GAMELEIRA...



GAMELEIRA... 

Árvore majestosa,

Que há mais de um século fincou raízes no

Extremo esquerdo do calçadão que leva o seu nome!

Sentinela e eterna guardiã,

Decerto assistiu importantes cenas da nossa história,

Viu o progresso chegar,

Trazendo nos seus alforjes coisas boas e coisas ruins...

Viu aportar aos seus pés a expedição de Neutel Maia, no dia 28 de dezembro de 1882, marco inicial do povoamento efetivo destas terras.

Quantos segredos guardas?...

Diz-me um tantinho da história dos navios “gaiolas” que vistes chegar dos portos nordestinos, principalmente do Ceará, Rio Grande do Norte e Pernambuco, transportando milhares de homens, mulheres e crianças, os quais desesperados, acossados pela seca que abrasou os sertões em 1877, esbarraram nestas paragens, bem aos teus olhos, que tantas vezes viram o rio que guardas com as águas barrentas tintas do sangue desses bravos!   

- Quantas levas de arigós vistes somente chegar?...

Desperta a consciência, sobretudo dos jovens que nestas terras habitam, sobre a epopéia do Acre, pois muitos até hoje ignoram completamente o verdadeiro preço que foi pago por ela, pelos briosos soldados do exército de Plácido de Castro. Faz neles surgir e crescer o interesse pela nossa história, o amor pela nossa bandeira, o respeito pelo nosso hino!

 “Estão manchadas de lodo e sangue as páginas da História do Acre! Só lamento é que, havendo tanta ocasião gloriosa para eu morrer, esses heróis me viessem matar

pelas costas”. Exclamou Plácido no leito de morte...

Desde então, Gameleira imponente, resistes eternizando desculpas ao povo nordestino pelos seus filhos que audaz e corajosamente travaram e tombaram numa luta encarniçada que resultou na brava conquista desta terra; e à família e ao povo de Petrópolis-RS, pela forma covarde do assassinato de Plácido de Castro, nosso bravo, audaz, saudoso e eterno Caudilho!

- “Que Pátria seria capaz de esquecer os seus feitos?”...

“O poeta Quintino Cunha, enaltecendo os feitos de Plácido de Castro, resumiu neste

poema, intitulado Pátrio Dever, toda sua glória e sua desventura:

Não basta adoração, amor não basta,

vênias augustas, méritos reais,

para a grandeza imensamente vasta

dos belicosos seres imortais.

O ferro, o bronze, que a Ciência gasta

nos vultos dos heróis que a vida faz,

Ah! nunca mais que, tu, morte nefasta,

nunca mais o consomes, nunca mais!

Escreva pois a Pátria esta sentença,

grande na forma, de pensar extensa,

escreva a Pátria, em tímidos alardes,

em nossa História - espaço de mil sois:

- Seja de lodo a sombra dos covardes,

seja de bronze a sombra dos heróis!”

Em 1958, decerto me vistes chegar à cidade mãe do barranco que te serve de berço, tangido pela febre amarela, peste que grassava no vale do Purus matando famílias inteiras. Um dos meus irmãos, o nonatinho, morreu na ubada em que viajávamos à caminho do socorro... Foi sepultado nas barrancas do Purus, no pé de uma samaúma.

À exemplo de muitos, também descendo de nordestino. Sou filho de um cearense valente, do pé da serra da Meruoca, de nome Chagas Sabino! Orgulho-me quando ouço alguém falar que o Acre é uma extensão do nordeste. Sou um acreano de coração nordestino!...

Junto à ti, Gameleira querida, vi a nossa cidade experimentar um crescimento rápido, mas completamente desordenado!

Pra cada problema a ser enfrentado até existia uma boa soma de dinheiro... Mas faltava compromisso, competência, patriotismo! As soluções eram sempre muito precárias, pontuais, circunstanciais...

Tuas raízes e a única ponte que possuíamos estavam por não mais suportarem às grandes enchentes, a força das correntezas, dos banzeiros, dos desbarrancamentos e o peso dos balseiros; tudo ameaçava ruir à tua volta, ao teu derredor... O comércio, que vistes nascer e crescer com tanta pujança, empobrecia, morria aos poucos...  

Houve uma época que a frase que mais se ouvia era: “vamos devolver o Acre aos bolivianos e pedir desculpa pela demora”!... A crença e a auto estima pareciam perdidas!...

Mas, fazendo valer a força da raça e a pujança da nossa história, apareceu um grupo de “meninos” sonhadores que fez acontecer! Competência, compromisso, união e amor por nossas causas, passaram a ser valores esmeradamente exercitados e exaltados, exalando o suor da motivação por todos os poros... Trazendo de volta o progresso, desta vez planejado, com ações articuladas. Tudo se fez novo! A confiança, a auto-estima e a alegria estavam de volta. A frase que agora mais se ouve, é outra: ORGULHO DE SER ACREANO!

Diz pra mim, então, Gameleira frondosa, se a cobra grande que mora num poço na praia da base, existe mesmo. Se o buraco onde ela mora fica mesmo bem próximo do subsolo da Igreja Nossa Senhora Imaculada Conceição...

E os banhistas que morreram afogados, próximos da praia, foram mesmo engolidos por ela?...

Rompe os segredos, a timidez e brada aos meus ouvidos se o navio Independência atracou alguma vez em teu porto, exibindo e expondo ao redor do teu tronco a grossa corrente de ferro que fora serrada e conquistada dos bolivianos por um pelotão de nordestinos destemidos, numa sangrenta batalha no Rio Acre, em Puerto Alonso... 

A ti acaso chegou que “Faltava um homem apenas daquele grupo suicida: e quando as suas mãos conseguem dar o último corte, a corrente desaparece no rio e com ela o último herói, também baleado, sangrando, misturando com as águas que descem apressadas, a tinta rubra de seu sangue. A corrente estava cortada. Podia navegar o Independência. Mas que preço imenso custara essa vitória!... No local desse episódio épico as águas eram sangue humano, em larga extensão, sangue que aos poucos foi desaparecendo, levado pela correnteza, em direção ao Purus, ao Amazonas, ao Brasil. Era o sangue que voltava à Pátria, trazido pelas águas...”

 

Tu, sentinela e guardiã de segredos mil, acaso sabeis do paradeiro dessa corrente?...

Ah! Não sabes o quanto me incomoda esse teu silêncio!...

Guardas à sete chaves nuancem valorosas da nossa história,

Fatos e coisas relevantes, que nunca desvendas!...

Fala-me, por exemplo, por que o solo em que fincastes as tuas frondosas raízes, onde Neutel Maia aportou, é o nascedouro de Rio Branco, o nosso primeiro distrito, mas muitos insistem em chamá-lo de segundo?

- E o nome da rua que beira o rio dono da margem onde tu vives há mais de um século, por que mudaram?...

Confia-me, senão todos, pelo menos alguns dos teus segredos!

- Ou são eles que te mantém viva?...

Prova-me, então, que não és mantida apenas pelo excremento final dos muitos pássaros que habitam em tua copa; pelas cuspidas, escarros e mijadas dos muitos bêbados que continuam à buscar abrigo à tua sombra, nem pelos sobejos de uísques e de bons vinhos que os ricaços da época áurea do comércio da borracha atiravam na tua base, durante as escapadas dos bailes da Tentamem e do Clube Atlético Acreano para namorar de forma mais afoita com as moçoilas filhas da aristocracia acreana e de ilustres visitantes, envoltos na semi-escuridão produzida pela tua formosa copa.   

Fala-me da Casa do Fazendeiro, da Fábrica de Guaraná Libertador, do Bar do Quinzim...

Fala-me do Mustafa Zacour, do Elias Bichara, do João Barrão, do Chagas Sabino, do Chiquito, do Hélio Freitas, do Dr. Augusto, do Jorge Kalume, do Omar Sabino, do Acelino Aquino, do Pernambuco, do Zé das Gravatas, do Seu Virgílio, do Manoel Ferreiro, do Heleno, do Hélio Pinho, do Bilica, do Camaleão Ovado, do Pelado, do Basílio, do Bararú, do Luís Rodomilson, do Joaquim Macedo, do Ilson Ribeiro, da Dona Helita, da Dona Adelaide... 

Confidencia-me, pelo menos, alguns fragmentos dos muitos discursos e dos versos mil improvisados pelo poeta Juvenal Antunes, tendo apenas tu como testemunha!...

Moramos num Estado enjoado, que se impôs pra ser Brasileiro!...

Vivemos na mesma cidade, cada vez mais linda e hospitaleira, tu, há mais de um século, eu, há mais de meio, em bairros distantes, mas, vez por outra, vou ao calçadão, só pra te ver...

Reverenciar-te, admirar-te!

E a ti render o meu tributo,

Oh! Fiel sentinela e eterna guardiã!... 

Crédito: Os trechos destacados por aspas foram transcritos da obra A EPOPÉIA DO ACRE, Batalhas do ouro-negro, de Sílvio de Bastos Meira. 

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Autor: Francisco Antônio Saraiva De Farias


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