História Ou Estória?



Num texto escrito há alguns anos, eu usara a palavra estória para referir-me à ficção anacrônica de muitas telenovelas. O amigo Walter Ono devolveu-me a matéria com uma correção onde dizia que estória sem agá é que era anocrônica, coisa dos anos sessenta que entrou e saiu rapidamente da história da nossa língua pelas mãos do grande Guimarães Rosa. Corrigi o texto e publiquei-o algumas vezes nos anos seguintes.

Recentemente, consultando um livro de gramática no capítulo que tratava das palavras parônimas – aquelas que possuem grafias e pronúncias parecidas -, encontrei, dentre os inúmeros exemplos, as duas: história – narrativa de fatos real- e estória – narrativa de ficção.

Quanto ao português, o assunto se esclarecera, mas o que estava por detrás da palavra, o sentido primeiro, o pensamento que a originou, não estava muito claro. Seria possível uma narrativa fiel dos fatos reais? A verdadeira história seria passível de ser narrada com total fidelidade?

Toda história é uma estória, misto de realidade e ficção.  A verdadeira história, os fatos que realmente aconteceram, é inenarrável aos olhos de observadores isolados. E a história que mais deveria nos interessar é aquela que vamos construindo, a nossa própria vida, este recanto que podemos preservar das ervas-daninhas para transformá-lo num verdadeiro jardim encantado, cuidando para não transformá-la numa estória rocambolesca e sem sentido, numa narrativa de ficção, na rotina de um materialismo absurdo de repetições intermináveis onde os homens se chocam e se desentendem. A história dos distanciamentos e das inimizades se repete no rodar do tempo por desobediência aos mandados das leis que comandam o universo e que exigem evolução, entendimento, movimento, conhecimento e amor, entre outras importantes disposições desconhecidas pela maior parte dos seres humanos. O homem imagina que pode se aproximar de Deus magicamente, instantaneamente, contemplativamente, porque não compreendeu que há um longo caminho a percorrer no qual deverá aprender a conviver consigo e com os semelhantes através de um processo de transformações psicológicas no qual vá deixando de ser o que é para ser uma outra pessoa melhor.

Embora o vocábulo estória não apareça na maioria dos modernos dicionários da língua portuguesa, e sim história, como uma narração metódica dos fatos notáveis ocorridos na vida dos povos, em particular, e na da humanidade, em geral, a verdadeira história é aquela que podemos construir através dos dias que se sucedem e formam a nossa própria vida: a obra pessoal que ninguém poderá fazer por nós, a menos que queiramos nos transformar em títeres suspensos e sem vida, manejados por mãos alheias.

Nagib Anderáos Neto
www.nagibanderaos.com.br


Autor: Nagib Anderáos Neto


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