''Golden Shares'' (Ações de Ouro ou Ações Douradas)



1. Introdução

Este trabalho tem por objetivo analisar as “Golden Shares” (ações de ouro ou ações douradas numa tradução literal), seu conceito, história e aplicação no direito societário brasileiro.

A participação dos integrantes de uma sociedade é representada pelo número de ações que esse integrante, seja ele uma pessoa física, jurídica ou ente estatal. E essas ações possuem espécies, conforme relacionadas nos artigos 15, 16 e 17 da Lei 6.404/76 (comumente conhecida por Lei das Sociedades Anônimas), que serão aqui expostas, mas só serão brevemente abordadas quando formos tratar das funções de uma “golden share”: temos as (i) ações ordinárias; as (ii) ações preferenciais e as (iii) ações de fruição.

Além e acima destas, se considerarmos a questão dos possíveis poderes que cada classe de ação pode proporcionar a seus detentores, temos aquela que será o foco deste estudo: as ações de classe especial, conhecidas como “Golden Share”. Passemos assim a uma análise histórica do surgimento dessa ação no direito brasileiro.

2. Histórico das Golden Shares na legislação brasileira

No Brasil as “Golden Shares” apareceram pela primeira vez com a Lei 8.031/90, mais precisamente no artigo 8º que dizia: “Sempre que houver razões que o justifiquem, a União deterá, direta ou indiretamente, ações de classe especial do capital social de empresas privatizadas, que Ihe confiram poder de veto em determinadas matérias, as quais deverão ser caracterizadas nos estatutos sociais das empresas, de acordo com o estabelecido no art. 6°, inciso XIII e §§ 1° e 2° desta lei.”.

Com a revogação da Lei. 8.031/90 pela Lei 9.491/97, houve uma alteração aparentemente simples, mas muito importante para o propósito das “Golden Shares”. Vejamos o artigo 8º da Lei. 9419/97

Art. 8º Sempre que houver razões que justifiquem, a União deterá, direta ou indiretamente, ação de classe especial do capital social da empresa ou instituição financeira objeto da desestatização, que lhe confira poderes especiais em determinadas matérias, as quais deverão ser caracterizadas nos seus estatutos sociais.

Observe-se que do texto da primeira para a segunda lei, tivemos uma alteração quase imperceptível do ponto de vista textual, mas gigantesca na atuação das “Golden Shares”: “...da empresa ou instituição financeira objeto da desestatização...”. A inclusão da opção de criação das ações de classe especial também no contrato social de instituições financeiras. Veremos mais adiante que as “Golden Shares” tem uma grande utilidade para a administração pública, que ganhou uma ferramenta para manter certa dose de controle em objetos de desestatização, incluindo, após essa adição ao texto legal, sua possível participação em instituições financeiras.

Finalmente, com a Lei 10.303/01 tivemos a inserção das “Golden Shares” na Lei das Sociedades Anônimas, conforme se observa do artigo 17, §7º:

§7º Nas companhias objeto de desestatização poderá ser criada ação preferencial de classe especial, de propriedade exclusiva do ente desestatizante, à qual o estatuto social poderá conferir os poderes que especificar, inclusive o poder de veto às deliberações da assembléia-geral nas matérias que especificar.”

Mais uma pequena alteração textual na redação deste artigo causou enorme mudança na aplicação das “Golden Shares”: a inclusão do termo “ente desestatizante” substituiu “União”, permitindo assim que não só a União, mas também os demais entes estatais que controlem companhias possam ser titulares das ações especiais, sendo essa a atual redação que prevê as “Golden Shares” no Direito Brasileiro.

3. Ações de classe especial – conceito e funções

O Estado, num conceito mundial, é provedor de diversos serviços essenciais à população e, para melhor organização e provimento destes serviços, geralmente cria uma série de agências, autarquias e empresas destinadas a prestar referidos serviços.

Com o movimento de liberalismo econômico, algumas dessas agências, autarquias e empresas públicas foram objeto de privatizações, diminuindo o controle e influência do Estado na economia.

Ocorre que, em certos casos, de extrema importância não só política como também econômica, era necessária uma intervenção direta e não apenas fiscalizatória e a partir daí, seguindo o desenvolvimento do direito internacional, buscou-se a utilização de Ações de Classe Especial, conhecidas internacionalmente como “Golden Shares”.

Assim, de forma sintetizada, a função destas ações é justamente da manutenção do Estado ao menos em parte do controle das empresas que tenham se tornado objeto de privatizações, já que os serviços prestados por essas empresas ainda são responsabilidade do Estado.

 4. Comparação das “Golden Shares” com as demais espécies de ações

Imprescindível considerarmos as ações “comuns” para que possamos compreender a força de uma “Golden Share”.

Ações ordinárias, são aquelas que dão poder de voto aos seus detentores e são sempre nominativas, aqueles que as possuem tem direito a opinar nos negócios da empresa, participando de sua gestão.

Ações preferenciais são aquelas que dão direito à percepção de lucros e dividendos da empresa, no entanto sem direito a voto nas assembléias, ou seja, aqueles que a possuem não tem qualquer participação na gestão da empresa, apenas nos resultados obtidos.

As ações de classe especial, no entanto, fazem parte da espécie preferencial mas com um diferencial: elas possuem poder de veto, podendo vetar determinadas deliberações dos acionistas ordinários.

Como já vimos, essa é uma ferramenta muito útil para o Estado que, seguindo o liberalismo econômico, aliena o controle de diversas empresas na qual possuía total ou maioria das ações com direito a voto em assembléias para o setor privado, mas conservam uma ação que pode determinar sobre quais assuntos as assembléias poderão deliberar ou não.

A título exemplificativo vejamos o trecho do edital de licitaçãoda Vale S/A:

“3.2. DIREITOS DA UNIÃO

Após a realização do LEILÃO, a UNIÃO deverá deter, no mínimo:

a) uma participação direta no capital social da CVRD representada pela titularidade da AÇÃO DE CLASSE ESPECIAL (“GOLDEN SHARE”) DA CVRD, por meio da qual a UNIÃO terá, a partir da data da liquidação financeira do LEILÃO, o direito de voto sobre as matérias elencadas no item 3.2.1. deste EDITAL; e

b) uma participação indireta no capital social da CVRD representada pela titularidade da AÇÃO PREFERENCIAL DE CLASSE “A” (“GOLDEN SHARE”) DA SPE pela BNDESPAR, mediante cessão gratuita a esta última a ser formalizada na data da liquidação financeira do LEILÃO, conforme estabelecido no item 4.2 I deste EDITAL por meio da qual a BNDESPAR terá, pelo prazo de 5 (cinco) anos contados a partir da data da liquidação financeira do LEILÃO, o direito exclusivo de deliberar as matérias elencadas no item j3.2.2 deste EDITAL.

3.2.1. DIREITOS DECORRENTES DA AÇÃO DE CLASSE ESPECIAL

(“GOLDEN SHARE”) DA CVRD

À UNIÃO, na qualidade de titular da AÇÃO DE CLASSE ESPECIAL (“GOLDEN SHARE”) DA CVRD, será atribuído direito de veto sobre as seguintes matérias relativas à CVRD, e que deverão obrigatoriamente ser submetidas à Assembléia Geral de acionistas:

(i) alteração da denominação social;

(ii) mudança da sede social;

(iii) mudança no objeto social no que se refere à exploração mineral;

(iv) liquidação da CVRD;

(v) alienação ou encerramento das atividades de qualquer uma ou do conjunto das seguintes etapas dos sistemas integrados de minério de ferro da CVRD, a saber (a) depósitos minerais, jazidas, minas, (b) ferrovias, (c) portos e terminais marítimos;

(vi) quaisquer modificações nos direitos atribuídos às espécies de classes de ações que compõem o capital social da CVRD; e

(vii) quaisquer modificações nos direitos atribuídos à AÇÃO DE CLASSE ESPECIAL (“GOLDEN SHARE”) DA CVRD.”

Note-se que os poderes que a “Golden Share” da Vale S/A destinada à União, lhe dá poderes de veto diversos aspectos fundamentais da empresa, ou seja, caso deseje, a União pode vetar qualquer alteração, por exemplo, da denominação social da Vale S/A com uma única “Golden Share”, mesmo que todos os votos partidos de ações ordinárias pretendam alterar a denominação da empresa.

5. As “Golden Shares” privadas

Como vimos, as “Golden Shares” tem uma importância e função voltadas diretamente para o poder público, e, a princípio, a prerrogativa de criação e detenção destas ações foi assegurada apenas ao Estado. Entretanto, nada obsta a que essa espécie de ação preferencial seja utilizada também em benefício dos controladores das empresas privadas que alienarem a maioria do capital votante.

Esse entendimento tem apoio no artigo 17, §2º Lei das Sociedades Anônimas (que cuida das ações preferenciais) o qual determina que "deverão constar do estatuto, com precisão e minúcia, outras preferências ou vantagens que sejam atribuídas aos acionistas sem direito a voto, ou com voto restrito, além das previstas neste artigo."

O trecho “...outras preferências ou vantagens...” abre margem para que seja criada pelo Estatuto Social ações que, apesar de não serem detidas pelo poder estatal, também possuem poder de veto, além de outras preferências. Assim, as “Golden Shares” deixaram de fazer parte só de empresas desestatizadas e passaram a permear eminentemente privadas, com diversas funções, além de permitir o veto, como por exemplo uma ação de classe especial que concentre poder de voto, poder de veto e ainda preferências no recebimento de dividendos.

6. Conclusão

Assim, concluímos que as “Golden Shares”, ou ações preferenciais de classe especial, tornaram-se ferramentas importantes para o Direito Societário e Empresarial brasileiro, seja para o setor público ou para o setor privado para permitir que alienação de empresas sem que o fundador ou responsável pela empresa perca totalmente o controle de sua empresa.

7. Referências

BAPTISTA, Ovídio. Curso de Processo Civil. 3ª ed. São Paulo: RT, 1999.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. vol. 3, 5. ed., São Paulo: Saraiva, 2006.

SOUTO, Marcos Juruena Villela. Desestatização, privatização, concessões e terceirizações. 3ª Edição, Rio de Janeiro: Lúmen Júris 2000

REQUIÃO, RUBENS. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1993. 


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