ADOÇÃO POR CASAL HOMOAFETIVO: Aspectos principiológicos constitucionais



ADOÇÃO POR CASAL HOMOAFETIVO:

          aspectos principiológicos constitucionais *

Jéssica Gaspar Miranda**

Stéfanie Maria Braga Abbondanza

Sumário: Introdução; 2 A nova geração de direitos constitucionais 3 União estável: aspectos gerais; 3.1 Possibilidade da adoção por casal em união estável; 3.2 União estável homoafetiva; 3.3 Direitos em relação a união homoafetiva; 4 Adoção por casal homoafetivo: Possibilidades constitucionais; 4.1 Preconceito x Direito 4.2 Novos contornos do direito na relação filial; Conclusão; Referências.

RESUMO

O presente artigo pretende demonstrar os aspectos constitucionais da adoção por casal homossexual, salientando os direitos da criança e do adolescente, bem como demonstrar a possibilidade jurídica para tal tentativa. Busca-se caracterizar novas concepções de família, como a homoafetiva e discutir a possibilidade da adoção em aspectos constitucionais e direito de família.

 

PALAVRAS-CHAVE

União homoafetiva. Adoção por casal homossexual. Direito de Família.

 

INTRODUÇÃO

A sociedade vive dentro de uma organização jurídica relevante, sendo guiada por valores morais, éticos e influenciada, de certo modo, pela mídia e por valores religiosos. Apesar de ser um país laico, a maioria da população age de acordo com a influência do cristianismo, sendo guiadas por suas idéias arcaicas e preconceituosas.

Entretanto, hoje também se percebe uma maior abertura em relação à constituição da família brasileira. O casamento tradicional, hoje, não é mais a única possibilidade para que haja uma família, sendo considerada aqui família como união entre duas pessoas, afim de dividir objetivos comuns e guiados por sentimentos recíprocos.

Com mudanças neste tipo de constituição, verifica-se que o direito também teve que mudar para adaptar-se a nova realidade que as 'sociedades conjugais' implicam. A Constituição Federal de 1988 e o Novo Código Civil de 2002 trouxeram inovações a respeito da nova ordem familiar, admitindo maior facilidade em quesitos como guarda, adoção e homologando e considerando a união estável como uma nova ordem familiar.

Apesar de haverem mudanças, não só da ordem jurídica mas também no pensamento familiar, o tema ainda traz diversas discussões acerca da possibilidade de adoção e reconhecimento da união homoafetiva. Questões que, geralmente, vêm carregadas de preconceito. Importante lembrar que, em pleno século XXI, ainda há pensamentos arcaicos. Mas há a tendência disto se modificar.

2 A NOVA FAMÍLIA PRESENTE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

O neoconstitucionalismo trouxe a luz novos direitos, antes esquecidos pelo regime ditatorial que o Brasil fora vítima. A nova geração de direitos constitucionais tem como principal característica a interação entre Estado e população, ela é feita para o povo. Não á toa, é conhecida como a Constituição Cidadã.

Não a toa, também pode ser considerada uma Constituição que se preocupa com a instituição familiar, já que, se as Constituições anteriores tratavam de forma concisa o direito de família, restringindo seu conceito apenas ao casamento, a de 1988 deu uma nova atenção ao direito de família, estendendo hoje seu rol de formação.

O conceito de família segundo José Afonso da Silva: “É afirmada como base da sociedade e tem especial proteção do Estado, mediante assistência na pessoa de cada um dos que a integram e criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.” (SILVA, 2008, p. 822)

Já Silvio de Salvo Venosa conceitua família no sentido mais amplo, “definida como uma relação de parentesco, ou seja, como um conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar.” (VENOSA, 2007, p. 2).

Percebe- se assim, que não há um consenso acerca da definição do conceito de família, variando em diversas áreas de um mesmo ordenamento, bem como, em diferentes povos e ciências. Diante desses novos ares, o constituinte precisou acompanhar a evolução social, trazendo à Constituição Federal de 1988 a consagração dessas novas formas de convívio. A família, que é considerada a base da sociedade, recebeu, então, uma maior atenção do Estado.

Tal abrangência se deve a evolução da sociedade, por assim dizer. Aos poucos, verifica-se uma nova constituição da ordem familiar, abandonando aquela formação tradicional, hierarquizada, em que família se ditava por valores financeiros e institucionais. Hoje, o que há é a valorização de princípios, base máxima para a nova ordem constitucional dada à família.

Princípios estes como a liberdade, a igualdade e, sobretudo, ao princípio da afetividade, dão ordem a nova formação familiar. Há hoje a valorização de cada membro da família, que toma contornos diferentes a cada lar.

A Constituição de 1988 foi, portanto, um marco para o Direito de Família, já que contempla a igualdade de cada membro da família, bem como a liberdade para constituição e planejamento familiar. Além disso, o principio da dignidade da pessoa humana, que norteia todo o texto constitucional, também traz alusões à constituição familiar.

A mais importante regra da Constituição é a que impõe respeito à dignidade humana, verdadeira pedra de toque de todo o sistema jurídico nacional. Esse valor implica dotar os princípios da igualdade e da isonomia de potencialidade transformadora na configuração de todas as relações jurídicas  (DIAS, 2007, p.104)

Como dito, hoje, a Constituição não considera mais ao casamento como fonte única de formação de uma família. Atenta-se também à união estável, hoje forma de constituição familiar bastante comum no Direito Nacional.

 

3  UNIÃO ESTÁVEL: ASPECTOS GERAIS

A partir da Constituição de 1988, fora considerado mais uma forma de família, a União Estável, que teve um maior delineamento com a inserção das leis 8.791/94 e 9.278/96, sendo definitivamente contornada pelo Livro de Famílias do Novo Código Civil.

A definição do que se pode considerar união estável foge as linhas de compreensão ficta e estabelecida, já que torna-se um conceito muito amplo, assim como o novo conceito de família. Mas há a compreensão de núcleo familiar, de estabelecimento de amor, afeto, e observância ao princípio da afetividade, bem como a sua delimitação monogâmica.

O artigo 1.723 do CC mostra uma evolução e um maior abrangimento do conceito de união estável, bem como extinguiu a exigência de prazo, o que pode ser considerado absurdo. Não há mais uma determinação de tempo fixo, como expresso anteriormente pela lei 8.791/94 (mais de cinco anos), o que hoje pode ser considerado uma evolução no direito de família.

Há também uma maior abertura a quem pode constituir a união estável: excluindo-se os impedidos do art. 1.521 CC, qualquer pessoa poderá formar, desde que queira e tenha intenção de constituir família. Também poderá formar aqueles que legalmente ainda estão casados, mas que encontram-se separados de fato ou judicialmente.

Garante a Constituição, no art. 226 § 3º, a facilitação da conversão em casamento, se os companheiros em união estável assim o desejarem. Entretanto, há uma espécie de paradoxo: nem todos os que vivem assim desejam converter em casamento sua relação, entretanto, hoje, cada vez mais equipara-se ao casamento os direitos e deveres daqueles que vivem em união estável.

Este é um paradoxo com o qual temos que aprender a conviver: ao mesmo tempo em que não queremos a intervenção do Estado em nossas relações mais íntimas, buscamos a sua interferência para lhe dar legitimidade e proteger a parte economicamente mais fraca. Com isso, aqueles que não querem se adaptar às formalidades e regras do casamento civil ficam sem alternativa, pois a regulamentação da união estável está cada vez mais próxima à de um casamento formal. (PEREIRA, 2002, p. 237)

 

Desta forma, verifica-se a importância da concessão de direitos aos casais que mantém um relacionamento estável, bem como seus deveres. Dentre tais direitos, pode-se citar os efeitos para a sucessão e adoção, onde mais uma vez é considerado o afeto como formador de família digna.

3.1 União Estável homoafetiva.

Como dito, a Constituição brasileira de 1988 aprecia a formação familiar pelo principio da afetividade. Isso se deu pela modificação da sociedade, que toma por orientação novos padrões institucionais, como a união estável, regulamentada hoje pelo neoconstitucionalismo e pelo novo Direito de Família do Código Civil de 2002.

Porém, ressalva-se que a Constituição, no art. 226 §3º, considera a união entre um homem e uma mulher como entidade familiar a ser protegida pelo Estado. Entretanto, hoje já é bem comum a união entre pessoas do mesmo sexo, que atendem a todos os requisitos da união estável, isto é, convivem mutuamente em respeito e assistência, de forma afetiva. Não se pode excluir a união homoafetiva como entidade familiar, mesmo com o preconceito existente (sobretudo religioso) e da omissão legal.

Além disso, o texto legal previsto no art. 226 § 3º CF/88 entra em conflito com os próprios princípios norteadores de tal Constituição, como o principio da dignidade humana, da liberdade e, sobretudo o da igualdade.

3.1.1 Princípios Constitucionais – garantia a união estável homoafetiva

Diz a nossa Constituição que todos são iguais perante a lei. Além disso, o principio da igualdade e da dignidade humana são base para que se considere reconhecida a união homoafetiva com união estável, existindo, portanto, um grande paradoxo entre o texto legal que diz que a união afetiva deve ser considerada entre homem e mulher, e tais princípios. A Constituição:

Parece que, ao não regulamentar as uniões homossexuais, as considera inexistentes, em total incoerência com os princípios da dignidade humana, da igualdade e da liberdade. Para suprir este vácuo, das duas uma: ao invés da referência a “um homem e uma mulher”, bastaria utilizar a expressão “entre duas pessoas”; ou, de forma corajosa, deveria elencar a união homoafetiva como entidade familiar. Pois é isto que ela é. Uma família constituída pelos laços de afeto, como qualquer outra. (DIAS, 2007, p.95)

Entretanto, hoje considera-se que tal silencio da lei não significa mais o não-reconhecimento de tal entidade familiar. Os princípios são os norteadores de tais condutas: o da liberdade faz com que o sujeito escolha sua orientação sexual; a dignidade humana, pilar máximo constitucional, faz com que as diferenças sejam respeitadas. E, sobretudo, o princípio da afetividade, que reforça a idéia de constituição familiar.

Logo, entende-se que há sim a instituição da união estável homoafetiva, tendo ela existência legal no plano jurídico nacional, pois “até por uma questão de coerência interna, a conclusão só pode ser uma: desde que uma norma constitucional se mostre contrária a um princípio constitucional, há de prevalecer o princípio” (DIAS apud SUANNES, 2007, p.110).

4 NOVOS CONTORNOS DO DIREITO NA RELAÇÃO FILIAL

A lei 12.010/09 trouxe inovações para com a adoção, regulando-a de forma a adapta-la obedecendo aos princípios da afetividade e da proteção integral a criança e ao adolescente, buscando, com isso, a efetiva proteção que toda e qualquer criança que não dispõe de sua família natural.

Tal lei amplia a possibilidade de adoção anteriormente dispostas no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente, visto a crescente demanda e a pouca procura, já que a adoção ainda é vista com certo receio por parte do brasileiro. Fora o preconceito, já que não é segredo que a maioria das crianças adotadas tendem a ser recém-nascidos, de tez branca.

Tal lei só vem a ratificar a possibilidade de adoção por casal em união estável e, felizmente, não representa um óbice àqueles casais homoafetivos que desejam ampliar a família por meio de adoção. Pelo contrário, o texto legal em inteligência ao ECA só preconiza a sua realização, já que não há nenhum impedimento legal para tal feito.

Assim, diante a atual ausência de lei federal a regulamentar os efeitos das uniões homossexuais no Brasil, autorizados(as) estarão os(as) magistrados(as) da Infância e da Juventude a continuarem se valendo da analogia como instrumento de integração legislativa (arts. 5º, da LICC e 126, do CPC), o que conduz à inevitável aplicação da legislação da união estável aos pleitos de pares do mesmo sexo, atribuindo-lhes todo o plexo de direitos familiares – inclusive, para efeito de adoção em conjunto de crianças e adolescentes. (SILVA JUNIOR, 2007, p. 125)

Convém, portanto, mostrar aspectos específicos acerca da adoção por casal homoafetivo.

5 ADOÇÃO POR CASAL HOMOAFETIVO

A adoção é uma das principais formas de uma criança que encontra-se desamparada e renegada por sua família encontrar uma nova forma de viver em ambiente familiar, adquirindo, assim, conhecimento e podendo, portanto, viver dignamente. É uma das formas mais concretas da efetivação do princípio da proteção integral da criança e do adolescente.

Para tanto, faz-se necessário a utilização de métodos que certifiquem que a vida do candidato à adotante seja realmente resguardada e que ele seja respeitado e verdadeiramente amado. Uma dessas formas é o estágio de convivência, para que se comprove a compatibilidade entre candidatos a pais e filhos e a probabilidade de sucesso na adoção. Outro requisito, como já visto, é a família ter condição de suprir as necessidades básicas de tal criança.

Como visto, a lei não discrimina de forma direta acerca da adoção homoparental, embora ela apresente dificuldades vertentes, tendo como principal fonte o preconceito, talvez o mais cruel, em relação aos homossexuais, pois “inviabiliza a realização do seu projeto pessoal como seres humanos, de terem uma família e filhos a quem dar amor e transmitir o que aprenderam ao longo da vida”(SAPKO, 2005, p.140). As lacunas existentes na lei permitem uma interpretação da adoção de forma diferenciada.

5.1 Lacunas na lei

A lei brasileira não se manifestou ainda com relação à adoção por casais homossexuais, sobre isso apenas a doutrina e jurisprudência posicionam-se, e por sinal divergem entre si. Há um consenso doutrinário e jurisprudencial de que se deva priorizar o interesse da criança em detrimento dos demais interesses em jogo (PERES, 2006, P.145). Esse é o consenso, mas, quanto à adoção por casais homossexuais há grande divergência. Alguns doutrinadores entendem que esta pode ser nociva ao adotado, já outros têm um posicionamento diverso, o mesmo acontecendo com as decisões jurisprudenciais.

Sobre a adoção por casais homossexuais, deve-se salientar que, se, estes estiverem aptos a realizar a adoção, principalmente no que diz respeito a ‘afetividade’ deverão sim ter a chance de adotar, pois a CF em seus princípios garante a igualdade de condições a todos. O que acontece é que a lei deixa uma lacuna quanto à adoção por casais homossexuais, mas, autoriza a adoção por um homossexual.

A norma jurídica brasileira não se posiciona sobre a adoção por casais homossexuais em conjunto, mas, permite a adoção por um solteiro, mesmo que homossexual, e que more com seu parceiro do mesmo sexo, desde que obedecidos os critérios para a adoção. O que se vê, portanto, é que impedimentos acerca da adoção por homoafetivos é a manifestação do mais puro preconceito.

5.2 Preconceito x Direito

Um dos principais problemas em relação a adoção por homoafetivos baseia-se no tradicionalismo e religiosidade de grande parcela da população que, ainda arraigada a pensamentos preconceituosos, veta a homoparentalidade.

Geralmente, quando se trata de adoção por casal homoafetivo, a primeira discussão não é em torno do bem estar da criança, da capacidade dos adotantes e tampouco sobre as condições dos mesmos, mas o simples fato de que não é um casal considerado “normal” pela sociedade, impossibilitando, portanto, a constituição de uma família “digna”.

E o que seria essa normalidade? Como se daria a constituição de uma família digna? É interessante notar que, geralmente, quando se fala de família, a imagem que vem a tona é de pai, mãe e filho. Apenas depois princípios básicos e necessários, como o princípio da afetividade e da proteção integral à criança e ao adolescente são lembrados.

Mas por que isso? Talvez pelo pensamento religioso predominante na formação da população brasileira, ou pelo próprio pensamento de nossos governantes, legisladores e, porque não dizer, de nossos juristas. Tais pensamentos criam absurdos, como o projeto de lei do deputado Zequinha Marinho (em anexo fls. 16 e 17):

O projeto de lei que ora submeto à apreciação da Câmara dos Deputados visa a tornar explícita a proibição da adoção de crianças e adolescentes por “casais” compostos por homossexuais. Tais “casais” – por assim dizer -- não constituem uma família, instituição que pode apenas ser constituída por um homem e uma mulher unidos pelo matrimônio ou pela estabilidade de sua união. A adoção por casais homossexuais exporá a criança a sérios constrangimentos. Uma criança, cujos pais adotivos mantenham relacionamento homoafetivo, terá grandes dificuldades em explicar aos seus amigos e colegas de escola porque tem dois pais, sem nenhuma mãe, ou duas mães, sem nenhum pai. (MARINHO, 2010 P. 1 e 2)

Maria Berenice Dias rebate tais argumentos propostos de forma brilhante:

Não são constatados efeitos danosos ao desenvolvimento moral ou à estabilidade emocional decorrentes do convívio com pais do mesmo sexo. Não dispõe de qualquer sustentação o temor de que o par possa praticar sexo na frente ou com os filhos. Assim, nada justifica a visão estereotipada de que o filho será socialmente estigmatizado ou terá prejudicado p seu desenvolvimento por viver em um lar homossexual (DIAS, 2007, p. 220)

Como explicitado, as controvérsias acerca da adoção homoparental são fomentadas e explicitadas no nosso ordenamento jurídico, sobretudo pelo preconceito. É repugnante saber que princípios constitucionais e do direito de família são renegados pela repulsa de grande parte da sociedade por uma relação entre duas pessoas do mesmo sexo.

As controvérsias sobre o direito à homoparentalidade – ou seja, o direito a paternidade a pares homossexuais – não podem ser solvidas sem ultrapassar a face mais ampla do preconceito e da discriminação, ainda tão enraizadas na nossa cultura. Impõe-se a desconstrução e a edificação de um novo senso comum, baseado em um conhecimento emancipatório e uma nova compreensão da realidade, superando a tendência legislativa de proibir que homossexuais possam legalizar suas uniões, adotar crianças ou lançar mão das técnicas de reprodução artificial para concretizar seu projeto parental (DIAS apud SAPKO, 2009, p. 210)

Esquecem, portanto, dos direitos e, sobretudo, das necessidades de uma das partes mais interessadas na questão da adoção: a própria criança, que tem a oportunidade de viver em um lar digno, em uma família que possa suprir suas necessidades básicas e lhe dar toda a atenção, afeto, educação e outros direitos a ela oferecidos constitucionalmente.

Outra dificuldade bastante encontrada é em questão a um casal adotar, podendo um dos companheiros assumir legalmente a função de pai, e o outro não.

5.2 A adoção por apenas um membro da união homoafetiva

Outra forma de preconceito velado é a permissão de adoção à apenas um membro da sociedade conjugal homoafetiva. Tal permissão por um lado é boa, já que a criança acaba por receber afeto e ter suas necessidades supridas por seu pai ou mãe adotiva, bem como seu companheiro, que acaba por ajudar a criar e educar a criança. Entretanto, ao mesmo tempo torna-se frustrante saber que àquela pessoa que você considera como filho na verdade é apenas filho de seu companheiro, não podendo você participar de algumas outras decisões jurídicas a seu respeito.

Não admitir a adoção pelo casal só vem em desfavor da criança, principalmente quanto aos aspectos assistenciais e patrimoniais. O filho, ao invés de ter todas as prerrogativas pertinentes à filiação, como guarda, alimentos e direitos sucessórios, em relação a duas pessoas, terá apenas ao adotante. (DIAS, 2007, p. 217)

O que existe, hoje, na doutrina é uma explicação absurda para que tal adoção por casal homoafetivo não se realize. E mais absurdo ainda que se baseie no ECA, um estatuto sério, que nada alegou ou restringiu. Alegam que, por se tratar de substituição da filiação biológica, não poderiam constar como pais, já que não há espaços para dois pais ou duas mães, mas sim para um pai e uma mãe.

Trata-se de apenas uma forma de explanação do preconceito, mais velado e disfarçado. Mas, felizmente, o pensamento jurídico nacional tende a transformar-se, dando consentimento a adoção por casais homoafetivos.

5.3 Adoção por casal homoafetivo: uma nova realidade.

 Como visto, para que se adote, é necessário que haja capacidade das partes, principalmente por parte do adotante, que deve ser capaz de fornecer ao adotado todas as condições para seu desenvolvimento pleno. A orientação sexual de uma pessoa não pode ser considerado fato impeditivo, tampouco a manutenção de uma união com companheiro de mesmo sexo.

Não há comprovação de que filhos adotivos com pais homoafetivos seguirão necessariamente tendências a se relacionar com pessoas do mesmo sexo. A verdade é que a união homoafetiva pode ser considerada uma união estável tão comum quanto a heterossexual, já que são constituídas a partir do respeito mútuo, da afetividade e da monogamia.

Aos poucos, entretanto, este viés vem sendo modificado. Talvez pela necessidade de dar um lar à crianças abandonadas, que precisam de atenção e carinho, talvez pela mudança do pensamento do nosso judiciário e até da população brasileira.

O que não pode mais acontecer é a população vedar os olhos a realidade que nos cercam. Hoje está cada vez mais comum casais homoafetivos se assumirem, e há necessidade que se faça cumprir o princípio da dignidade humana, para que se efetue o respeito a eles, e a igualdade entre as pessoas, independente de cor, raça, credo ou orientação sexual.

É de supra importância que os legisladores do Direito elaborem norma constitucional que trate sobre a adoção conjunta por casais homossexuais, pois está em conformidade com a Constituição Federal, e, o que deve ser lavado em conta é se há condições de se desempenhar o papel paternal ou maternal com facilidades, abstraindo-se da orientação sexual dos postulantes da adoção.

É importante que se defira a adoção conjunta a casais de gays ou lésbicas, pois o adotado estará mais amparado no caso de ausência de um dos parceiros, quer ocorra a morte de um deles, quer venham a se separar. Dessa forma, a criança terá seus direito ampliados, pois poderá pleitear eventuais alimentos, benefícios previdenciários ou herança de ambos. Nada mais justo, se, de fato, o casal participa igualmente da criação dessa criança e esta os considera como sendo seus pais, apesar do fato de legalmente a adoção ter sido deferida a apenas um deles. No afã de resguardar os interesses di menor Maria Berenice Dias invoca o surgimento de uma filiação socioafetiva, pois, caso contrário, “o intuito de resguardar e preservar o menor resta por subtrair-lhe a possibilidade de usufruir de direito que de fato possui, limitação que afronta a própria finalidade protetiva à criança e ao adolescente decantada na Carta Constitucional e perseguida pela lei especial”. (PERES, 2006, P. 158)

Como dito, todos são iguais perante a lei, e a lei dá possibilidades iguais para todo tipo de casal (desde que apto para adotar, com boas condições, obedecendo aos requisitos do Código Civil e do ECA), não havendo nenhum impedimento para que casal homoafetivo adote, tendo o nome dos dois membros da sociedade conjugal na certidão da criança. E, aos poucos, a jurisprudência e o entendimento dos magistrados vem mudando, de forma a não fomentar mais o preconceito.

APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. (TJRS, 7ª C. Cível, AC 70013801592 , Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 05/04/2006).

O fato da lei silenciar a respeito da adoção por casais homoafetivos permite que haja uma maior interpretação jurisprudencial, o que dá margem a consumação do que a Constituição, através dos princípios já expostos, permite.

Cabe a sociedade, portanto, aceitar o que as jurisprudências (em anexo nas fls. 14 e 15) e os novos contornos do Direito nacional estão regulando. A adoção por sociedade conjugal homoafetiva torna-se, hoje, uma acepção do direito na sua maior finalidade: realizar a justiça para a sociedade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociedade vem mudando, renovando-se a cada período. Desta forma, muda-se também a nova constituição da família brasileira, construída a partir da Constituição de 1988 e ratificada pelo Novo Código Civil e pelos doutrinadores nacionais.

Desta forma, também verifica-se a existência de um novo tipo de família que surge, encorajadas pelos princípios que regem nosso ordenamento jurídico, bem como uma visão de mundo um pouco menos preconceituosa existente: a união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Cabe salientar que, por questões biológicas, tais casais não podem ter filhos. Entretanto, através do instituto da adoção, tal possibilidade pode vir a concretizar-se. E há apenas ganhos nesta relação: aos pais, que suprem seu desejo a dar afeto a uma criança, e ao próprio adotado, que ganha uma família e pode gozar de dignidade e ver supridas suas necessidades afetivas, tendo assim um crescimento saudável.

Destarte, há ainda muito preconceito em relação a isto. Não se guiam aos princípios da dignidade humana, da igualdade, da afetividade, da proteção integral a criança e ao adolescente, mas sim para uma visão errônea sobre o comportamento de homoafetivos. Entretanto, tal visão de mundo vem sendo modificada aos poucos e, hoderniamente, há uma maior concessão aos direitos assegurados constitucionalmente aos homoafetivos, como o reconhecimento da união estável e a possibilidade de realização de filiação por meio da adoção.

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva – o Preconceito & a Justiça. 4º. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Da união estável. Artigo publicado in DIAS, Maria Berenice e PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família e o novo Código Civil. 2ª Ed. Belo Horizonte: Del  Rey, 2002. P. 225 à 242.

PERES, Ana Paula Ariston Barion. A Adoção por homossexuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

SAPKO, Vera Lucia da Silva. Do direito à paternidade e maternidade dos homossexuais: sua viabilização pela adoção e reprodução assistida. Curitiba: Juruá, 2005.

SILVA JUNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica por casais homossexuais. 3ª ed. Curitiba: Juruá, 2007.

SILVA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30 ed. São Paulo: Malheiros, 2008

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 7ª ed. vol. 6. São Paulo: Atlas, 2007

 

 

 

 

 

ANEXO

UNIÃO HOMOAFETIVA. PENSÃO. SOBREVIVENTE. PROVA DA RELAÇÃO. POSSIBILIDADE. À união homoafetiva que irradia pressupostos de união estável deve ser conferido o caráter de entidade familiar, impondo reconhecer os direitos decorrentes deste vinculo, pena de ofensa aos princípios constitucionais da liberdade, da proibição de preconceitos, da igualdade e dignidade da pessoa humana (TJMG, AC 1.0024.05.750258-5, J. 04.09.2007, rel. Des. Belizário de Lacerda).

Adoção. Casal formado por duas pessoas de mesmo sexo. Possibilidade. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas que as liga a seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa e absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art.227 da CF). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e os adotantes. Negaram provimento. Unânime (TJRS, AC 70013801592, Sétima Câmara Cível, j. 05.04.2006, rel.Des. Luiz Felipe Brasil Santos).

Filiação homoparental. Direito de visitas. Incontroverso que as partes viveram em união homoafetiva por mais de 12 anos. Embora conste no registro de nascimento do infante apenas o nome da mãe biológica, a filiação foi planejada por ambas, tendo a agravada acompanhado o filho desde o nascimento, desempenhando ela todas as funções de maernagem. Ninguém mais questiona que a afetividade é uma realidade digna de tutela, não podendo o Poder Judiciário afastar-se da realidade dos fatos. Sendo notório o estado de filiação existente entre a recorrida e o infante, imperioso que seja assegurado o direito de visitação, que é mais um direito do filho do que da própria mãe. Assim, é de ser mantida a decisão liminar que fixou as visitas. Agravo desprovido (TJRS, AI 70018249631, Sétima Câmara Cível, j. 11.04.2007, rel. Des. Maria Berenice Dias).

MENORES. ADOÇÃO. UNIÃO HOMOAFETIVA. Cuida-se da possibilidade de pessoa que mantém união homoafetiva adotar duas crianças (irmãos biológicos) já perfilhadas por sua companheira. É certo que o art. 1º da Lei n. 12.010/2009 e o art. 43 do ECA deixam claro que todas as crianças e adolescentes têm a garantia do direito à convivência familiar e que a adoção fundada em motivos legítimos pode ser deferida somente quando presentes reais vantagens a eles. Anote-se, então, ser imprescindível, na adoção, a prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer outros, até porque se discute o próprio direito de filiação, com consequências que se estendem por toda a vida. Decorre daí que, também no campo da adoção na união homoafetiva, a qual, como realidade fenomênica, o Judiciário não pode desprezar, há que se verificar qual a melhor solução a privilegiar a proteção aos direitos da criança. Frise-se inexistir aqui expressa previsão legal a permitir também a inclusão, como adotante, do nome da companheira de igual sexo nos registros de nascimento das crianças, o que já é aceito em vários países, tais como a Inglaterra, País de Gales, Países Baixos, e em algumas províncias da Espanha, lacuna que não se mostra como óbice à proteção proporcionada pelo Estado aos direitos dos infantes. Contudo, estudos científicos de respeitadas instituições (a Academia Americana de Pediatria e as universidades de Virgínia e Valência) apontam não haver qualquer inconveniente na adoção por companheiros em união homoafetiva, pois o que realmente importa é a qualidade do vínculo e do afeto presente no meio familiar que ligam as crianças a seus cuidadores. Na específica hipótese, há consistente relatório social lavrado por assistente social favorável à adoção e conclusivo da estabilidade da família, pois é incontroverso existirem fortes vínculos afetivos entre a requerente e as crianças. Assim, impõe-se deferir a adoção lastreada nos estudos científicos que afastam a possibilidade de prejuízo de qualquer natureza às crianças, visto que criadas com amor, quanto mais se verificado cuidar de situação fática consolidada, de dupla maternidade desde os nascimentos, e se ambas as companheiras são responsáveis pela criação e educação dos menores, a elas competindo, solidariamente, a responsabilidade. Mediante o deferimento da adoção, ficam consolidados os direitos relativos a alimentos, sucessão, convívio com a requerente em caso de separação ou falecimento da companheira e a inclusão dos menores em convênios de saúde, no ensino básico e superior, em razão da qualificação da requerente, professora universitária. Frise-se, por último, que, segundo estatística do CNJ, ao consultar-se o Cadastro Nacional de Adoção, poucos são os casos de perfiliação de dois irmãos biológicos, pois há preferência por adotar apenas uma criança. Assim, por qualquer ângulo que se analise a questão, chega-se à conclusão de que, na hipótese, a adoção proporciona mais do que vantagens aos menores (art. 43 do ECA) e seu indeferimento resultaria verdadeiro prejuízo a eles. (STJ, REsp 889.852-RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 27/4/2010)

ANEXO II

 

CÂMARA DOS DEPUTADOS

 

 

PROJETO DE LEI Nº , DE 2010

(Do Sr. Zequinha Marinho)

Veda a adoção de crianças e adolescentes por casais do mesmo sexo.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Esta lei altera o parágrafo 2º do artigo 42 da Lei nº 8.069, de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, para proibir a adoção porcasais do mesmo sexo.

Art. 2º O parágrafo 2º do artigo 42 da Lei nº 8.069, de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação:

 

“Art. 42. ...................................

................................................

§ 2º Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família, sendo vedada a adotantes do mesmo sexo.

........................................ (NR)”

Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação

 

JUSTIFICAÇÃO

O projeto de lei que ora submeto à apreciação da Câmara dos Deputados visa a tornar explícita a proibição da adoção de crianças e adolescentes por “casais” compostos por homossexuais.

Tais “casais” – por assim dizer -- não constituem uma família, instituição que pode apenas ser constituída por um homem e uma mulher unidos pelo matrimônio ou pela estabilidade de sua união.

A adoção por casais homossexuais exporá a criança a sérios constrangimentos. Uma criança, cujos pais adotivos mantenham relacionamento homoafetivo, terá grandes dificuldades em explicar aos seus amigos e colegas de escola porque tem dois pais, sem nenhuma mãe, ou duas mães, sem nenhum pai.

É dever do Estado colocar a salvo a criança e o adolescente de situações que possam causar-lhes embaraços, vexames e constrangimentos. A educação e a formação de crianças e adolescentes deve ser processada em ambiente adequado e favorável ao seu bom desenvolvimento intelectual, psicológico, moral e espiritual.

Por essa razão, a lei, adequando-se aos preceitos constitucionais, deve resguardar os jovens de qualquer exposição que possa comprometer-lhes a formação e o desenvolvimento.

Note-se que o ordenamento jurídico brasileiro não permite a adoção por “casais” homossexuais. Ao mesmo tempo, não torna explícita a proibição. Essa ambiguidade tem levado certos juizes de primeira instância a conceder tais adoções – que são, posteriormente, tornada nulas pelos tribunais superiores.

Creio, portanto, que devemos seguir o exemplo de países como a Ucrânia, que recentemente tornou explícita a proibição de que estamos a tratar.

Assim, conto com o apoio dos membros desta Casa, no sentido da aprovação desta proposição.

Sala das Sessões, em de de 2010.

Deputado ZEQUINHA MARINHO

2009_14226

Disponível em: <www.camara.gov.br/sileg/integras/747302.pdf>. Acesso em 30/05/2010


* Artigo apresentado como Paper da disciplina Família e Sucessões, ministrada pela Prof. Msc. Simone Vinhas na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

** Acadêmicos do 6º Período Vespertino da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

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