MULHER DA “SUBMISSÃO À MATERNIDADE”: um olhar reflexivo sobre o conto Negrinha de Monteiro Lobato.



MULHER DA “SUBMISSÃO À MATERNIDADE”: um olhar reflexivo sobre o conto Negrinha de Monteiro Lobato.

                                                                                            

                                                                                             Evandro Ribeiro da Silva

 

Negrinha é um conto de Monteiro Lobato, escrito pela primeira vez em 1920, cuja temática é, ainda, atual. O conto retrata, através da visão do autor, as vicissitudes da vida de uma órfã negra, nascida na senzala, de mãe escravizada. A personagem passa pelas agruras de viver seus primeiros anos de vida em cantos escuros, sobre velha esteira e trapos imundos. Era escondida porque a patroa não gostava de crianças.

A patroa é uma senhora viúva, sem filhos, de virtudes cristãs, envolvida com questões comezinhas e a desopilar sua ira sobre a criança que não tinha. Não perdoava o choro da criança, saia com impropérios impublicáveis logo que o ouvia. Negrinha cresceu sem infância, magra, atrofiada, sempre assustada; apanhava de todos e por qualquer motivo. Não brincava, vivia sentada em um canto, sua única diversão era ouvir o relógio cuco bater as horas, sem palavras de carinho, era achincalhada com termos como: pestinha, diabo, coruja, barata descascada, mosca morta, sujeira, cachorrinha, coisa ruim, lixo, etc até de bubônica fora apelidada.

Contudo, tendo gostado de tal epíteto suprimiram-no, não lhe era dado nem esse gosto. Inácia, a patroa, era mestra na arte de maltratar, aplica em Negrinha beliscões e cróques como derivativo para amainar sua revolta contra o que entendia como usurpação: o direito de continuar a ter pessoas escravizadas sobre seu jugo.

Negrinha, não tinha nome era negrinha, não brincava, logo não conhecia boneca. Certa vez Inácia recebeu a visita de duas sobrinhas que mostraram a aturdida criança uma boneca, a partir deste momento Negrinha começa a perceber o significado do que é brincar, descobre-se como ser humano. Deixa de ser coisa. Entristece e morre delirando com bonecas, todas louras, de olhos azuis.

Sendo assim, após o conhecimento do texto Negrinha, discorre o presente artigo do qual aborda sobre duas questões relevantes, que assim como outras o mesmo expressa temáticas acerca de caráter social. Através de uma análise sistemática será direcionado sobre a Sociedade Patriarcal, bem como, sobre a mulher como instrumento da maternidade.

 

SOCIEDADE PATRIARCAL (REGIME DO PATRIARCADO)

 

A família patriarcal define-se como uma verdadeira espinha dorsal da sociedade, que nesse sentido desempenhava o papel de procriação, administração econômica e direção política. E a mesma era o mundo em excelência, as crianças e as mulheres não passavam de seres insignificantes e amedrontados cuja maior aspiração era as boas graças do patriarca. Percebe-se daí que a situação de mando masculino era de tal natureza que os varões não reconheciam sequer autoridade religiosa dos padres. Pois assistiam as missas sem a menor manifestação daquela humildade cristã do crente. Enquanto a mulher tudo era proibido desde que não se destinasse a procriação, sendo que cada sociedade restava-lhe apenas duas funções: procriar e obedecer.

Desta maneira, ao analisar a figura feminina na sociedade patriarcal percebe-se claramente a grande submissão da mulher presente nesta época, o que nesse sentido transformava-se o gênero feminino como mero objeto de uma sociedade dotada de um forte preconceito de gênero.

Modelo de submissão presente na sociedade patriarcal atravessou séculos e se perdura até os dias atuais. Neste contexto, vivemos em uma sociedade inflexível e moralista que refletem machismo predominante em nosso meio remontando assim a sociedade burguesa do século XVIII.

No texto Negrinha é possível perceber várias manifestações de preconceito em relação à mulher, pois o mesmo transmite a ideologia familista do presente século e em seus princípios revela como a mulher deve-se comportar diante da sociedade que é machista e patriarcal, muitas vezes tão presente na sociedade atual. Em meio a essas posturas o conto Negrinha, apresenta a mulher como: “ Cerrara de ser coisa vida de coisa. Se no era coisa. Se sentia. Se vibrava. Assim foi – e essa consciência matou”. Lobato (1920).

A mera condição de coisa que é colocada no conto Negrinha expõe a grande visão que a sociedade tem da mulher no qual a mesma é considerada com ser incapaz e inferior.

Mesmo com todos os paradigmas que são refletidos no gênero feminino, é possível perceber que a cada dia as mulheres conquistam mais seu espaço, lutando para a igualdade de direitos e na mudança de estereótipos que a sociedade tem das mesmas.

Diante de todos os argumentos apresentados acima, é possível constatar que a sociedade patriarcal coloca a mulher a margem da sociedade, refletindo até hoje na sociedade atual.

A BONECA COMO SIMBOLOGIA PARA O PREPARO À MATERNIDADE

 

            Oriunda desde tempos remotos, como subsídios de uma sociedade que obedece a paradigmas, a mulher sempre foi educada desde sua fase inicial a determinados comportamentos que se faz presente até os dias atuais.

            Carregando consigo alguns conceitos arcaicos, muitas famílias limitam suas filhas aos afazeres domésticos no intuito de prepará-las para a “vida futura”, vida esta, que são reproduzidas por atos de suas mães que conseqüentemente herdaram essa postura em seus antepassados.

            Desde sua fase inicial, a figura feminina é orientada a ser sensível, frágil, prendada, e a brincar de bonecas; orientações essas que registrarão e o confirmarão como “mulheres”. Assim é comum como tradição, que o primeiro presente de uma menina seja uma boneca, essa que traz características iguais ao ser humano. Holanda (2004) Boneca é a figura que imita uma forma feminina e serve de brinquedo.

            Ao ter contato com esse brinquedo, a “criança mulher”, tem em suas mãos um objeto a sua imagem e semelhança, e a partir de então mesmo através de brincadeiras lhe é passada que esse instrumento o qual serve como distração deve ser cuidada como um ser real: pegar no colo, fazer carinhos, pentear cabelos, paparicar etc. Nessa inocência, já é posta ao sujeito feminino o papel de submeter-se a uma ocupação a qual será destinada futuramente; pois é nesse contato, que ocorre uma familiarização nesse universo que até então é “irreal”, mas que posteriormente em muitos casos se configurará em uma ação concreta.

            Está impregnado na sociedade esse paradigma que coloca a mulher como um sujeito passivo dessa situação. Nessa inocência já é posto ao ser feminino o papel de se submeter a uma ocupação qual será destinada futuramente.

Varia a pele, a condição, mas a alma da criança é a mesma – na  princesinha e na mendiga. E para ambos é a boneca o supremo enlevo. Dá a natureza dois momentos divinos à vida da mulher: o momento da boneca – preparatório -, e o momento dos filhos – definitivo. LOBATO, (1920).

A citação acima confirma a idéia de um contexto social presente na sociedade que conserva paradigmas patriarcais, a mesma aponta e coloca a mulher com o destino já preestabelecido, menciona de maneira exata a finalidade do que é ser mulher. Dessa forma, percebe-se que a idéia discutida ratifica as práticas iniciais das famílias que estabelece e coloca o ser feminino “desde a infância a maturidade” como produto de procriação.

            Essa colocação aponta dados de como deve ser a direção da mulher, vista que após a mesma passar por esses “momentos divinos” (experiências) ela deixa de “existir” de ser “mulher”, visto que essas fases: preparatório (boneca) e definitivo (filho) dão por encerradas sua função na sociedade, assim confirma Lobato, (1920) (...) Depois disso, está extinta a mulher.

            Em conseqüência dessa visão submissa e de preconceito percebe-se que a sociedade patriarcal aponta caminhos exatos a serem percorridos pela mulher: em sua infância ter contato com bonecas, e a partir de então adquirir conhecimentos que lhes resultem na maternidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Diante da realização deste artigo, o qual tem como propósito investigar a mulher na sociedade patriarcal refletida no texto Negrinha, aborda temáticas referentes à ideologia machista daquela época, sendo que a sociedade atual reproduz essas posturas mantendo vivas essas mesmas ideologias.

Considerando os problemas de caráter social apresentadas no conto Negrinha de Monteiro Lobato é notável perceber questionamentos relacionados a sofrimentos, desigualdades, religiosidade e por último, questões de gênero, esse que por sua vez aqui é analisado. Questionou-se sobre o posicionamento da sociedade patriarcal para com a mulher, essa vista como um instrumento de submissão, além disso, a preparação da mulher para a procriação através da simbologia da boneca.

Em suma percebe-se que a sociedade atual preserva-se resquícios da sociedade patriarcal, pois reproduz paradigmas dessa sociedade que coloca a mulher como ser incapaz e passivo, reduzindo sua potencialidade e conduzindo-a ao processo da maternidade.

 

REFERÊNCIAS

PRIORE, Del Mary e BASSANEZI, Carla (org.). História das Mulheres no Brasil. 5. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2001.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Sociedade patriarcal. In: ___. Tentativas de mitologia. São Paulo: Perspectiva, 1979

http://www.bancodeescola.com/negrinha.htm

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Autor: Evandro Ribeiro Da Silva


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