Teoria da Evolução: análise de uma teoria sob um novo olhar epistemológico



Teoria da Evolução: análise de uma teoria sob um novo olhar epistemológico

 

Andrea Oliveira da Fraga Goulart

 

 

Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro/PROPEC/Mestrado Profissional em Ensino de Ciências/Campus Nilópolis

Resumo: Este trabalho pretende fazer um estudo sobre o desenvolvimento de uma teoria científica através dos tempos e da metodologia usada pelos pesquisadores para desenvolvê-la. O olhar sobre o estudo da evolução das espécies e suas origens a partir do positivismo, do método científico baconiano até os filósofos atuais como Popper, Kuhn e Lakatos, que se preocuparam em desconstruir o fixismo das teorias científicas. A observação da metodologia de estudo de uma teoria como a da evolução oferecem subsídios riquíssimos para a construção de novas teorias.

 

Palavras-chave: epistemologia, história e filosofia da ciência.

Abstract: This paper intends to do a study on the development of a scientific theory through the ages and the methodology used by researchers to develop it. The look on the study of evolution and its origins from the positivism of the Baconian scientific method to the current philosophers like Popper, Kuhn and Lakatos, who bothered to deconstruct fixism of scientific theories. The observation of a methodology to study the evolution theory as to provide additional riquíssimos for the construction of new theories.

Keywords: epistemology, history and philosophy of science.

 

 

Introdução

 

            O pensamento evolucionista permeava o imaginário de muitos cientistas ligados às ciências naturais. As primeiras tentativas de explicação sobre a origem do homem e de todos os demais seres vivos que habitam o planeta vieram das religiões o que satisfazia a uns e a outros não.

            Este artigo tem a proposta de dialogar com a epistemologia da construção desta teoria. Epistemologia em seu conceito mais simples significa ‘estudo da produção do conhecimento’ (MASSONI, 2005). O estudo da história da ciência proporciona o conhecimento causal da construção científica e o desenvolvimento temporal e conceitual de teorias, leis ou fenômenos.

A observação da construção de uma teoria pressupõe o conhecimento do seu processo histórico. Este trabalho apresenta a Teoria da Evolução do Homem, observada à luz de alguns filósofos que se opunham às ideias positivistas como Kuhn, Lakatos, Popper, Feyerabend. De acordo com VILLANI (2001) “eles constituíram um bloco que rejeitava as teses positivistas de que o desenvolvimento da ciência é explicado fundamentalmente pela obtenção de dados experimentais mais refinados e pela elaboração de teorias mais abrangentes.” A teoria evolutiva pode ser considerada um grande fenômeno científico desenvolvido em diversos momentos e, que de acordo com o olhar destes filósofos, foi adquirindo dados mais refinados e se tornando mais abrangente.

A evolução de uma teoria

            A observação da herança de caracteres pelos descendentes de todas as espécies sempre foi um chamado para muito naturalistas se dedicarem a pesquisa. A teoria da evolução teve início com a publicação do livro “A Origem das Espécies” de Charles Darwin, mas o pensamento evolucionista já havia tomado forma através dos naturalistas que já se dedicavam a estudar as transformações ocorridas em todas as espécies animais e também no próprio planeta. Ridley informa que

“O cientista francês Maupertuis discutiu a evolução, assim como o fi zeram enciclopedistas, como Diderot. O avô de Darwin, Erasmus Darwin, é um outro exemplo. Contudo, nenhum desses pensadores elaborou qualquer idéia que pudesse ser reconhecida hoje como uma teoria satisfatória para explicar por que as espécies mudam. Eles estavam interessados principalmente na possibilidade fatual de que uma espécie poderia transformar-se em outra.” (RIDLEY, 2006)

            Mas apenas a partir de Lamarck, um também naturalista francês a ideia de uma teoria começou a ganhar espaço entre os acadêmicos científicos. “As espécies não são imutáveis, mas transformam-se ao longo do tempo, como sugere o registro fóssil” (CEDERJ, 2012), essa foi uma das primeiras teorias a tratar da evolução, defendida por naturalistas anteriores a Lamarck.

            Esta teoria serviu de princípio para os estudos de Lamarck que se preocupou em explicar as mudanças ocorridas nas espécies. Surgiram suas duas grandes vertentes: o uso e o desuso de partes do corpo e a herança de caracteres adquiridos. Nesta teoria Lamarck sugeria que:

“À medida que um organismo se desenvolve, ele adquire muitos caracteres individuais, nesse sentido biológico, devido à sua história particular de acidentes, doenças e exercícios musculares. Lamarck sugeriu que uma espécie poderia ser transformada se essas modificações adquiridas individualmente fossem herdadas pela progênie do indivíduo.” (RIDLEY, 2006)

            Darwin ao se interessar por explicações que elucidassem as mudanças ocorridas nos indivíduos durante os milhares de anos de existência do planeta, iniciou um caminho de pesquisas e, durante a sua viagem à bordo do navio Beagle recolheu material que permitiram a elaboração da sua teoria que culminaram na sua obra prima “A Origem das Espécies”. No século XX, graças às descobertas mendelianas pode-se entender aspectos evolutivos que Darwin não conseguia explicar porque não conhecia o complexo mecanismo do DNA. Surge neste período a teoria neodarwinista que manteve o conceito de seleção natural, da adaptação dos seres, entre tantos outros conceitos, mas que somado ao conhecimento genético vem desvendando antigos segredos.

“Outras descobertas importantes no século XX têm revelado uma série de fenômenos conhecidos por herança neolamarckista ou epigenética. Tais descobertas mostram que mudanças adquiridas podem se perpetuar por gerações seguintes. Esse novo tipo de herança não revoga o poder evolutivo da seleção natural, mas sugere que novos fenótipos podem surgir sem modificações no material genético. Esses novos fenótipos se-riam decorrentes de modificações epigenéticas. Até aí nenhuma novidade, pois sabemos da genética clássica que um fenótipo não é inteiramente determinado pelos genes. Porém, ao que tudo indica, algumas alterações epigenéticas adquiridas ao longo da vida podem se perpetuar ao longo de gerações, mudando o curso da evolução.” (CEDERJ, 2012)

            Além dos indivíduos a teoria também evolui. Suas mudanças são decorrentes de novas pesquisas e avanços científicos que permitem novos olhares sobre o mesmo assunto, e desta forma a história da ciência registra esse processo construtivo do saber.

Aspectos Epistemológicos de uma teoria

           

O método tradicional de pesquisa se baseia no da indução baconiano, “o procedimento indutivo seria utilizado como critério de demarcação entre o que é científico e o que não é, isto é, proporcionaria um sinal diferenciador do caráter empírico e não-metafísico de um sistema teórico voltado à explicação de fenômenos naturais” (ZANECTI, 2006).

            Os novos olhares dos filósofos sobre a construção de teorias possuem algo em comum: todos são contra a postura positivista da ciência. Ao dialogar com Popper percebe-se que sua crítica ao método indutivo o levou a questionar a verificação e sugerir o falseamento. Para Popper toda teoria poderia ser refutada e este ponto daria veracidade à mesma. Ele analisaria a teoria evolucionista e procuraria pontos falseáveis e não-falseáveis para poder refutá-la. Zanecti (2006) também coloca que

 “para Popper o objetivo maior da ciência seria a busca da verdade a respeito da natureza, no entanto ele afirmava que essa verdade é inatingível e, assim, só nos restaria buscar uma aproximação cada vez melhor dessa verdade, e para tanto estabelece, através do critério de refutabilidade, a construção de conjecturas e refutações em sucessão.” (ZANECTI, 2006)

Massoni (2005) coloca que as ideias de Popper “podem ser sintetizadas no racionalismo crítico, o conhecimento científico entendido como uma construção do homem; na refutabilidade como critério de demarcação entre o discurso científico e outros tipos de conhecimento.” Ele partia do pressuposto que se uma teoria não pudesse ser refutada, não seria considerada científica. As teorias evolutivas apresentadas por Lamarck e Darwin apresentavam diversos pontos de refutação, podendo ser considerada como científica. Para Popper não se podia provar que uma teoria fosse verdadeira apenas por causa de estudos empíricos, mas se uma teoria pudesse ser refutada, ela seria verdadeira.

            Sob o olhar de Thomas S. Kuhn, a teoria da evolução deveria criar novos paradigmas para gerar uma revolução científica, o que realmente se identifica nas proposições de Darwin. A teoria evolutiva de Darwin baseava-se na observação dos diferenciais anatômicos existentes entre as espécies, ele levantou hipóteses baseadas em observações, sem relatar experimentações. Partiu da análise dos pressupostos de Lamarck e as comparou com tudo o que observou durante sua viagem no Beagle. 

            Desenvolvendo o olhar sobre a teoria a partir das observações de Lakatos, que tentou aperfeiçoar o falseamento de Popper, observaremos a teoria da evolução como um programa de pesquisa. Segundo Chalmers (1993) “um programa de pesquisa lakatosiano é uma estrutura que fornece orientação para a pesquisa futura de uma forma tanto negativa quanto positiva”. Estas formas são chamadas de heurísticas negativas e positivas. A positiva mostra ao cientista o que ele deve fazer e a negativa mostra ao cientista que sua pesquisa possui um núcleo irredutível que não deve ser modificado.

Tanto Lamarck, quanto Darwin realizaram suas pesquisas durante o século XXI, período do modelo positivista, mas a teoria perdurou. A cada nova descoberta científica a teoria é aperfeiçoada, o que demonstra que ela possui um núcleo irredutível, que não foi modificado, mas os programas de pesquisa foram sendo ampliados. A teoria evolutiva foi desenvolvida por Darwin a partir das hipóteses do programa de pesquisa de Lamarck e o Neodarwinismo, a partir das hipóteses do Darwinismo. A cada nova descoberta, aspectos foram agregados ao conhecimento inicial. Esse olhar permitiu uma nova forma de fazer ciência.

Lamarck ao desenvolver seus pressupostos sobre a evolução formulou hipóteses que explicassem fatos observados por ele na sua vida presente. Por exemplo, para explicar o pressuposto da herança dos caracteres adquiridos, elaborou uma hipótese sobre o crescimento do pescoço da girafa, através do esforço consecutivo para pegar alimentos no alto das árvores. Durante o decorrer dos anos as girafas alongaram seus pescoços. “Lamarck pressupunha que os indivíduos possuíam uma força interna que o levava a produzir uma prole diferente de si próprio”, (Ridley, 2006). A explicação para ‘força interna’ derivou de onde? Qual foi o método usado por Lamarck para elaborar essa hipótese?

Qual foi a limitação do desenvolvimento da teoria de Lamarck? Darwin inicia suas pesquisas a partir do programa de pesquisa de Lamarck. Em ALMEIDA e FALCÃO (2010) pode-se ver que

“nesse contexto histórico, os objetivos teóricos do programa de pesquisa de Darwin eram, em primeiro lugar, negar o fixismo das espécies e, em segundo lugar, negar a criação em separado das mesmas. Tal programa de pesquisa tem, como núcleo firme, uma hipótese observacional centrada na imensa variedade dos seres vivos, seja na condição de domesticação, seja na condição selvagem, atuando sobre estas variações o mecanismo operatório da seleção natural. Este núcleo firme foi defendido por um conjunto de hipóteses auxiliares, que podem ser consideradas como seu cinturão protetor, constituindo sua heurística negativa”. (Almeida e Falcão, 2010)

  Darwin procura formular hipóteses diferentes para provar que os caracteres não são adquiridos pelas espécies através do uso ou desuso, mas que passam por um processo de seleção natural e de adaptações através de sucessivas gerações. O que se observa é que nem Lamarck, nem Darwin conseguiram explicar em detalhes acontecia até o surgimento do mendelismo. Gregor Mendel ofereceu à humanidade e contribuiu com a mesma elucidando o enigma dos genes. E, no século XX, a teoria de Darwin segue sendo reformulada, por causa das descobertas no campo da genética, que permitiram o conhecimento do genoma humano, das mutações que ocorrem no gene e como estes e outros fatores interferem na evolução das espécies.

Apesar das teorias anteriores ao neodarwinismo mostrarem pontos frágeis, não foram rechaçadas, elas são preservadas como etapas de construção de um grande conhecimento. Lakatos diz que “o desenvolvimento de um programa de pesquisa envolverá não somente a adição de hipóteses auxiliares adequadas, mas também o desenvolvimento de técnicas matemáticas e experimentais adequadas” (Chalmers, 1993). O uso dos programas de pesquisa de todos os naturalistas que se dedicaram a estudar a evolução das espécies, permitiram que tivéssemos o que hoje nos explica a origem das espécies no planeta Terra.

Conclusão

 

            A história da ciência se preocupa com o desenvolvimento da ciência e de como fenômenos científicos se estabeleceram como teorias através dos tempos. A forma como os cientistas estudam e elaboram suas teorias, como o método científico se estabeleceu, o positivismo e o fixismo.

            Aborda atualmente a filosofia da ciência através do olhar de filósofos modernos como Popper, Kuhn e Lakatos, abordados neste trabalho. Estudiosos que se preocuparam em rever o fixismo com que se estabeleceram pressupostos científicos de épocas passadas.

Referências Bibliográficas

 

ALMEIDA, A.V; FALCÃO, J.F.R. As teorias de Lamarck e Darwin nos livros de Biologia no Brasil. Ciência & Educação, v. 16, n. 3, p. 649-665, 2010. Disponível em:

http://www.scielo.br/pdf/ciedu/v16n3/v16n3a10.pdf. Acesso em: 20/09/2012.

CEDERJ. Evolução como teoria. Orientações Pedagógicas. Biologia, 3º bimestre, 1º ciclo. Fundação CECIERJ, Consórcio CEDERJ, 2012.

CHALMERS, A.F. O que é ciência afinal? Editora Brasiliense, 1993.

MASSONI, N.T. Epistemologias do século XX. Textos de Apoio ao Professor de Física. Vol. 16, n. 3, 2005.

RIDLEY, M. Evolução. Artmed. 1ª edição, 2006.

VILLANI, A. Filosofia da Ciência e Ensino de Ciência: uma analogia. Revista Ciência & Educação, v.7, n.2, p.169-181, 2001.

ZANECTI, J. Evolução da Filosofia. Textos de Evolução. IFUSP, 2006.

            

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Autor: Andrea Oliveira Da Fraga Goulart


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