DIREITOS SOCIAIS E CONTROLE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS



DIREITOS SOCIAIS E CONTROLE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS* 

Débora Cristina Bouças Bahia Silva** 

RESUMO

O artigo em questão busca analisar o surgimento dos direitos fundamentais, dando ênfase aos direitos de segunda geração, tendo em vista o surgimento do Estado Social Democrático de Direito, e os diversos empecilhos para a concretização de tais direitos. Para isso faz-se necessário uma breve análise dos estudos constitucionais mais atuais, possibilitando, em seguida, a discussão sobre as possibilidades de controle político e jurídico das políticas públicas, o principal meio de efetivação da grande maioria dos direitos prestacionais.

PALAVRAS-CHAVE

Neoconstitucionalismo; Direitos Sociais; Políticas Públicas 

 Introdução 

            Durante a história constitucional suas disposições passaram de uma simples Carta política a normas jurídicas dotadas de imperatividade. Os direitos sociais são uma das grandes conquistas constitucionais do Séc. XX, no entanto são de difícil efetivação porque impõe um dever ao Estado, não exigindo somente uma atividade negativa, mas uma ação positiva que garanta a eficácia de tais direitos.

            Com a Constituição de 1988, nasce o chamado Estado Social de Direito, que em tese é uma concepção estatal voltada para a satisfação de determinados objetivos sociais. No entanto, parece unanimidade a constatação de que ele assumiu responsabilidades demais e por isso, não as cumpre de forma satisfatória. Na maioria dos casos, alega falta de recursos para não efetivar as disposições constitucionais.

            Partindo do pressuposto que um dos maiores desafios do constitucionalismo atual é tentar formular teorias que sirvam como técnica de decisão, busca-se fazer uma análise das possibilidades de controle político e judicial das políticas públicas, uma das principais formas de efetivação dos direitos sociais.

2 Origem Histórica dos Direitos Fundamentais

 

Os direitos fundamentais constituem uma categoria bastante diversificada e variável. De acordo com novas perspectivas ao longo da história humana surgem ou limitam-se direitos. Como coloca Bobbio “O que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas” [1]

A idéia de universalidade de tais direitos está presente na Declaração Universal dos Direitos do Homem (1789), já que foi destinada a toda humanidade. Segundo Bonavides “Os direitos do homem ou da liberdade (...) eram ali ‘direitos naturais, inalienáveis e sagrados’, direitos tidos também por imprescritíveis, abraçando a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão”[2].  A declaração francesa exerceu grande influência nas Constituições Ocidentais.

Os Direitos surgidos durante o século XVIII são chamados de direitos fundamentais de primeira geração ou direitos de liberdade. A principal preocupação do período era limitar o poder estatal, sendo por isso considerados direitos de caráter negativo, diretamente influenciados pelas idéias revolucionárias de teor individualista. Lembra-se ainda que tais direitos estão ligados à concepção de Estado Liberal.

Já os Direitos de segunda geração são típicos do século XX ao invés de reinvindicar a atuação negativa do Estado, passa-se a exigir uma maior atuação deste. Os direitos citados estão ligados a direitos prestacionais sociais do Estado diante do indivíduo. Como aponta Tavares

O que essa categoria de novos direitos tem em mira é, analisando-se mais detidamente, a realização do próprio princípio da igualdade. De nada vale assegurarem-se as clássicas liberdades se o indivíduo não dispõe das condições materiais necessárias a seu aproveitamento. [3]

Segundo Bobbio “O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político” [4]. Primeiramente, os direitos sociais foram relegados à esfera programática exercendo uma função simbólica, pois estavam previstos constitucionalmente, mas sujeitos às leis complementares para serem efetivados.

No entanto, o surgimento do Estado Social Democrático de Direito e a recente reviravolta nos estudos constitucionais colocaram novos elementos em discussão quanto aos direitos fundamentais.

3 Direitos Sociais e Estado Social Democrático de Direito 

            Uma das premissas básicas para o surgimento de um Estado Social é a sua vinculação com os direitos fundamentais. Segundo Passos

em termos de realidade institucionalizada e significativa, é um produto da Segunda Guerra Mundial, tendo merecido sua definição constitucional primeira e mais precisa na Constituição da República Federal Alemã (...) se busca integrar os valores do Estado de Direito de inspiração liberal com o Estado comprometido com a justiça social, propugnado pelos socialistas. [5]

            Essa nova concepção estatal exige uma atuação não apenas negativa perante o indivíduo, através da não violação de certos direitos individuais, mas uma prestação de certas condições materiais à população. O Estado brasileiro atual, em decorrência da Constituição de 1988 é considerado Estado de Direito Social Democrático, devendo atingir determinados objetivos sociais. Além disso, compromete-se a promover o desenvolvimento econômico e não se desvincula do denominado capitalismo tardio.

            Para Passos esse é um dos principais problemas não solucionados por essa concepção estatal. O autor apresenta a seguinte contradição,

de um lado, um sistema capitalista de produção, inelutavelmente amarrado à fabricação de ‘mercadorias’, tornadas bens em si mesmo, porque matrizes de lucros perseguidos, e, de outro lado, um Estado comprometido com uma justiça distributiva, privilegiadora das necessidades humanas. Esse conflito não resolvido perdura e dele derivam todos os problemas e todas as crises. [6]

4 Neoconstitucionalismo 

            Antes de discutir a efetividade dos direitos sociais é oportuno tratar acerca do estágio atual dos estudos constitucionais. Segundo Barcellos as principais características do neoconstitucionalismo podem ser colocadas em dois grupos: dos elementos metodológico-formais e o dos elementos materiais.

            Na visão metodológico-formal, a autora destaca três premissas de fundamental importância:

(i) a normatividade da Constituição, isto é, o reconhecimento de que as disposições constitucionais são normas jurídicas, dotadas, como as demais de imperatividade; (ii) a superioridade da Constituição sobre o restante da ordem jurídica (...); e (iii) a centralidade da Carta nos sistemas jurídicos, por força do fato de que os demais ramos do Direito devem ser compreendidos e interpretados a partir do que dispõe a Constituição. [7]

            Do ponto de vista material, a autora coloca como premissa a colocação de valores e opções de caráter político. A colocação da dignidade humana e dos direitos fundamentais como base constitucional reflete essa idéia. Além disso, Barcellos fala da “expansão de conflitos específicos e gerais entre as opções normativas e filosóficas existentes dentro do próprio sistema constitucional.” [8]

            Quanto aos conflitos, a autora fala de conflitos específicos e de um conflito geral. Os conflitos específicos dizem respeito ao próprio texto constitucional que agregam pretensões de diferentes setores. Basta pensar numa sociedade como a brasileira, onde existe uma grande variação de demandas e o conflito entre elas é inevitável. Bobbio destaca uma característica importante dos direitos fundamentais: a heterogeneidade. Direitos fundamentais, de mesma hierarquia, estão constantemente em choque.

            O conflito geral reflete pelo menos duas posições distintas sobre o papel da Constituição. A concepção substancialista coloca que “cabe à Constituição impor ao cenário político um conjunto de decisões valorativas que se consideram essenciais e consensuais” [9], enquanto que a concepção procedimentalista defende que não se deve impor às gerações seguintes, decisões tomadas em determinados momentos históricos, já que os direitos fundamentais estão em constante mutação. Nesse sentido, o papel da Constituição é “garantir o funcionamento adequado do sistema de participação democrático, ficando a cargo da maioria, em cada momento histórico, a definição de seus valores e de suas opções políticas.” [10]

            Um dos principais pontos discutidos pela doutrina constitucional refere-se à aplicação prática das novas teorias, para não correr o risco de que elas se limitem ao plano teórico. A discussão sobre a eficácia dos Direitos Sociais também não deve fugir disso.

5 Políticas Públicas e Direitos Sociais 

            Como visto a promoção dos direitos sociais, determina ações positivas do Poder Público. Tais ações dependem de políticas voltadas para esse fim e necessitam de orçamento e programação de gastos, tanto que um dos principais argumentos do Executivo para não efetivar certos direitos seria a falta de recursos.

            O que Barcellos defende é que essa programação de gastos não é uma escolha exclusivamente política, pois os direitos fundamentais são cláusulas pétreas as quais o poder político não tem poder para modificar.  Devem ser observadas certas imposições constitucionais, mas sem invadir a esfera política. Segundo ela “não se trata de absorção do político pelo jurídico, mas apenas da limitação do primeiro pelo segundo.” [11]

            Para colocar em prática esse controle de políticas públicas, a autora apresenta três propostas teóricas: “(i) a identificação dos parâmetros de controle; (ii) a garantia de acesso à informação; e (iii) a elaboração dos instrumentos de controle.” [12]

            Quanto à primeira proposta teórica, visualiza-se com mais clareza, dois tipos de parâmetros. O primeiro deles é considerado objetivo, pois assim está colocado no texto constitucional. No caso do direito à saúde, por exemplo, ao analisar o Art. 198, são perceptíveis determinados percentuais, destinados à saúde por cada ente federativo. Após a apuração dos percentuais exigidos pela Constituição, verifica-se se tais recursos estão sendo aplicados conforme as estipulações constitucionais.

             O segundo parâmetro se relaciona ao resultado final do investimento estatal em determinada área. Devem-se eleger certas prioridades, já que os recursos não são infinitos. O exemplo mais simples para exemplificar a idéia é o da educação, pois o texto constitucional já apresenta uma prioridade: o ensino fundamental. Sendo assim, os recursos devem ser destinados prioritariamente para este fim.

              Em outros casos, como o direito á saúde, é extremamente delicado estabelecer prioridades. No entanto, isso não exime o Estado de estipular uma série de prestações mínimas a esse direito. Como coloca Barcellos:

Uma vez definidas essas metas concretas, que devem ser prioritariamente perseguidas pelo Poder Público, a aplicação do parâmetro de controle também não envolve, em si mesmo, maiores dificuldades lógicas. Trata-se de verificar se o resultado final da atividade do Estado em cada uma das áreas está efetivamente se produzindo. [13]           

            A segunda proposta teórica (garantia de acesso à informação) é imprescindível para a execução da primeira. Um Estado democrático deve prestar contas não só ao Poder Judiciário, mas à população como um todo. A constante divulgação dos dados orçamentários e a forma como estão sendo gastos é fundamental para a fiscalização jurídica e política das ações estatais, principalmente as relacionadas com os direitos fundamentais que são de interesse de todos.

            A terceira proposta teórica prevê sanções aos descumpridores das disposições constitucionais. A finalidade disso seria “impor sua observância, para punir o infrator ou para impedir que atos praticados em violação dos parâmetros produzam efeitos.” [14] No caso do direito à saúde, a Constituição dispõe de uma defesa clara: a intervenção. Em caso de negligência quanto aos percentuais estipulados, o interventor federal (em caso de violação estatal) ou o estadual (nos municípios) deve restabelecer os investimentos previstos na Constituição. 

 Conclusão

 

            A construção de uma forma mais atuante de controle de políticas públicas como uma ferramenta dogmática e política, mostra um importante passo na tentativa de efetivação dos direitos sociais. Como coloca Barcellos “uma vez que o discurso se transforme em técnica, a técnica poderá se transformar em diferença real para as pessoas que vivem em um Estado de direito constitucional.” [15]

            O Poder Público não pode se eximir da tarefa constitucional de concretizar tais direitos, alegando simplesmente falta de recursos, já que a formas de arrecadação e de destinação dos recursos públicos devem obedecer às disposições constitucionais, consolidadas como normas jurídicas dotadas de imperatividade.

 

 

           

Bibliografia Básica

 

BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas. Disponível na Internet: . Acesso em: 20 de Agosto de 2007.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

PASSOS, J. J. Calmon de. A Constitucionalização dos Direitos Sociais. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n° 10, junho/julho/agosto, 2007. Disponível na Internet: . Acesso em: 05 de Abril de 2008.

Bibliografia Complementar

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2004.

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva 2007. 

* Artigo apresentado ao curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco

** Aluna do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[1] BOBBIO, 1992, p.19.

[2] BONAVIDES, 2004, p. 562.

[3] TAVARES, 2007, p. 429.

[4] BOBBIO, 1992, p. 24.

[5] PASSOS, 2007, p. 6.

[6] PASSOS, 2007, p.7.

[7] BARCELLOS, 2007, p. 2.

[8] BARCELLOS, 2007, p. 4.

[9] BARCELLOS, 2007, p.7.

[10] BARCELLOS, 2007, p.7.

[11] BARCELLOS, 2007, p. 13.

[12] BARCELLOS, 2007, p. 15.

[13] BARCELLOS, 2007, p.20.

[14] BARCELLOS, 2007, p.29.

[15] BARCELLOS, 2007, p. 28.

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