CRIMES AMBIENTAIS: ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO AMBIENTAL E APLICAÇÃO DA LEI 9.605 DE 1998



CRIMES AMBIENTAIS: ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO AMBIENTAL E APLICAÇÃO DA LEI 9.605 DE 1998

As disposições gerais da Lei Federal n. 9.605/98 procuraram atender não só os regramentos que fundamentam o direito criminal e penal constitucional, como as especificidades criadas pelo direito criminal ambiental constitucional e pelo direito penal ambiental constitucional. Com efeito, além de apontar a possibilidade de aplicação de sanções penais para as pessoas físicas (...), bem como indicar diversas modalidades de culpa em matéria ambiental (art.2º), projetou importante hipótese no sentido de responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas (art.3º), sejam elas de direito público ou de direito privado (...).

(FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.)

Patrick Alves Silva1



1. Introdução

É público e notório que a proteção ao meio ambiente é de fundamental importância. Assim, passou-se a exigir uma maior atuação do Direito no que se refere à matéria ambiental e no Brasil não foi diferente.

Depois de se constatar que alguns ecossistemas não são infinitos e que poderiam ser comprometidos de forma irreversível, a legislação de alguns países passou a ater-se à matéria ambiental.

Juntamente com essa ideia de que os bens ambientais podem esgotar surgiu, no século XX, o direito ambiental, como sendo a área do conhecimento jurídico que estuda as interações do homem com a natureza e os mecanismos legais para a proteção do meio ambiente.

No início, o direito ambiental pautava-se em uma visão antropocêntrica, que procurava administrar o meio ambiente, objetivando desenvolvimento através dos recursos ambientais. A crítica que surgiu dessa visão é o fato de que nela o homem é o destinatário e não a vida em todas as suas formas, como o é para a visão ecocêntrica.

O direito ambiental brasileiro surge com a Lei. 6.938 de 1981, que é denominada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, “visando assegurar condições ao desenvolvimento socioeconômico, à segurança nacional e à proteção da dignidade em uma perspectiva de preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental.” (MATTEI, 2006).

Além desse e da própria Constituição Federal de 1988 (CF/88), existe atualmente outros meios de se assegurar a proteção do meio ambiente, sendo um dos principais a Lei dos Crimes Ambientais, Lei Federal n° 9.605, promulgada em 1998, que veio a tipificar condutas potencialmente lesivas ao meio ambiente, fixando os sujeitos dos crimes ambientais e prevendo duras sanções, a fim de reprimir os atos atentatórios ao meio ambiente.

 

2. O Direito Ambiental na Constituição de 1988

 

Com o advento da Constituição de 1988 e a inauguração do Estado Democrático de Direito, passaram a ser tutelados os denominados direitos de terceira geração, que são aqueles direitos difusos e coletivos, sem destinatários específicos, como é o caso do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, tornando-se a CF/88 um marco histórico no que tange à proteção ambiental, pois dedicou todo um capítulo à matéria.

O referido capítulo é o intitulado “Do Meio Ambiente”, artigo 225 da CF/88. O caput deste artigo diz: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (CF/88, art.225)

Desta maneira, o meio ambiente passa a ter sua proteção oponível contra o interesse particular de qualquer espécie, e a fim de que tal proteção se efetive a constituição incube ao poder público, através dos sete incisos do parágrafo primeiro do artigo 225, preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais; prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País; fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos; e exigir estudo prévio do impacto ambiental em casos de obras e atividades que possam provocar degradação.

Ademais, o Poder Público também deve controlar a produção, comercialização e emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino, conscientizar quanto à proteção do meio ambiente e proteger a fauna e a flora.

Por outro lado, também foram atribuídos aos particulares alguns deveres, no parágrafo segundo e terceiro do artigo 225, sujeitando os autores de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Por fim, o artigo 225 traz mais três parágrafos referentes à proteção ambiental.

 

3. Aplicação da Lei 9.605/98

 

Conforme já mencionado, a necessidade de uma repressão maior aos atos contrários à proteção do meio ambiente, ensejou na criação da Lei 9.605/98, para através desta tipificar condutas e fixar penalidades.

Como não há crime sem lei anterior que o defina, foi a Lei 9.605/98 responsável por estabelecer quais fatos serão tidos como típicos e antijurídicos e, portanto, crimes ambientais.

 

3.1 Objetividade Jurídica

 A Lei dos crimes ambientais tutela o meio ambiente, estando sob o título “Dos crimes contra o meio ambiente” as seguintes seções: “Dos Crimes contra a Fauna”, “Dos Crimes contra a Flora”, “Da Poluição e Outros Crimes Ambientais”, “Dos Crimes contra o Ordenamento Urbano e Patrimônio Cultural” e “Dos Crimes contra a Administração Ambiental”.

Os artigos 29 a 37 protegem a fauna enquanto bem ambiental, caracterizando diferentes situações. Quanto à Flora, tem-se que “a proteção de nossas florestas, assim como o enfrentamento de situações lesivas ou mesmo ameaçadoras à biota são o fundamento básico para aplicação dos crimes contra a flora (...)” (FIORILLO, 2009, p.529).

A proteção quanto à poluição e outros crimes ambientais é tida como a mais importante, uma vez que se refere à proteção também da incolumidade físico-psíquica da pessoa humana, além de proteger o meio ambiente do trabalho e outros bens ambientais.

Os crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural objetivam proteger também o meio ambiente artificial e o meio ambiente cultural, e os crimes contra a administração ambiental tem por escopo garantir a efetiva atuação do Poder Público, no que tange ao dever de defender e preservar o direito ambiental para as presentes e futuras gerações, conforme previsão do artigo 225 da CF/88.

 

 3.2 Sujeitos do crime ambiental e a responsabilidade da pessoa jurídica

A lei dos crimes ambientais, em seu artigo 2º, já estabelece que:

“Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro do conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.” (Lei 9.605/98, Art. 2º)

.Dessa forma, entende-se como sujeito ativo dos crimes ambientais qualquer pessoa, seja ela física ou jurídica, e como sujeito passivo a coletividade, conforme se extrai do texto do artigo 225 da CF/88.

No que tange à responsabilidade das pessoas jurídicas, o artigo 3º da lei dos crimes ambientais é taxativo ao estabelecer que poderão ser responsabilizadas administrativa, civil ou penalmente, desde que observados dois requisitos, quais sejam: que a infração seja cometida por decisão do representante legal ou contratual da pessoa jurídica, ou de seu colegiado; ou que a infração tenha sido cometida no interesse ou em benefício da pessoa jurídica

Assim, a impossibilidade de encarceramento da pessoa jurídica não obsta que seja responsabilizada penalmente pelos crimes ambientais que cometer. E, apesar de haver divergências, a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público será objetiva, segundo entendimento da corrente majoritária.

 

3.3 Aplicação das penalidades previstas na lei 9.605/98

 A Lei dos crimes ambientais tipificou várias condutas e a elas estabeleceu penalidades, podendo ser multa, penas privativas de liberdade e ainda serem substituídas estas pelas penas restritivas de direito, que são autônomas, como prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos, suspensão parcial ou total de atividades, prestação pecuniária ou recolhimento domiciliar.

Segundo a previsão feita pelo artigo 6º, para a imposição e gradação das penalidades, deverão ser observados, pela autoridade competente, a gravidade do fato, os antecedentes do infrator no que se refere à legislação ambiental e a situação econômica deste, no caso de multa.

Conforme já dito, as penas privativas de liberdade, por força do artigo 7º da lei 9.605/98, serão substituídas pelas restritivas de direito, com a mesma duração, quando atenderem a dois critérios: “I - tratar-se de crime culposo ou for aplicada a pena privativa de liberdade inferior a 4 anos; II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias do crime indicarem que a substituição seja suficiente para efeitos de reprovação e prevenção do crime.” (Lei 9.605/98, art. 7º, I e II). Dessa forma, as penas privativas de liberdade acabam por ocorrer, na prática, só em casos excepcionais.

O procedimento adotado pelo Juiz é o de fixar, primeiramente, a pena privativa de liberdade e, se atendidos os critérios para a substituição, fazê-la por uma pena restritiva de direito, com a mesma duração que teria aquela.

A Lei dos crimes ambientais então, do artigo 8º ao 13, estabeleceu quais são as penas restritivas de direito, já mencionadas, dedicando um artigo a cada uma delas.

Ainda quanto à aplicação da pena, encontra-se disposto na lei dos crimes ambientais quais as circunstâncias que atenuam a pena (artigo 14) e as que a agravam quando não constituem ou qualificam o crime (artigo 15).

Quanto à pena de multa, esta será calculada com base no Código Penal e, se considerada ineficaz, poderá ser aumenta em até 3 (três) vezes, mesmo que tenha sido aplicada no valor máximo.

No que se refere à reparação do dano ambiental, será fixado na sentença penal condenatória o valor mínimo, sempre que possível, dos danos causados pela infração. E quanto à possibilidade de suspensão condicional da pena, o artigo 16 dispõe que: “(...) pode ser aplicada nos casos de condenação a pena privativa de liberdade não superior a 3 (três) anos.”

Para as pessoas jurídicas, a Lei, em seu artigo 21, estabeleceu que podem ser aplicadas as penas de multa, restritivas de direito (previstas no artigo 22), de prestação de serviços à comunidade, de liquidação forçada ou de desconsideração da pessoa jurídica.

 

3.4 Inquérito Civil no âmbito da lei n. 9.605/98 e competência

 A referida lei aplicou nas hipóteses de perícia de constatação de dano ambiental o instituto do inquérito civil, podendo a perícia produzida no inquérito civil ser utilizada também no processo penal, sendo observado o devido processo legal.

Na medida em que cuidamos de proteção ambiental, torna-se desnecessário tecer longos comentários a respeito da importante medida criada pelo legislador: é pelo inquérito civil que o Ministério Público pode adiantar suas investigações visando inclusive imediatas providências de índole processual; seja no campo denominado “processo civil”, seja agora no campo denominado “processo penal”. (FIORILLO, 2009, p.525)

 Em se tratando de competência, há uma complexidade no que se refere a estabelecer as suas regras. Recentemente, por decisão da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, a orientação da referida corte passou a ser a de que, em regra, a competência é da justiça estadual.

A Lei dos crimes ambientais trata da ação e do processo penal em seus artigos 26, 27 e 28, sendo importante observar que nas infrações penais contidas na lei a ação penal será a pública incondicionada.

 

4. Conclusão

 A importância de se proteger o meio ambiente é inquestionável e, em se tratando da previsão jurídica de sanções para atos atentatórios ao meio ambiente, o que há a se falar é que o pensamento jurídico-ambiental evoluiu e que a promulgação da Lei 9.605/98 mostrou-se relevante pelas inovações que trouxe e pelo fato de ajudar na consolidação do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, desejo do constituinte de 1988.

 

1 Servidor Público do Município de Montes Claros/MG. Acadêmico do 8º período de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES

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