DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO: ACESSO À JUSTIÇA E AUTONOMIA DO ÓRGÃO



DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO: ACESSO À JUSTIÇA E AUTONOMIA DO ÓRGÃO* 

Suzana Rosa Carvalho Araújo e Sousa**

RESUMO

Apresenta-se um esboço da situação atual das Defensorias Públicas no Brasil abordando seus principais dilemas. Afirma-se a importância do respeito ao princípio da Igualdade, enfocando a concepção expressa no texto constitucional. Discuti-se a questão da autonomia da Defensoria Pública do Estado do Maranhão.

Palavras-chave: Autonomia. Constituição. Defensorias Públicas. Igualdade.

1 INTRODUÇÃO

O artigo objetiva elucidar o papel das Defensorias Públicas num nível geral, elaborando um entendimento com base em artigos de revista atualizados e livros relacionados ao tema, para então, estabelecer um paralelo com a questão da autonomia da Defensoria do Estado do Maranhão.

Contextualiza-se o papel das Defensorias com sua real atuação e dificuldades encontradas para o exercício de seus objetivos, usando como parâmetro ideal o texto constitucional de 1988.

O Princípio da Igualdade é a base utilizada para a afirmação da necessidade da existência desses órgãos de missão tão especial e fundamental à sociedade.

2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE 

 

O Direito surge no processo evolutivo humano buscando disciplinar as relações sociais intersubjetivas. Sua positivação através de documentos organiza e ordena as normas facilitando seu acesso e aplicação processual.

A partir da Constituição, lei maior do Estado, deflagra-se uma série de princípios desenvolvidos ao longo do tempo através de reivindicações sociais, que atuam como guias de toda a legislação a ela pertinente.

Nesse ínterim, o princípio da igualdade, está inserido no Direito e na Constituição como segue a redação dada do art. 5°: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”

Dentre os vários teóricos do Direito Constitucional, destacamos o conceito do princípio da igualdade defendido por Canotilho:

Um dos princípios estruturantes do regime geral dos direitos fundamentais é o princípio da igualdade. A igualdade é, desde logo, a igualdade formal -‘igualdade jurídica’, ‘igualdade liberal’ estritamente postulada pelo constitucionalismo liberal: os homens nascem e permanecem livres e iguaisem direitos. Por isso se considera que esta igualdade é um pressuposto para a uniformização do regime das liberdades individuais a favor de todos os sujeitos de um ordenamento jurídico. (CANOTILHO, 2003, p. 426)

E sobre a igualdade na aplicação do direito:

A afirmação - todos os cidadãos são iguais perante a lei - significava, tradicionalmente, a exigência de igualdade na aplicação do direito. (...) A igualdade na aplicação do direito continua a ser uma das dimensões básicas do princípio da igualdade constitucionalmente garantido e, como se irá verificar, ela assume particular relevância no âmbito da aplicação igual da lei (do direito) pelos órgãos da administração e pelos tribunais. (CANOTILHO, 2003, p. 426)

Dessa forma, fica esclarecido que não se pode conceber a representatividade jurídica justa num sistema que privilegie determinados seguimentos da sociedade, o que infelizmente percebe-se acontecer no meio jurisdicional constantemente.

Quanto à operacionalidade do princípio citado, Alexandre de Moraes assevera que:

O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social. (MORAES, 2008, p. 37).

Para a realização desse princípio o Poder Judiciário há de se revestir de imparcialidade e bom senso na aplicação do Direito ao caso concreto visando minimizar as desigualdades ou a dar-lhes um fim. Já o papel do legislador implica em análise da matéria e criação da norma mantendo-a nos parâmetros justos da Constituição. Cabe, no plano individual do particular evitar pautar-se com condutas consideradas abusivas, racistas ou discriminatórias de qualquer natureza.

3 SITUAÇÃO DAS DEFENSORIAS PÚBLICAS NO BRASIL

Como visto anteriormente, o princípio da igualdade deve ser a inspiração jurídica para a solução de conflitos concernentes às várias relações estabelecidas com a convivênciaem sociedade. Nessecontexto, discuti-se agora o papel e funcionamento das Defensorias Públicas no Brasil.

As Defensorias públicas são órgãos criados constitucionalmente para a garantia do exercício dos direitos jurídicos por parte da população que não tenha meios para arcar com honorários advocatícios e custas processuais, como esclarece Moraes:

A Constituição Federal prevê, ainda, a criação da Defensoria Pública, como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa em todos os graus e gratuitamente dos necessitados.

O Congresso Nacional, através de Lei Complementar, organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. (MORAES, 2008, p. 638/639).

Apesar da idealização constitucional possuir 20 anos, muitas Defensorias que se encontram funcionando em todo o país iniciaram atividade a pouco tempo, caso em que se enquadra São Paulo que completará em Janeiro seu terceiro ano de criação e funcionamento. A situação desta entidade e de muitas outras ao longo do país se mostra alarmante com destaque para uma série de problemas apontados a seguir:

(...) a ainda precária estrutura da instituição – que conta com apenas 400 defensores em todo o Estado de São Paulo – não acompanha a grandeza de suas atribuições. (...) São Paulo possui, atualmente, um defensor público para cada 58.130 potenciais usuários. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a proporção era, em 2005, de um defensor público para cada 13.886 possíveis assistidos.

Outro aspecto que chama a atenção diz respeito à participação orçamentária, especialmente quando comparada com outras instituições que integram o sistema de Justiça.

No orçamento de 2008, o Estado de São Paulo irá repassar à Defensoria Pública menos de 1% (um por cento) da verba prevista para o Tribunal de Justiça e menos de 3% (três por cento) daquela destinada ao Ministério Público.

Em termos salariais, a diferença também é sentida, pois a remuneração inicial de um juiz ou a de um promotor é, aproximadamente, 200% (duzentos por cento) superior à de um defensor público, o que causa constante evasão de profissionais recém-selecionados e treinados em busca de vencimentos mais atraentes. (DEPINÉ FILHO, 2008, p. 66).

A partir desses dados percebe-se a precariedade desse serviço estatal na maior capital do Brasil, o que já serve de amostragem para a constatação que José Afonso da Silva faz a seguir:

(...) Os pobres ainda tem acesso muito precário à justiça. Carecem de recursos para contratar advogados. O patrocínio gratuito tem-se revelado de deficiência alarmante. Os poderes públicos não tinham conseguido até agora estruturar um serviço de assistência judiciária aos necessitados que cumprisse efetivamente esse direito prometido entre os direitos individuais. Aí é que se tem manifestado a dramática questão da desigualdade da justiça, consistente precisamente na desigualdade de condições materiais entre litigantes, que causa profunda injustiça àqueles que, defrontando-se com litigantes afortunados e poderosos, ficam na impossibilidade de exercer seu direito de ação e de defesa assegurado na Constituição. (SILVA, 2008, p. 606/607).

Em 2004 foi lançada a primeira pesquisa realizada em âmbito nacional sobre a situação das Defensorias Públicas brasileiras, chamado de Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil, nele foram apontados aspectos relevantes do funcionamento das instituições e seus principais entraves:

O trabalho é o primeiro mapeamento em âmbito nacional sobre o funcionamento e as características das defensorias públicas no Brasil e mostra que o número de defensores públicos no país, 3.440, é insuficiente para atender à parcela da população que depende da prestação gratuita dos serviços de orientação jurídica. O Brasil dispõe de apenas 1,86 defensor público para cada 100 mil habitantes, enquanto que a proporção de juízes é de 7,7 para cada 100 mil habitantes.

A pesquisa constatou que o grau de cobertura das defensorias é de apenas 42% das comarcas brasileiras. Os estados que menos investem nas defensorias são os que apresentam os piores indicadores sociais – e que mais necessitariam dos serviços da instituição. O diagnóstico mostra também que nos locais onde é menor a proporção de comarcas atendidas, é maior a realização de convênios, o meio de terceirização do serviço de assistência jurídica integral e gratuita. A avaliação é de que a grande incidência dos convênios impede o fortalecimento da estrutura da defensoria pública.

As melhores defensorias públicas estaduais, segundo ranking definido no estudo, são as do Mato Grosso do Sul, seguido de Rio de Janeiro e Amapá. As piores são as defensorias de Piauí e Maranhão. (ANADEP – Associação Nacional dos Defensores públicos – em http://www.anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=1879, pesquisado em 07/11/2008)

A pesquisa já ganhou novas edições atualizadas dos dados referentes às instituições, mas em geral, ainda há muito a fazer por esses órgãos na expectativa de melhora do atendimento à população desfavorecida e a garantir um acesso igualitário à justiça, como é defendido no princípio da igualdade. A Defensoria Pública do Maranhão vem recentemente ainda lutando por sua autonomia como veremos a seguir.

 

4 DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO E A QUESTÃO DA AUTONOMIA

A Defensoria do Estado do Maranhão iniciou suas atividades em 2001, com a criação de 85 cargos através de lei complementar (criada em 1994) para reger-lhe o funcionamento. Atualmente 36 defensores atuam na Capital e em algumas cidades do Maranhão.

No art.2° da lei complementar n° 19 de 1994, encontramos: “são princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade, a impessoalidade e a independência funcional”. Dessa forma a lei prevê a autonomia do órgão para seu funcionamento pleno assim como a Constituição Federal: art.134.§2° “às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias”.

Em2006 aautonomia da Defensoria maranhense foi desrespeitada pela Lei Estadual n.º 8.559/2006 que submetia a instituição ao Poder executivo no artigo 7º incluindo-a entre os órgãos da administração do Estado. No artigo 16 o Defensor Geral é citado como auxiliar do poder executivo e no artigo17 aDefensoria é citada como integrante do governo.

De forma eficiente a OAB maranhense entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) que tramitou no Tribunal de Justiça e foi julgada procedente.

Nos julgamentos anteriores, o Tribunal de Justiça reconheceu a autonomia da Defensoria. Em 11 de junho, o Pleno negou provimento a agravo regimental interposto pelo governo. Naquela ocasião, o Estado questionava a capacidade postulatória da Defensoria Pública para defender seus próprios interesses e sua autonomia para conceder gratificação a seus servidores por meio de portaria.

Entende-se, dessa forma, que a autonomia da citada Defensoria, como a de qualquer outra no país, é mister para a defesa da cidadania popular que não pode estar curvada a interesses de nenhuma ordem , senão os da justiça e da igualdade de condições jurisdicionais que consagra também, o princípio da dignidade da pessoa humana.

4 CONCLUSÃO

 

As Defensorias Públicas mostram-se fundamentais para a garantia de acesso a justiça por todos aqueles que dela necessitarem, sobretudo os desfavorecidos que não podem arcar com os custos advocatícios.

É ainda questionável a situação dessa parcela da sociedade quanto à questão da igualdade perante as condições jurisdicionais, pois é notório o tratamento desigual e seletivo da Justiça, frente às diferenças econômicas e sociais daqueles que a procuram. Ainda assim, é de suma importância que mesmo funcionando de forma precária, instituições como as Defensorias estejam garantidas na Constituição Federal e possam paulatinamente tomar a defesa dos necessitados.

REFERÊNCIAS

 

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Edições Almedina, 2003.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23ª Ed. São Paulo: Atlas, 2008.

DEPINÉ FILHO, Davi Eduardo. Defensoria Pública. In Revista Jurídica Consulex, ano XII, n° 265. Brasília: Editora Consulex, 2008.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31ª Ed. São Paulo: Malheiros editores, 2008.

 


* Paper elaborado para obtenção de nota na disciplina de Teoria Geral do Processo e Direito Constitucional I.

** Aluna do 9º período do curso de Direito Noturno da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.


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