UM PROGRESSO QUE CUSTA CARO



UM PROGRESSO QUE CUSTA CARO

Mafaldo era um jovem tímido, mergulhado em sua mudez tristonha. Olhos sem brilho, dando a vaga impressão de que a vida já havia abandonado aquele corpo desnutrido de rapaz pobre massacrado pela dureza da vida... Assim o encontrei!

- Cadê a tua mãe, perguntei calmamente.

- E teu pai; e teus irmãos, continuei perguntando insistente.

- Morreram!... Gritou bruscamente em meio a uma estranha revolta e incontroláveis soluços.

- Morreram? De quê, perguntei firmemente.

Desencanto! Respondeu num brado o rapaz.

Desencanto?

Sim! Um mal terrível que atormentava e atacava selvagemente os pequenos lavradores da região onde morávamos, disse-me enxugando as lágrimas que teimosamente escorriam pelo rosto. Passou a mão na barriga, endireitou o corpo no degrau da escada e como que encarnado por misteriosa força começou a falar tranquilamente, com os olhos perdidos num ponto vago do horizonte...

Tudo começou no dia em que eles chegaram a terra... Terra bendita, destinada a todos e que de repente a tornaram valiosa, maldita. Ficando provado mais uma vez que pobre só é igual o rico na hora de morrer, porque a morte não faz distinção... A terra, que a cada um de nós deveria caber nesse latifúndio, só não é dos afogados...

A minha história é igual à de muitos outros que cumpriram sofrida sina. Audazes e heróicos abridores de fronteiras, massacrados e humilhados pela força do capital e largados e esquecidos pela pátria que lhes servira de berço!

Colonos, enxotados pelo beribéri, resolvemos encostar as falhas à beira de um desconhecido e inexplorado rio para cuidar da saúde de minha irmã caçula que andava oscilante...

Encostamos o barco Ãatá em um barranco verdejante e durante uma semana fizemos vistoria das riquezas naturais daquele lugar encravado numa floresta densa, até então livre das pegadas de pés humanos. Papai gostou do lugar. Sadio, farto e solo fértil. Ergueu a cabeça e sorriu para os céus, em forma de agradecimento, decidido a fazer moradia naquele lugar distante da civilização.

Em pouco tempo já se podia visualizar os frutos do difícil e árduo trabalho de colonização. Para eles não tinha domingos e nem feriados, todo dia era dia de lida, de muita luta. Uma bonita choupana. Ampla barraca de torrar farinha. Vastas plantações. Pequena defumadora de leite da seringueira e diversas criações sobressaíam-se no terreiro limpo, dando um colorido todo especial aquele lugarejo.

Vivíamos felizes.

Numa bela tarde de setembro, quando os últimos raios de sol já se escondiam por detrás das copas verdes e frondosas das castanheiras, a primavera tornou-se bruscamente em um verão causticante... Eles chegaram! Pessoas estranhas ao seio da mata virgem! Homens barbudos, sujos e mal-encarados, mais parecidos com as características famosas do malvado malpinguarí...

Carregando pequenas máquinas eles se identificaram como topógrafos que estavam ali para medir a terra.

- E quem mandou medir estas terras, perguntou o papai que vinha chegando com o jamaxi às costas. O dono do lugar, seu besta velho, respondeu um zarolho barbudo, demonstrando ser o chefe do bando daqueles homens mal-encarados.

- Mas como dono do lugar, se ninguém sabia da existência deste pedaço de chão, meu Deus! Exclamou meu velho pai apavorado.

- Vamos com calma, velho besta! Vocês têm quarenta e oito horas para desocupar este lugar. Esgotado esse prazo nós voltaremos aqui para lhe trazer o pagamento... Concluiu ameaçadoramente o zarolho.

Dias depois eles voltaram, semeando pânico e uma miséria devastadora e nos expulsaram das nossas terras.

Desse dia em diante meu pai se tornou um homem acabrunhado... Tudo tem têm sido desolação e flagelo, pois a única coisa que aprendeu e gostava de fazer era cortar seringa e lavrar a terra, cuidar dos animais.

Com muita dificuldade e sofrimento conseguimos chegar à cidade, donde, dias depois, conseguimos levantar uma barraca num terreno de invasão. Meu pai começou a fazer bicos, limpando quintal e ajudando o senhor Ari Osvaldo a cavar poços semi-artesianos. Minha mãe e as minhas irmãs começaram a trabalhar em casa de família e eu de auxiliar de pedreiro. Meses depois o meu pai perdeu completamente o ânimo pela vida! Nunca se acostumou com a forma de vida na cidade, parece que ele se sentia preso, enjaulado... Apesar dos pedidos da minha mãe, meu e das minhas irmãs meu pai entregou os pontos... Tornou-se um alcoólatra. Passou a falar sozinho, repetindo sempre que àquela terra era dele... Até à tarde do dia em que o encontramos pendurado pelo pescoço na corda donde costumava amarrar a rede num dos galhos da jaqueira.

Depois disso o rapaz silenciou e eu decidi não lhes fazer mais perguntas...


Autor: Francisco Antônio Saraiva De Farias


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