir-se a oportunidade e a chance de construção de um acontecimento capaz de marcá-lo e projetá-lo, no cenário nacional e,

Por outro lado:

  • De que modo à força do seu gesto, ao se dar em condições específicas, foi capaz de aglutinar outros atores políticos, e aglutinar-se a eles, em torno da sua proposta, constituindo-se em acontecimentos que produziram novos sentidos para a história do Brasil. Com isso, vamos analisar como sentidos são atribuídos aos seus discursos, proferidos em momentos distintos.

Esta proposta ganha relevância e se justifica pelo grau de importância de tratar de um ator político, Ulysses Guimarães, que ao ocupar um cargo político se inscreve socialmente e produz enunciações em nome da nação brasileira e do povo brasileiro. Destaca-se com isso que Ulysses Guimarães é visto como um homem público que jamais se afastou da luta pela defesa da democracia. Nesta vertente há inúmeros trabalhos de cunho histórico e alguns linguísticos que versam sobre o processo de redemocratização do Brasil, bandeira dos discursos de Ulysses Guimarães.

A trajetória política de Ulysses mostra que atrás de cada ação, sempre estava em jogo uma causa, um conceito fundamental: a democracia e os direitos humanos quando de sua candidatura à Presidência da República em 1973; a representatividade popular, quando da campanha das Diretas Já, o estado de Direito, por ocasião da Constituinte, e, nos últimos anos de vida, a causa da moralidade pública e do parlamentarismo. Para ele, o conceito, o princípio abstrato, estava acima das pessoas. Por isso, recusou a Presidência da República, que lhe foi oferecida por ocasião da doença de Tancredo Neves, e defendeu a posse de José Sarney. Foi muito mais um homem de ideias do que de obras.

A relevância deste trabalho está ainda na constituição de uma leitura sobre as práticas que constituíram um sujeito político que tem inscrições importantes na sociedade nacional - como é o caso de Ulysses Guimarães. Não se pode falar apenas das características que marcaram um período histórico, nem das estratégias políticas que definiram um modo de agir político. É preciso mesmo tratar das aspirações políticas que são compreendidas na e pela linguagem empregada. O vocabulário empregado produz efeitos que inscreve o ator político num lugar da enunciação e representação singular, marcando sua diferença em relação àqueles que não pertence ao mesmo grupo ideológico. Por este prisma é que se pode dizer que o conjunto de enunciações que compõem um discurso é também o lugar que instala uma prática política, ou seja, a representação de um ator político passa pela sua prática.

Por um estudo semântico do discurso político, pode-se afirmar que o discurso político em geral reúne grandes características da vida social de uma nação, e é pela língua que ideias políticas e ideológicas são construídas e especializadas.

Filiamo-nos para desenvolver este trabalho aos princípios teóricos da Semântica do Acontecimento tal qual pensada por Eduardo Guimarães (2002, 2005), visto que para o autor a análise do sentido na linguagem tem a obrigatoriedade de passar pelo estudo da enunciação. Com efeito, Zattar apud Guimarães (2002) afirma que a “Semântica do Acontecimento, disciplina que considera que a análise do sentido da linguagem está intrinsecamente ligada ao estudo da enunciação, ao acontecimento do dizer” (Zattar, 2007, p. 17).

O discurso político, dada à amplitude dos efeitos, torna complexo o seu estudo, razão pela qual elegemos a Semântica do Acontecimento que, na relação com outras abordagens, disponibiliza conceitos importantes que, mobilizados nas análises, oferecem reflexões pertinentes sobre o modo como a enunciação produz efeitos no jogo com os domínios semânticos que a determinam.

Reconhecer nos recortes enunciativos os elementos que nele fazem significar uma memória é, em certa medida, tratar do que é histórico no humano e do que é humano no político. É ter o sujeito numa relação com que é linguístico, cuja essência é não possuir natureza homogênea. Dada essa conjuntura, é que Guimarães (1987, p. 11) convoca uma abordagem que:

[...] Pretende abrir uma relação com a análise do discurso de modo específico, e, em geral, com as teorias do sujeito. Nossa intenção não é, simplesmente, produzir uma semântica articulável com uma teoria do texto, mas com uma teoria e análise do discurso.

Tal como outros estudiosos, por exemplo, Ducrot e Benveniste, Guimarães inclui em seus estudos a exterioridade com o objeto claro de constituir uma semântica enunciativa que leva em consideração a representação do sentido. Esta abordagem lhe permite dizer que o sentido de um enunciado revela-se como efeitos de sua enunciação, obsevados em consonância com as condições históricas e enunciativas em que se apresentam.

De acordo com Guimarães (2005, p. 23), “[...] uma cena enunciativa se caracteriza por constituir modos específicos de acesso à palavra, dadas as relações entre figuras da enunciação e as formas linguísticas”. No espaço enunciativo tanto aquele que fala quanto aquele para quem se fala não constituem pessoas, mas representações dos lugares que ocupam, de modo que não são donos de seu dizer, uma vez que é o lugar de inscrição do sujeito a fonte de seu dizer, já que assumir a palavra significa colocar-se no lugar que enuncia. Lembramos, porém, que ao tratar da prática do ator político Ulysses Guimarães, focaremos também atenção nos pronunciamentos ocorridos 1940, 1978 e 1988.

Ulysses Guimarães demonstra o que significa um ato de participação política, sendo este um meio de governar e ser governado. Em Gimenes Moralis vemos que (2008, p. 14):

Por meio do argumento o homem político vê dois mundos num só, daqueles que falam e daqueles que não falam. Pelo paradoxo das ordens políticas do comando, o comando do igual se sobrepõe ao desigual. Nesta ordem, do domínio de uns sobre os outros, a mudança só ocorre se o homem deixar de ser um agente passivo para se tornar alvo. Têm-se, então, duas ordens heterogêneas que estabelecem relações diferentes, por se vincular a leis diferentes.

Por estas razões é que tomamos questões de natureza histórica e política que se interligam. Afinal trataremos de recortes enunciativos que têm um ator político como representante legitimado por um mandato e função. Em Guimarães (2005, p. 23), “[...] uma cena enunciativa se caracteriza por construir modos específicos de acesso à palavra, dadas as relações entre figuras de enunciação e as formas linguísticas”.

O discurso político deve ser visto como um lugar de enunciação e representação e é neste viés que Gimenes Moralis (2008, p. 18) diz que: “[...] a palavra deve ser tomada pelo que diz e não diz. Por essa razão, os discursos funcionam como lugares de observação em diferentes domínios da linguagem”.

Nessa perspectiva, Zattar (2007) comenta que Guimarães define os espaços de enunciação como “espaços de funcionamento de línguas constituídas por falantes/sujeitos divididos por seus direitos ao dizer e aos modos de dizer” (Guimarães, 2002, p. 18). Na mesma direção Zattar considera que

É nesses espaços que a enunciação é tomada como prática política social. Nesse espaço em que se instala o dizer, o auto introduz as figuras de enunciação que se representam por lugares sociais e lugares de dizer e se constituem através do funcionamento da língua.

Os lugares sociais representam os lugares que autorizam o locutor a falar, ou seja, o locutor só pode anunciar enquanto autorizado por um lugar social – locutor x representado pela variável x – do qual resulta uma variabilidade de lugares sociais (Zattar, 2007, p. 49).

Em síntese, observa-se que a proposta do nosso projeto vincula-se a abordagem teórica da Semântica do Acontecimento de Guimarães (2002), cujo objetivo é analisar os pronunciamentos feitos por Ulysses Guimarães em 1940 – 1978 - 1988, bem como vislumbrar os principais acontecimentos de sua trajetória política. Com efeito, faremos recortes enunciativos dos referidos pronunciamentos, os quais norteiam esta pesquisa na perspectiva enunciativa, observando “o como se diz e o direito ao dizer se dão na relação dos sujeitos com a linguagem, na e pela qual são constituídos” (Zattar, 2007, p. 50).

Sob o referido viés teórico, ressaltamos a importância da representação dos lugares sociais que autorizam o locutor a falar, ou seja, o locutor só pode anunciar enquanto autorizado por um lugar social. Nota-se que o locutor Ulysses Guimarães, representado pelo povo brasileiro, resulta uma variabilidade de lugares sociais através de seus discursos políticos, uma vez que em 1940 apoiou o movimento militar; em 1978 defendeu a redemocratização do país (MDB), em 1988 declarou promulgada a Constituição Federal de 1988 (PMDB).

Inicialmente, o trabalho estará reservado à apresentação da teoria na qual nos inscrevemos, objetivando desenvolver as análises e discussões. Teceremos considerações acerca de conceitos-chave da Semântica do Acontecimento, dialogando sempre que possível com conceitos da Análise do Discurso, de filiação francesa, visto que a enunciação remete também àquilo que é histórico.

Procuraremos apontar conceitos como discurso político e representação, à luz da teoria enunciativa, apresentando os sentidos possíveis dos discursos do sujeito de nosso estudo, Ulysses Guimarães, bem como os pronunciamentos apresentados por ele em 1940, 1978 e 1988. A partir daí iniciaremos o processo de reflexão sobre seu percurso, a fim de analisarmos enunciados que possam responder aos objetivos traçados para este estudo.

Enfim, sistematizaremos os resultados levantados em consequência da análise, em relação às cenas enunciativas que compreendem os pronunciamentos de Ulysses em 1940, 1978 e 1988 e, a partir dessas reflexões, espera-se, de alguma forma, deixar nossa contribuição aos estudos enunciativos, aos estudos discursivos e históricos.

Ulysses Guimarães (Ulysses Silveira Guimarães) foi um político brasileiro que teve grande papel na oposição à ditadura militar e na luta pela redemocratização do Brasil.

Foi eleito deputado estadual, por São Paulo, à Constituinte de 1947, na legenda do Partido Social Democrática (PSD). A partir desse momento, não deixaria mais a política, elegendo-se deputado estadual pelo estado onze mandatos consecutivos, de 1951 a 1995 (não tendo terminado o último mandato).

Apoiou, inicialmente, o movimento militar que, em 1964, depôs o presidente João Goulart, mas logo passou à oposição com a instauração do bipartidarismo (1965), filiou-se ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), do qual seria vice-presidente e, depois, presidente.

Em 1973, lançou uma anticandidatura simbólica à Presidência da República como forma de repúdio a regime militar. À frente do Partido, participou de todas as campanhas pelo retorno do país à Democracia, inclusive a luta pela anistia ampla, geral e irrestrita. Com o fim do bipartidarismo (1979), o M.D.B. converteu-se em Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), do qual seria presidente, popularmente conhecidas pelo slogan: Diretas Já.

Exerceu a presidência da Câmara dos Deputados em três períodos (1956 – 1957), (1985 – 1986) e (1987 – 1988), presidindo a Assembleia Nacional Constituinte, em 1987 – 1988. A nova Constituição, na qual Ulysses teve papel fundamental, foi promulgada em 5 de outubro de 1988, tendo sido por ele chamada de Constituição Cidadã, pelos avanços sociais que incorporou no texto.

Devido a sua grande popularidade, candidatou-se à Presidência da República, na sigla do PMDB, nas eleições de 1989.

Faleceu em acidente aéreo de helicóptero no litoral ao largo de Angra dos Reis.

Referências

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