As dimensões do roubo de carros na América do Sul



As dimensões de crimes como o roubo[1], o furto[2] e a receptação[3] de veículos afetam, de maneira direta e indireta, um inimaginável contingente de pessoas na América do Sul, pois estes crimes financiam e estimulam uma série de outros, como o próprio tráfico de drogas e os homicídios. Nestes mesmos termos, é inegável a existência de uma estreita vinculação da sociedade com o uso de veículos, em especial os automotores, e esta frota de números quase incalculáveis, estimula a ação do crime organizado nas mais diferentes formas, pois o carro é antes de tudo um objeto de necessidade e de cobiça.

Para uma melhor compreensão sobre o esquema destes delitos, é necessária uma rápida construção do amplo quadro de crimes que se iniciam em cidades como Porto alegre ou São Paulo, onde jovens são aliciados por diversos tipos de receptadores, principalmente por donos de desmanches, para o ingresso em quadrilhas especializadas em roubos e furtos de veículos, formando um extenso “lastro de sangue” que aqui se inicia, até os perdidos confins da Bolívia ou do Paraguai.

Existe uma região olvidada na América do Sul conhecida popularmente como “terra de ninguém”, a fronteira do Brasil com a Bolívia e com o Paraguai, território cerceado pelo crime, onde o narcotráfico impera, atraindo uma imensa sorte de delitos. No caso específico da Bolívia, ingressar no país via a cidade brasileira de Corumbá requer alguns cuidados: Os próprios habitantes locais e a Polícia Federal advertem ao visitante uma extrema cautela ao adentrar em terras bolivianas, sobretudo se estiver em posse de caminhonetes ou carros importados, pois há uma frase repetidamente mencionada naquelas terras de que “quando um dono entra com uma caminhonete de outro país na Bolívia, a única certeza é que o veículo não retorna ao país de origem, pois o dono pode ou não voltar”.

Ao percorrer as sujas e caóticas ruas de terra da pequena cidade boliviana de Puerto Quijarro, é possível vislumbrar, além da evidente pobreza e da informalidade, uma série de carros com placas adulteradas, onde parece inexistir qualquer controle ou lei, senão a do narcotráfico e do contrabando. A fragilidade é tamanha que se observa a existência de veículos com placas bolivianas colocadas de modo improvisado sobre a placa original brasileira, sem qualquer restrição ou problema. Neste sentido, a corrupção é parte integrante deste fenômeno, pois há um evidente consentimento das autoridades bolivianas (principalmente o exército) com o quadro de ilicitudes presenciadas, talvez uma consequência de séculos de exploração daquele povo, cuja maior parte da população é de indígenas marginalizados.

Nas grandes cidades da Bolívia, como em Santa Cruz de La Sierra (mais 600 km da fronteira pela via ferroviária), é também perceptível uma imensa quantidade de carros roubados ou furtados transitando pelas ruas, com placas de vários países, seja da Argentina do Chile ou do Brasil. No Paraguai o cenário é quase idêntico, sobretudo em lugares como Pedro Juan Caballero, onde o crime organizado forma um cartel que comanda um grande mercado a céu aberto com carros roubados sendo trocados por drogas, principalmente a cocaína, mercadoria que mais tarde é revendida e traficada em solo brasileiro, ou destinada ao mercado Europeu.

Não obstante aos efeitos produzidos no exterior, todo este panorama é refletido nos mais distintos setores públicos e sociais do Brasil, a começar pela polícia, que invariavelmente encontra grandes dificuldades nas investigações em razão das “leis” impostas pelas próprias organizações criminosas, onde o silencio é regra, e se quebrado, resulta em morte. Nesta mesma seara, a própria sociedade civil termina afetada de múltiplas formas por crimes como o roubo, o furto ou a receptação de veículos, pois há uma considerável vinculação destes tipos penais com delitos de extrema gravidade, como a extorsão mediante sequestro e o latrocínio, sem falar é claro, da taxa de homicídios provocada por disputas de quadrilhas.

Por fim, consoante à extenuada complexidade deste tema, não há meio mais eficaz de combate ao crime organizado, senão, através do uso irrestrito dos setores de inteligência das polícias e do exército, sendo igualmente indispensável à pronta cooperação dos governos dos países fronteiriços ao Brasil, principalmente no que diz respeito aos setores investigativos destes crimes no exterior, pois a legislação é escassa em países como a Bolívia[4], onde sequer há a tipificação do delito de receptação, o que agrava o quadro apresentado.

[1]BRASIL, Artigo 157 do Decreto-Lei 2.848, de 07 de Dezembro de 1940. Diário Oficial da União. Brasília, DF

[2] BRASIL, Artigo 155 do Decreto-Lei 2.848, de 07 de Dezembro de 1940. Diário Oficial da União. Brasília, DF

[3] BRASIL, Artigo 180 do Decreto-Lei 2.848, de 07 de Dezembro de 1940. Diário Oficial da União. Brasília, DF

[4] CÓDIGO PENAL BOLIVIANO – Decreto Ley 10426 de 23 de Agosto de 1972. Disponível em Acesso em 19 de nov. 2012.


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