A possibilidade de aplicação do princípio da insignificância no direito brasileiro



A possibilidade de aplicação do princípio da insignificância no direito brasileiro

 

Armando Gabriel Nascimento Mendes Dias

Leandro Rodrigues 

 

RESUMO

O presente estudo trata de um princípio surgido em nosso ordenamento jurídico após a Constituição de 1988 devido aos novos respaldos e direitos políticos advindos junto a esta, tais como a adesão ao sistema do Estado Democrático de Direito; a valoração dos princípios como os da legalidade, alteridade, confiança, adequação social, proporcionalidade, humanidade, necessidade, ofensividade e por fim, fragmentariedade, este último intrinsecamente relacionado ao também recém-surgido princípio da insignificância, que nos dias de hoje ainda é acompanhado de controvérsias acerca de sua aplicabilidade.

           

Palavras chave: Direito Penal, princípios, princípio da insignificância, aplicabilidade

Nos dias de hoje, nada obsta que seja aplicado o princípio da insignificância no sistema jurídico brasileiro. Inclusive, já são diversos os casos e julgados que tratam do tema nas mais diversas áreas do direito. Sua incidência é comprovada em casos de lesão corporal, desde que como lesão se tenha uma vermelhidão localizada; aplica-se o princípio também em casos de crimes ambientais, muito embora já houveram pronunciamentos do Tribunal Regional Federal, 1ª região, da seguinte forma:

“a preservação ambiental deve ser feita de forma preventiva e repressiva, em benefício de próximas gerações, sendo intolerável a prática reiterada de pequenas ações contra o meio ambiente, que, se consentida, pode resultar na sua inteira destruição e em danos irreversíveis”. (TRF, 1ª região, ACR 2003.34.00.019634-0/DF)

Importante ressaltar, segundo a palavra de Mauricio Antonio Ribeiro Lopes o seguinte:

“obviamente que ninguém pensará que numa oportunidade qualquer se possa estar diante de um homicídio insignificante, pois seria isso contraditório à própria noção de bem jurídico penalmente protegido e à conseqüente descoberta de que no crime do homicídio o bem juridicamente tutelado é precisamente a vida – mais alto valor numa escala ético-hierárquica pranteada pela Constituição de qualquer Estado Democrático.Individual e singularmente considerado, o direito à vida não oferece dificuldades para reconhecimento e definição de seus limites e formas de proteção” (LOPES, 2000, p. 156).

     O STJ, frente a um caso de tentativa qualificada de furto e concernente ao princípio da insignificância afirma que este:

“surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido de sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima. 2. Indiscutível a sua relevância, na medida em que exclui da incidência da norma penal, aquelas condutas cujo desvalor da ação e/ou do resultado (dependendo do tipo de injusto a ser considerado) impliquem uma ínfima afetação ao bem jurídico.” (HC 108.013-SP, relator Ministro Arnaldo Esteves) pg 142.

  

No que diz respeito aos crimes contra a Administração Pública, há parte da doutrina que concorda com a sua aplicação, tal como diria o renomado autor Fernando Capez, que afirma que:

“com relação à aplicação do princípio da insignificância, nos crimes contra a administração pública, não existe razão para negar sua incidência nas hipóteses em que a lesão ao erário for de ínfima monta. É o caso do funcionário público que leva para casa algumas folhas, um punhado de clips ou uma borracha, apropriando-se de tais bens. Como o direito Penal tutela bens jurídicos, e não amoral, objetivamente o fato será atípico, dado a sua irrelevância”. (CAPEZ, 2012, p. 31)

Entretanto, os tribunais superiores, na maioria dos casos em que são envolvidos os crimes contra a administração pública e o princípio da insignificância, opta por não admitir a sua aplicação sob a justificativa de mesmo não havendo grande lesão ao patrimônio público, é necessário que haja a sua proteção, mas o principal motivo vem a ser a busca do resguardo moral da administração pública, o que torna inviável a afirmação de desinteresse estatal à sua repressão.

O STF, no entanto, fazendo jus ao pensamento vanguardista que se tornou tendência do órgão após a Constituição Federal de 1988 que trouxe uma gama e autonomia de poder nunca antes desfrutada, vem acolhendo a aplicação do princípio da proporcionalidade mínima em quaisquer tipos penais, inclusive nos crimes contra a administração pública, tendo inclusive a sua Primeira Turma tomado posição favorável à sua incidência. Os autos em questão são os do HC 87478/PA, do relator Ministro Eros Grau de 29.08.2006.

O jurista Luiz Flávio Gomes explana:

“em conclusão de julgamento, a Turma (Primeira Turma), por maioria, deferiu habeas corpus impetrado em favor de militar denunciado pela suposta prática de crime de peculato (com, art. 303), consistente na subtração de fogão da Fazenda Nacional, não obstante tivesse recolhido ao erário o valor correspondente ao bem. No caso o paciente, ao devolver o imóvel funcional que ocupava, retirara, com autorização verbal de determinado oficial, o fogão como ressarcimento de benfeitorias que fizera” (GOMES, 2009, p. 137).

 Reconheceu-se, dessa forma, a incidência do princípio da insignificância e o subseqüente trancamento da ação penal.O ministro Sepúlveda Pertence ainda afirma que “embora admitindo a imbricação da hipótese com o princípio da probidade na Administração, asseverou que, sendo o Direito Penal a ultima ratio, a elisão da sanção penal não prejudicaria eventuais ações administrativas mais adequadas à questão” (apud GOMES, 2009, p. 137)

Já o ministro Carlos Ayres Britto, vencido no pleito, achava por bem indeferir a aplicação do princípio da bagatela neste mesmo caso, pois: “tendo em conta não ser ínfimo o valor do bem e tratar-se de crime de peculato, o qual não tem natureza meramente patrimonial, uma vez que atinge, também, a administração militar.” (apud GOMES, 2009, p. 137)

Não bastando controvérsia acerca da sua aplicação nos crimes contra a Administração Pública, ainda existe a questão dos crimes contra o patrimônio, por não existir definição legal do campo de atuação do princípio nestes casos, ao assunto duas são as indagações levantadas:

 “inicialmente porque o desenvolvimento de uma mentalidade mais aceite aos princípios de um Estado Social e Democrático de Direito, que tende à revalorização dos interesses humanos fundamentais; e que é a tônica deste tempo, têm levado mais e mais pessoas a ver, rever e reverter os desastres que uma penal criminal podem causar às vítimas do sistema penitenciário, e o desvalor ético que se projeta na proteção da propriedade com a perda da liberdade do ofensor – o que hoje parece ser demasiado. Depois porque a legislação, por vezes, no afã de privilegiar uma infração que materialmente produz um resultado lesivo que, segundo critérios não muito bem explicados ou definidos até hoje, possa ser considerado de pequeno valor, defere já alguma espécie de benefício, obstando a expressão mais assídua do princípio da insignificância.” (LOPES, 2000, p. 163).

Quando envolvidos prefeitos municipais e o erário público, o fato do agente ocupar o cargo que ocupa não faz com que a incidência do princípio seja excluída, bem como o fato do delito atingir bens pertencentes à Administração Pública também não impede que o princípio da bagatela seja aplicado. É necessário que se faça a análise do caso concreto. De acordo com Luiz Flávio Gomes:

 “a denegaçãoin genere do princípio da bagatela, só em razão da qualidade do agente ou do bem jurídico contraria a lógica do razoável. Direito penal é direito do caso concreto (...) não se pode negar a incidência do princípio da insignificância genericamente. Aquilo que exige uma análise detalhada de cada caso concreto não pode ser varrido do ordenamento jurídico com bandeiras generalistas” (GOMES, 2009, p. 149).

Em suma, o pensamento a ser seguido ao se analisar os casos em que se tem presente o princípio da bagatela, e que inclusive tem sido utilizado como arcabouço teórico à aplicação do mesmo, de acordo com Luiz Flávio Gomes, é que:

 “a casuística é que vai definindo, em suma, a aplicação (ou não) do princípio da insignificância. Considerando-se a inexistência de lei, o tema fica muito ao sabor das convicções ideológicas de cada julgador. Não parece excessivo repetir: os juízes adeptos da ideologia punitivista da segurança tendem a aplica a insignificância restritivamente; ao contrário, os juízes que seguem a ideologia humanista da equidade tendem a admitir a insignificância de forma mais ampla. Dentre todos os critérios que estão sendo levados em conta para a aplicação do referido princípio impõe-se que o leitor preste atenção em mais um deles: o ideológico (que é decisivo em quase todos os casos)” (GOMES, 2009, p. 143).

Entrando no campo da reincidência, caso um agente pratique inúmeros crimes de potencial insignificante, é mister fazer a seguinte distinção: “1) a multirreincidência ou reiteração cumulativa da 2) multirreincidência ou reiteração não cumulativa do 3) fato único cometido por um agente reincidente” (GOMES, 2009, p. 104).

Quanto à multirreincidência ou reiteração cumulativa, ela ocorre quando um agente pratica reiterados atos que em conjunto, não geram um resultado insignificante, podendo ser muito ao contrário disso, e que afastam a aplicabilidade do princípio da insignificância.

A multirreincidência ou reiteração não cumulativa se perfaz com a prática de vários crimes de potenciais insignificantes, mas não contra uma mesma vítima nem de forma cumulada, são desconexos no tempo e/ou lugar e, portanto seriam passíveis da aplicação do princípio da insignificância de acordo com o entendimento desta obra. Como não há regulamentação legal para a aplicação do princípio central deste estudo, a sua incidência fica a critério subjetivo e particular bem como da análise dos julgadores em cada caso concreto, tendo essa matéria já sido, e ainda sendo regularmente debatida pelos tribunais superiores (STJ e STF).

Luiz Flávio Gomes ainda afirma que:

“circunstâncias de caráter eminentemente subjetivo, tais como reincidência, maus antecedentes e, também, o fato de haver processos em curso visando à apuração da mesma prática delituosa, não interferem na aplicação do princípio da insignificância, pois este está estritamente relacionado com o bem jurídico tutelado e com o tipo do injusto.” (GOMES, 2009, p. 105).

Ressalta-se que o STJ possui certa uniformização ao entender que não são considerados os critérios subjetivos do agente para a aplicação do princípio da insignificância.

Por fim, o fato único insignificante cometido por réu reincidente, por se tratar de ato único e isolado, não há motivo para ser afastada a incidência do princípio da bagatela, que deve ser aplicado com observância a critérios objetivos:

 “isso significa que só o fato do réu ser reincidente não pode ser critério impeditivo para a incidência do princípio da insignificância, que é objetivo. Para sua aplicação não contam os dados pessoais do agente, sim, as peculiaridades do caso concreto. O fato é insignificante (ou não) independentemente das condições pessoais do agente (maus antecedentes, reincidência etc.). Dessa forma o juiz deve analisar o fato. Essa é a regra geral. Agente com processo em andamento, de outro lado,não constitui motivo suficiente para a denegação da incidência do princípio da insignificância.” (GOMES, 2009, p. 107).

            O princípio da insignificância ainda é um instituto que embora suas raízes datem de tempos passados, só recentemente tem sido tratado com mais importância pela sociedade, inclusive no que diz respeito à Administração Pública, é esperado que a sua inserção seja lenta e gradual. O Supremo Tribunal Federal tem agido nesse caso, assim como em vários outros como é seu costume, de forma vanguardista, almejando sempre a simplificação e celeridade do sistema jurídico nacional.

REFERÊNCIAS:

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1, parte geral: (arts. 1º a 120). 16ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz da lei 9.503/97, código de trânsito brasileiro e da jurisprudência atual. 2ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

 


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