O DIREITO BRASILEIRO E A FAMÍLIA SOCIOAFETIVA



O DIREITO BRASILEIRO E A FAMÍLIA SOCIOAFETIVA: A (In) possibilidade de aplicação do Projeto de Lei 7.672/2010 nas relações socioafetivas.[1] 

Carolinne Pinheiro Campos[2]

Renata Sousa Rios[3] 

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1- A família socioafetiva no Direito brasileiro; 2- O que consiste o poder familiar; 3- Extensão e/ou Limites do Projeto de Lei 7.672/ 2010. CONSIDERAÇÕES FINAIS, REFERÊNCIAS

RESUMO 

Considerando as possíveis alterações do Projeto de Lei 7.672/2010 ao Código Civil de 2002 e ao Estatuto da Criança e do Adolescente, o presente artigo busca quais aspectos positivos e/ou negativos o projeto de lei torna possível no que tange a educação de base das crianças atuais, considerando questionamentos tais como: Existe poder familiar nas famílias socioafetivas? A Lei da Palmada é uma intervenção abusiva do Estado nos limites do poder familiar? De modo que se faz necessário analisar os principais objetivos do Projeto de Lei e a partir de tal análise expor de maneira crítica as possíveis alterações a leis já vigentes. Busca-se também abordar questões como a extensão e/ou os limites do Projeto em questão.

 

PALAVRAS- CHAVE

Família. Poder. Socioafetiva. Lei 7.672. Criança. Adolescente.

 

INTRODUÇÃO

O liame socioafetivo é primordial quando se objetiva esclarecer possíveis conflitos envolvendo as relações de paternidade, ou seja, a filiação socioafetiva é a base para se estabelecer direitos, buscando sempre o bem estar dos filhos. É comum em um meio familiar, ocorrer eventuais desentendimentos entre pais e filhos. Contudo, independentemente da causa que gerou a discussão, não estará desconfigurada a relação afetiva existente entre pais e filhos, uma vez que esta relação é de suma importância no desenvolvimento do ser humano. (OTONI, 2010)

Portanto, independentemente de qualquer situação (ocorrência de desentendimentos entre pais e filhos, adoção), a filiação socioafetiva não se desconstituirá, uma vez que a família é a base para a formação do indivíduo. Pai e mãe não são somente aqueles responsáveis pela procriação, mas aqueles que proporcionam ao filho sentimentos capazes de superar o vínculo consanguíneo. (OTONI, 2010)

Diante de novos traços da família moderna, surge a questão do Projeto de Lei conhecido como Lei da Palmada. O projeto de lei em questão promove uma alteração significativa no âmbito familiar, de autoria do Poder Executivo, altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para estabelecer que “a criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados pelos pais, pelos integrantes da família, pelos responsáveis ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou vigiar, sem o uso de castigo corporal ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação, ou qualquer outro pretexto”. O texto determina ainda que é considerado castigo corporal qualquer forma de uso da força física para punir ou disciplinar causando dor ou lesão à criança. (FOLHA DE SÃO PAULO, 2012)

A proposta, que ficou conhecida como Lei da Palmada, também estabelece que os pais que cometerem o delito deverão passar por acompanhamento psicológico ou psiquiátrico e receberem uma advertência. Eles, no entanto, não estão sujeitos à prisão, multa ou perda da guarda dos filhos. Os médicos, professores ou funcionários públicos que souberem de casos de agressões e não os denunciarem ficam sujeitos à multa que pode chegar a 20 salários mínimos. (FOLHA DE SÃO PAULO, 2012)

 

  1. 1.      A FAMÍLIA SOCIOAFETIVA NO DIREITO BRASILEIRO

A família passou por um fenômeno jurídico-social o qual denomina-se repersonalização das relações civis, o qual vem a valorizar os interesses da pessoal humana mais que os interesses patrimoniais. Esse fenômeno é o que deu espaço para realização da afetividade humana, revalorizando assim, a dignidade humana. (LOBO, 2011, p. 22)

A família é sempre socioafetiva, uma fez que é considerada a base da sociedade  e está unida na convivência afetiva. A socioafetividade vem sendo considerada no Brasil como uma relação de parentescos não biológicos. Tais relações familiares e de parentesco são consideradas socioafetivas porque congrega o fato social e o principio da afetividade. Assim a paternidade vai muito além, ou independente, de origem biológica. Pode ser de origem biológica ou não, pois o que considera-se aqui a paternidade é socioafetiva. Assim,

fazer coincidir a filiação necessariamente com a origem genética é transformar aquela, de fato cultural e social em determinismo biológico, o que não contempla suas dimensões existenciais, podendo ser a solução pior. A origem biológica era indispensável à família patriarcal e exclusivamente matrimonial, para cumprir suas funções tradicionais e para separar os filhos legítimos dos filhos ilegítimos. A família atual é tecida na complexidade das relações afetivas, que o ser humano constrói entre a liberdade e o desejo.” (LOBO, 2011, p. 29)

Percebe-se que as relações de consanguinidade passaram a ter menos importância que os laços de afetividade e convivência família. O afeto é considerado um fato social e psicológico, porém não é o afeto anímico ou social que é considerado pelo Direito brasileiro e sim as relações sociais de natureza afetiva que trazem condutas as quais precisam de incidência de normas jurídicas. (LOBO, 2011, p. 29)

O STJ tem entendido que é de suma importância a primazia de paternidade socioafetiva, nas relações familiares, no que tange filiação principalmente, tendo em vista que situações de origem genéticas eram postas como fundamento para constituir paternidade ou maternidade já consolidadas.

Nos arts. 1.593, 1.596, 1.597, entre outros, os discorrem respectivamente, não atribuir primazia á ordem biológica, sendo a paternidade de qualquer origem ser acolhida pela igual dignidade; igualdade entre os filhos que seja biológicos ou não; no caso de inseminação artificial, a origem do filho é parcialmente biológica, e a paternidade é exclusivamente socioafetiva uma vez que o sêmen é de outro homem, não sendo contraditada por investigação de paternidade; assim, é notório a clara opção do Código Civil em consagrar a filiação socioafetividade. (LOBO, 2011, p. 32)

É de suma importância frisarmos que uma vez sendo reconhecida a filiação socioafetiva de um pai, não se pode requerer investigação de paternidade de outro pai, pois se chegaria a uma dupla filiação. (BERENICE, 2005)

  1. 2.      O QUE CONSISTE O PODER FAMILIAR

O Código Civil Brasileiro dispõe em seu art. 1.631, parágrafo único, que o poder familiar é muito mais que um conjunto de deveres do que direito dos pais com relação aos filhos.

Quando o Código Civil se refere ao poder familiar dos pais não significa dizer que estes são os únicos titulares ativos e os filhos os sujeitos passivos dele. Para o cumprimento dos deveres decorrentes do poder familiar, os filhos são titulares dos direitos correspondentes. Portanto, o poder familiar é integrado por titulares recíprocos de direitos. (LOBO, 2011, p.  299)

A expressão “pátrio poder” foi substituída pela conhecida hoje como “poder familiar. O poder familiar não depende do vinculo matrimonial ou de união estável dos pais. Não sendo reconhecido pelo pai, o filho fica sob o poder familiar exclusivo da mãe, podendo ser reconhecido o parentesco de pai e filho de forma voluntária ou reconhecimento judicial, e como já citamos, nunca os dois por pais diferentes. Tem como característica desse poder a irrenunciabilidade, ou seja, os pais jamais podem renunciar esse encargo; inalienabilidade, não se admitindo qualquer tipo de transação ou alienação, como vender, alugar, podendo caracterizar essa conduta como crime no ECA; e; imprescritibilidade, ou seja, só se perder pelo exercício irregular e não pelo seu não exercício no tempo. (SILVA, 2011.)

No poder familiar o titular do interesse é o filho, sendo os pais ou genitores o titular do dever. Além de ser uma necessidade dos filhos, atende também à necessidade psicológica dos pais, que deve atuar como responsáveis pelos interesses dos filhos (educação, cuidados, representação do menos, entre outros), tendo autoridade patrimonial e pessoal sob os mesmos. (LOBO, 2011, p. 296)

No que diz respeito à convivência familiar, há uma tendência que busca fortalecer os vínculos familiares e a manutenção da criança no seio familiar, porém muitas vezes é melhor que entregue a criança para adoção, pois o que deve prevalecer é o direito à dignidade e ao desenvolvimento integral, porém nem toda vez é isso que acontece, pois tais valores não são tão preservados pela família. (BERENICE, 2005)

À medida que o menor vai crescendo e obtendo sua capacidade de escolha o poder familiar mais diminuindo. Os pais exercem seu poder familiar escolhendo que tipo de educação fornecer aos seus filhos, tendo a liberdade de escolher se é ensino público ou privado. Escolhem também o tipo de relação pedagógica e religiosa, e isso tudo depende do poder econômico dos pais. (LOBO, 2011, p. 303)

O poder familiar não apenas diz respeito às relações entre pais e filhos. Interessam suas repercussões patrimoniais em relação a terceiros. Os pais respondem pelos danos causados por seus filhos menores, que estejam submetidos a seu poder familiar. Trata-se de responsabilidade civil transubjetiva, pois a responsabilidade pela reparação é imputável a quem não causou diretamente o dano.(LOBO, 2011, p. 302)

 

 

  1. EXTENSÃO E/OU LIMITES DO PROJETO DE LEI 7.672/ 2010.

Em linhas gerais, o projeto  prevê punições a pais que batem em seus filhos, e foi aprovado na Câmara. O texto sujeita os pais infratores a penas socioeducativas e até o afastamento dos filhos (perda do poder familiar). O projeto, aprovado por unanimidade pela Comissão Especial da Câmara, especifica que crianças e adolescentes devem ser protegidos do castigo físico, “em que há o uso da força e resulte em sofrimento e lesão”. No entendimento dos integrantes da comissão, o texto, na prática, proíbe a palmada. Mas a interpretação sobre que tipo de palmada resulta em sofrimento ficará a cargo da Justiça. A lei faz emendas ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990. O estatuto faz restrições aos “maus-tratos”, sem definir a prática. (CAVALCANTE, 2011)

 O projeto aprovado altera o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) para impor restrições ao uso de castigo físico ou tratamento cruel ou degradante. Antes, o estatuto falava em maus-tratos, sem definir expressamente o termo. De acordo com o projeto, castigo físico é qualquer ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso de força física que resulte em sofrimento ou lesão. No entendimento da comissão, a palmada é um castigo físico. (CAVALCANTE, 2011)

No que diz respeito a palmada a  lei propõe medidas socioeducativas, aplicadas de acordo com a gravidade do caso. Em caso de descumprimento reiterado, pode haver afastamento do agressor da moradia em comum.  Qualquer suspeita de castigo corporal ou tratamento cruel ou degradante deve ser comunicada aos Conselhos Tutelares, que, de acordo com a lei, serão os responsáveis pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. (CAVALCANTE, 2011)

A lei tem um aspecto positivo quando fala em educação familiar. É necessário que se permita que as famílias tenham acesso e possam decidir sobre qual seria a melhor educação, privilegiando-se outros tipos de castigos ao invés do corporal como forma de educar os filhos. É algo que efetivamente leva tempo, pois a palmada como forma de educar é algo que foi culturalmente herdado. Mas esse é um processo continuado, que precisa do olhar da sociedade no sentido de cobrar do estado uma postura muito mais voltada à proteção da criança do que a um faz de conta. Isso porque não se pode mudar a cultura das pessoas por decreto, por lei. Na verdade, a lei pode até apontar um novo caminho, talvez seja esse o seu maior objetivo, até por não estabelecer nenhum tipo de punição, apenas medidas de reeducação. (CAVALCANTE, 2011)

Contudo, no que se refere ao poder familiar, no Código Civil, repete o que já não tinha nem sentido nem aplicabilidade na legislação pretérita, em face da ordem constitucional. Aparece como função dos pais a ser exercido no melhor interesse dos filhos. No entanto, não disciplina as questões do poder familiar nos novos modelos de família e mantém o antiquado instituto do usufruto dos bens do filho aos pais. De modo que, ao mencionar a perda do poder familiar como forma de sanção ao descumprimento da Lei da Palmada, percebe-se que tal lei não se aplicaria a uma família socioafetiva em virtude dessa questão. (SOBRAL, 2010)

Contudo, se o vigente Código Civil reconhecesse o poder familiar nos atuais modelos de família, tal reconhecimento submeteria o filho menor ao poder familiar, conforme o artigo 1.612 do Código Civil de 2002. O poder familiar gera para os pais, as obrigações de criar, educar e manter os filhos em sua guarda e companhia, representá-los até os 16 anos e assisti-los até os 18 anos, e administrar seus bens até que completem a maioridade. (SOBRAL, 2010)

Por outro lado, os pais terão o direito de exigir que seu filho lhes preste obediência, respeito. Assim, “o poder familiar, sendo menos um poder e mais um dever, converteu-se em um múnus, e talvez se devesse falar em função familiar ou em deverfamiliar”. Mais adiante completa seu pensamento dizendo: “De objeto de direito, o filho passou a sujeito de direito. Essa inversão ensejou a modificação do conteúdo do poder familiar, em face do interesse social que envolve”. Além disso, se os pais deixarem de cumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar, poderão ser condenados ao pagamento da multa prevista no artigo 249 da Lei 8.069/90. (BERENICE, 2005)

Assim sendo, tal instituto jurídico deve ser compreendido como um poder de proteção, em atendimento ao princípio da proteção integral à criança e ao adolescente que se encontra disposto no artigo 227, caput, da Constituição Federal de 1988 e no artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente. (SOBRAL, 2010)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto no presente trabalho, pode-se verificar que houve modificações  no Direito de família, o Direito se modifica com base nas transformações ocorridas na sociedade e para se adequar a estas, o ordenamento jurídico estabelece parâmetros que conduzem o comportamento dos indivíduos. O conceito de família não foi tratado na codificação de 1916, mas a Constituição da Repúblical de 1988 buscou definir este instituto tendo por base a proteção estatal. (OTONI, 2010)

A filiação socioafetiva no Direito Brasileiro reflete essa transição ocorrida no conceito de família que é caracterizada pela afetividade, elemento atualmente considerado de maior importância na relação paterno filial. Diante desta assertiva, não há que se falar em desconstituição posterior da filiação socioafetiva, tendo em vista que a índole do indivíduo se constrói através da convivência familiar, adquirindo com isto toda uma experiência de vida. E que, portanto, o conceito de paternidade  não é somente aquele que contribuiu geneticamente para que o filho fosse gerado e sim, aquele que acompanha todo desenvolvimento da prole e que contribui para a sua formação, cumprindo seus deveres parentais e usufruindo de seus direitos. (OTONI, 2010)

O projeto de lei 7.672/2010 apresenta proposta interessante no que tange a educação das crianças e adoslecentes, mas vale ressaltar que uma efetividade plena da lei só ocorreria a longo prazo, considerando a cultura prevalencente, é a máxima das políticas educacionais, que há mais eficácia em educar que em punir. Contudo, quando se refere a uma instituição como a família, que já carrega consigo mudanças que precisam ser observadas por nossa legislação, há que se considerar que por mais “boa vontade” que haja no projeto, alguns traços no que diz respeito a instituição da família ainda precisam ser firmados, há exemplo o exposto poder familiar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

CAVALCANTE, Ophir. OAB: lei da palmada será inócua sem políticas efetivas de educação familia. 2011. Disponível em: http://oab.jusbrasil.com.br/noticias/2968627/oab-lei-da-palmada-sera-inocua-sem-politicas-efetivas-de-educacao-familiar Acesso em: 24 Mai 2012.

 

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

FOLHA DE SÃO PAULO. Lei da Palmada é aprovada por unanimidade em comissão da Câmara. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1021280-lei-da-palmada-e-aprovada-por-unanimidade-em-comissao-da-camara.shtml. Acesso em 24 Mai 2012

LOBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

SILVA, Marcus Vinicius Linhares Constantino da. Poder Familiar. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/60323902/Microsoft-Word-Direito-de-Familia-PODER-FAMILIAR. Acesso em 22 mai 2012.

SOBRAL, Mariana Andrade. Os efeitos do reconhecimento da paternidade sócio-afetiva. In:Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 81, out 2010. Disponível em: . Acesso em maio 2012.

OTONI, Fernanda Aparecida. A filiação socioafetiva no direito brasileiro e a impossibilidade de sua desconstituição posterior. 2010. Disponível em:http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=680. Acesso em 24 Mai 2012


[1] Paper apresentado para a disciplina de Direito de Família e Sucessões do Curso de Direito, ministrada pela professora: Anna Valéria da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco- UNDB.

[2] Acadêmica do 6º Período vespertino do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco- UNDB.

[3] Acadêmica do 6º Período vespertino do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco- UNDB.


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