O mercado negro dos desmanches e quadrilhas
Na grande maioria das vezes, o roubo de um automóvel não constitui uma ação autônoma ou aleatória, pois constitui uma pequena parte dentro de um processo de crimes extremamente complexos. Para compreender os meios operacionais deste sistema, é necessário analisar as características das quadrilhas e dos desmanches, e por fim, dos ciclos dos delitos.
1. Como se formam as quadrilhas no roubo e no furto de veículos
Como todo o negócio, o crime da formação de quadrilhas surge baseado na demanda por determinado serviço, objeto ou bem ilícito. No caso específico deste tipo de crime patrimonial, os carros são roubados ou furtados por estas quadrilhas, que de maneira genérica possuem integrantes que residem em regiões próximas aos locais onde se praticam os assaltos. Na “chefia” deste esquema estará o chefe da quadrilha, que é o único ente responsável pelas encomendas solicitadas por terceiros. Estas quadrilhas possuem grande mobilidade, fazendo a utilização de táticas baseadas em guerrilha urbana, onde seus membros rapidamente surgem, atacam e desaparecem logo após o cometimento do crime. [1]
No caso específico do crime de roubo, a contratação do grupo que fará o serviço será feita pelo chefe, que dará as ordens e encaminhará o crime. Na regra geral, cada grupo é formado por três a quatro criminosos, onde cada sujeito possui uma função distinta: Um será o motorista condutor, e os outros dois farão o revezamento na segurança e na própria ação, intimidando a vítima através de todos os meios possíveis. [2]
No crime de furto, igualmente há a presença de um chefe que controla e coordena a quadrilha de arrombadores, pois logo após a prática delitiva o carro será entregue a ele, que a partir de então, colocará o veículo nas mãos de um habilidoso mecânico, que executará os retalhos necessários, armazenando bem móvel no interior de um depósito ou galpão, onde os números de identificação serão destruídos antes mesmo da remessa a um segundo receptador, que fará a condução do automóvel para um desmanche. Importante suscitar que os arrombadores de carro sempre agem resguardados por um homem que faz a segurança. [3]
2. Como se constituem as organizações criminosas
Formadas a partir de quadrilhas, as organizações criminosas possuem estabelecimentos específicos para cada fase do roubo ou do furto de um veículo, como por exemplo, um local destinado para o desmonte de peças, e outro para a venda de peças e de veículos. Às vezes, alguns serviços são encomendados de maneira terceirizada, como é o caso das quadrilhas independentes que atuam no roubo ou no furto de determinados tipos de automóveis, embora esta modalidade seja uma exceção. Dentro destas organizações, há um vasto intercâmbio comercial entre os mais diversos estabelecimentos. Alguns tipos se dedicam ao atacado de peças, utilizando o varejo como “fachada” para outra atividade ilegal. Outros trabalham apenas com o próprio varejo, uma atividade menos perigosa e mais distante dos fatos criminosos originários. [4] Abaixo, segue uma tabela baseada no modelo clássico de organização de grandes receptadores:
Tabela 01
Dentro destas organizações, há a assessoria de escritórios de advocacia e contadoria que obviamente conhecem o inteiro teor das atividades desenvolvidas por elas, prestando os mais diversos auxílios dentro da função preponderante de “mascarar” a ilicitude das atividades praticadas, de maneira que o grupo criminoso ganhe um aspecto de empresa ou corporação. [5]
Por fim, como meio de sobrevivência e imunidade, estas organizações associam-se a policiais corruptos oferecendo generosas propinas para não serem perturbadas ou investigadas. Do mesmo modo, estes policiais auxiliam na segurança dos estabelecimentos, inclusive prestando informações sobre eventuais operações policiais. Outro fator surpreendente é a existência de policiais e ex-policiais que efetivamente comandam redes de desmanches, além de policiais aposentados[6] e de demais pessoas habituadas á prática policial ostensiva, o que reforça o forte atrativo deste viés mercantil, corroborando com a tese de que não há crime organizado sem corrupção, seja ela política ou policial.
3. Os desmanches e ferros-velhos
Atualmente, os donos deste tipo de negócio formam o perfil “clássico” dos receptadores, e isto se deve, muito em virtude do patrocínio que ocorre entre tal atividade econômica e a prática de roubos e furtos de veículos, sendo a própria receptação em elo entre tais crimes. Neste sentido, a própria investigação policial dá maior atenção a este tipo de negócio, pois os desmanches demandam por peças utilizadas na venda e na clonagem de veículos, havendo inclusive conexões materiais e teleológicas entre tais crimes e o tráfico de drogas. [7]
ARAÚJO[8] reafirma uma ideia consolidada há mais de trinta anos no Brasil, de que desmanches e ferros-velhos são frequentemente utilizados pelo crime organizado como modo de “esquentar” documentos frios de veículos, pois recebem as mais variadas mercadorias, acarretando em um prejuízo incalculável aos legítimos proprietários e seguradoras.
De toda sorte, os desmanches seguem sendo o principal mercado clandestino do roubo e do furto de veículos, até porque esta modalidade de negócio é abastecida por uma extensa e bem organizada rede de receptadores, quase sempre bem camuflados ou revestidos mediante regularização de papéis e registros. [9]
No que concerne ao crime de receptação promovida por desmanches, às prisões estão repletas de jovens com idade igual ou pouco superior a dezoito anos, uma clara decorrência do aliciamento de receptadores, que estão sempre prontos para receber bens roubados ou furtados, dando estímulo e margem a uma grave continuidade delitiva. [10]
[1] GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.10.
[2] GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.10.
[3] GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.10.
[4] ESTADO DE SÃO PAULO, Assembléia Legislativa. Relatório Final da CPI do Crime Organizado. São Paulo. Publicado em 12 de março de 1999. – páginas: 14/19 Disponível em
[5] ESTADO DE SÃO PAULO, Assembléia Legislativa. Relatório Final da CPI do Crime Organizado. São Paulo. Publicado em 12 de março de 1999. – páginas: 14/19 Disponível em http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/documentacao/cpi_crime_organizado_relatorio_final.htm Acesso em 11 out. 2012.
[6] ESTADO DE SÃO PAULO, Assembléia Legislativa. Relatório Final da CPI do Crime Organizado. São Paulo. Publicado em 12 de março de 1999. – páginas: 14/19 Disponível em http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/documentacao/cpi_crime_organizado_relatorio_final.htm Acesso em 11 out. 2012.
[7] FERREIRA FILHO, Juvenal Marques. Investigação de crimes contra o patrimônio. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3120, 16 jan. 2012. Disponível em: . Acesso em: 6 out. 2012.
[8] ARAÚJO, Francisco Fernandes de. Da necessidade de se punir com maior rigor os crimes de receptação dolosa habitual; da ação anti-social e danosa do receptador que estimula menores penalmente inimputáveis à prática de infrações contra o patrimônio e dos instrumentos legais à disposição do Juiz. Revista de Julgados e Doutrina do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, São Paulo, 1989. n.4, p.19.
[9] GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Furto e roubo de veículos: Um diagnóstico. Porto Alegre, associação para pesquisas policiais, 1998. n. 34, p.9.
[10] ARAÚJO, Francisco Fernandes de. Da necessidade de se punir com maior rigor os crimes de receptação dolosa habitual; da ação anti-social e danosa do receptador que estimula menores penalmente inimputáveis à prática de infrações contra o patrimônio e dos instrumentos legais à disposição do Juiz. Revista de Julgados e Doutrina do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, São Paulo, 1989. n.4, p.19.
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