A RETÓRICA EM CHAIM PERELMAN ENQUANTO ESTRATÉGIA DE PERSUASÃO PARA A DEFINIÇÃO DO MÉRITO EM DIREITO.



A RETÓRICA EM CHAIM PERELMAN ENQUANTO ESTRATÉGIA DE PERSUASÃO PARA A DEFINIÇÃO DO MÉRITO EM DIREITO.[*] 

Suzana Rosa Carvalho Araújo e Sousa** 

SUMÁRIO: 1 - INTRODUÇÃO; 2 – A ARGUMENTAÇÃO E A PROPOSTA RETÓRICA DE PERELMAN;3 – ARGUMENTAÇÃO E PROVA;  CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS. 

RESUMO 

A Retórica tem sido compreendida em diferentes acepções, mas a abordagem pretendida neste estudo faz um resgate da concepção aristotélica que a identifica como arte dos discursos, ou seja, a busca pela persuasão da platéia com base na argumentação de idéias lógicas, coesas e coerentes.

Perelman realiza um estudo aprofundado da retórica com vistas a analisar as “técnicas discursivas que visam a provocar ou a intensificar a adesão de certo auditório às teses apresentadas” (PERELMAN, 2004, pag. 154). Complementando a idéia de argumento e persuasão não se poderia deixar de falar sobre a importância das provas no processo para o convencimento do magistrado e posterior resolução do mérito.

PALAVRAS CHAVE

 

1. Argumentação. Direito. Lógica Jurídica. Prova. Retórica.

 

 

1        INTRODUÇÃO

 

A argumentação proposta por Chaim Perelman encontra justificativa como tema escolhido neste trabalho devido a revitalização que o autor proporciona da temática da razão prática, inferindo racionalidade ao debate sobre o Direito, à moral e a política. Seu objetivo versa, ainda, proporcionar amplitude a temática da argumentação dando ênfase aos raciocínios práticos da forma como eles se dão na realidade.

Argumentar é para o exercício do Direito uma habilidade fundamental, pois o trabalho de convencimento e persuasão de idéias transita por toda a esfera do ordenamento na prática processual encontrando nas provas respaldo crucial para o alcance de seu objeto. Perelman aborda os problemas no uso da linguagem quando se encontram obstáculos ao entendimento de uma idéia que suscitam escolher e decidir por um argumento ou até mesmo por uma palavra com vários sentidos, em que a lógica formal, em nada contribui para solução. Sendo assim, para ele, é preciso definir as razões da escolha de determinada solução e sua base dependerá do estudo da retórica.

À retórica atribuiu-se muitos significados, podendo assumir o conceito de arte de se falar bem; ao uso de palavras eloqüentes mas pobre em idéias (assemelhando-se a falácia); e a técnica de convencer o interlocutor através da oratória, ou outros meios de comunicação. Nessa última conceituação é que o trabalho de Perelman num resgate a Aristóteles encontra sua base discursiva.

 

2  A ARGUMENTAÇÃO E A PROPOSTA RETÓRICA DE PERELMAN

 

A argumentação, como exposto, fará parte de toda a vida do jurista, colocando em cheque habilidades de comunicação verbal e escrita, além de profundo conhecimento doutrinário e positivo.

Conforme Rodríguez (2005, pag. 13), “argumentar é a arte de procurar, em situação comunicativa, os meios de persuasão disponíveis”. Dessa forma, destaca-se a necessidade da existência de pelo menos duas pessoas interagindo com a mesma linguagem para a realização do processo argumentativo. O processamento desses argumentos se apresentará sob a forma de um discurso, que precisa manter a coesão e a coerência se o interlocutor realmente queira captar adeptos.

Perelman chamará a atenção para a necessidade nas relações jurídicas da distinção básica de origem aristotélica, dos raciocínios analíticos ou lógico-formais dos raciocínios dialéticos ou retóricos. A teoria de Perelman fundamenta-se no raciocínio dialético ou retórico.

Sendo assim Atienza (2006, pag. 61) afirma que:

Os argumentos retóricos não estabelecem verdades evidentes, provas demonstrativas, e sim mostram o caráter razoável, plausível de uma determinada decisão ou opinião. Por isso, é fundamental, na argumentação, a referência a um auditório ao qual se trata de persuadir.

A argumentação será composta pelos elementos: discurso, orador e auditório, sendo este último, o fundamento da teoria de Perelman, sobre esse fundamento é que propõe a análise sobre a retórica.

A esse respeito o próprio Perelman (2004, pag. 143) afirmou que “a noção de auditório é central na retórica. Pois um discurso só pode ser eficaz se é adaptado ao auditório que se quer persuadir ou convencer”. Desse modo, entende-se que na área jurídica, sobretudo na esfera dos tribunais, o jurista que tiver a melhor argumentação e capacidade persuasiva possivelmente obterá uma atuação melhor, e por que não dizer, resultados mais satisfatórios, do que aqueles de oratória deficiente. Nesse sentido, reitera-se , que de forma alguma trata-se da retórica sofista, em que o aformoseamento vocabular serve de roupagem para idéias vagas ou imprecisas.

Outro ponto destacado por Perelman é o conceito de auditório universal. Nesse conceito o discurso acha guarida em qualquer ser dotado de racionalidade, abrangendo uma quantidade maior de adeptos por ser menos específico. Atienza (2006, pag. 63) destaca que “uma argumentação persuasiva, para Perelman, é aquela que só vale para um auditório particular, ao passo que uma argumentação convincente é a que se pretende válida para todo ser dotado de razão”. Percebe-se que na prática jurídica ocorre a junção dos dois tipos de auditório, um especializado, com juristas desempenhando seus papéis na tribuna, e um universal, com pessoas de diferentes níveis intelectuais assistindo a um julgamento, por exemplo.

Os argumentos são classificados em três tipos: argumentos quase-lógicos, argumentos baseados na estrutura do real e argumentos que dão base para a estrutura do real. Os quase lógicos se aproximam dos argumentos matemáticos, exatos. Os baseados na estrutura do real buscam em juízos preexistentes fundamentar idéias semelhantes ou totalmente novas solidarizando-as. E por fim, os argumentos que dão base para a estrutura do real são de três tipos: o exemplo (invocação do precedente), a ilustração (garante uma regularidade já estabelecida por comparação) e o modelo (comportamento particular que se pretende ser seguido).

Os argumentos baseados na estrutura do real associam uma pessoa com seus atos gerando a relação ato-pessoa. Exemplo desse tipo de relação se encontra no argumento de autoridade, que “se serve desse tipo de relação como meio de prova a favor de uma tese” (Atienza, 2006, p. 70). Esse argumento não é excluído por Perelman que confirma sua importância ao se tratar de questionamentos que não versem sobre a noção de verdade. “Esse é , por exemplo, o caso do Direito, no qual o precedente judicial se baseia precisamente na noção de autoridade”. (ibid., pag. 70).

Perelman (2004, pag. 189) constata que:

(...) o direito, tal como está determinado nos textos legais, promulgados e formalmente válidos, não reflete necessariamente a realidade jurídica. Quando uma sociedade está profundamente dividida sobre uma questão particular, e não se quer colidir de frente com uma parte considerável da população, nas sociedades democráticas em que se desejar que as medidas de coerção se beneficiem de um amplo consensus é-se obrigado a recorrer a compromissos fundamentados numa aplicação seletiva da lei.

Dessa forma, o discurso e a argumentação, por conseguinte são responsáveis em boa parte pelo ganho de causas, que muitas vezes podem ser totalmente opostas ao que versa a lei e o direito numa concepção considerada conservadora. A teoria de Perelman apenas aceita esses fatos sem questioná-los.

3 ARGUMENTAÇÃO E  PROVA

 

No processo civil brasileiro dá-se extrema importância aos meios de prova para o convencimento do magistrado, sua base principiológica encontra-se na persuasão racional do juiz, “tal princípio regula a apreciação e a avaliação das provas existentes nos autos, indicando que o juiz deve formar livremente sua convicção”.(CINTRA, Antônio; GRINOVER, Ada; DINAMARCO, Cândido, 2008, pag. 73)

Assim, o juiz não se desvincula da prova nem dos elementos constantes dos autos, apenas a apreciação desses elementos não se encontram vinculados a critérios predeterminados em lei. Torna-se determinante o papel da argumentação oral na realização do convencimento e definição do mérito.

O princípio da oralidade também ocupa papel de destaque para o fortalecimento dos argumentos na lide. Assim defende Dinamarco:

Mais do que a verdadeira oralidade, em seu sentido primitivo, a oralidade entre nós representa um complexo de idéias e de caracteres que se traduzem em vários princípios distintos, ainda que intimamente ligados entre si, dando ao procedimento oral seu aspecto particular: os princípios da concentração, da imediação ou imediatidade, da identidade física do juiz, da irrecorribilidade das interlocutórias.(IBID, pag. 350)

Na imediação ocorre o contato direto entre o juiz e as provas. Pela identidade física do juiz se requer que o mesmo juiz esteja do começo ao fim da instrução oral, salvo exceções. Na concentração reduz-se as audiências e encurta-se os prazos entre elas. Finalmente para dar concretude a oralidade e a concentração é preciso utilizar-se da irrecorribilidade das interlocutórias, isto é, das decisões proferidas durante o processo sem extingui-las.

Através desse emaranhado de princípios os argumentos são entrelaçados, e a decisão do magistrado certamente adquire um caráter misto de subjetividade e racionalidade devido à existência de contenções ou limites a essa subjetividade como a necessidade da motivação e o limites proporcionados pelos autos e pelas provas.

Sobre o tema prova, Rodríguez considera que:

Para que um argumento ad verecundiam seja eficiente, deve também fazer prova material de suas conclusões. A prova na metodologia jurídica, significa a citação de documentos que permitam ao leitor comprovar as fontes de todo o raciocínio desenvolvido. (...) Do mesmo modo se um perito criminal, que é autoridade em sua área de conhecimento, atesta que determinada substância que lhe fora enviada para exame é droga ilícita, deve guardar parte dessa substância para posterior contra-prova. Permite, então, que seu parecer magister dixit seja submetido ao devido questionamento. (RODRÍGUEZ, Víctor. 2005, pags. 131 e 132)

Portanto, a livre afirmação de fatos em determinado contexto, não gerarão uma argumentação sólida, é preciso que ocorra a comprovação dos elementos afirmados, para que o argumento obtenha credibilidade.

CONCLUSÃO

Em resumo, o que Perelman aborda é o resgate da retórica aristotélica, com vistas a convencer uma platéia específica com argumentos passíveis de reconhecimento da platéia. Dá ênfase ao uso de uma linguagem comum, amplia a discussão para além do sentido da simples manifestação da verdade, indicando que a retórica utiliza-se do discurso para realizar seu objetivo de persuadir. Imprime a noção de auditório como o centro da retórica, apontando para a necessidade do discurso ser adaptado à platéia para que seja eficaz. Para que isto possa ocorrer é necessário que o orador tenha conhecimento prévio do tipo de platéia ao qual se dirigirá. Trabalha, ainda a noção de distinção entre os discursos do real e o de valores, determinando a imprecisão e mutabilidade que os valores sofrem. Afirma finalmente que o Direito não reflete a realidade jurídica que muitas vezes é desenhada por interesses ou pressões sociais. Nesse sentido acredita-se ser necessária a busca de um discurso argumentativo que valide a lei de forma justa entre as partes não atendendo interesses que fujam dos objetivos do Direito.

Uma das ferramentas que se impõe justa e necessária para atender os interesses em debate é a prova. Com este conceito a subjetividade do juiz dá espaço a elementos que não podem ser ignorados de sua apreciação. O argumento ganha assim solidez, não ficando a margem da falácia e de interesses alheios aos da justiça. Afasta-se, então, a retórica em seu sentido pejorativo, de discurso vago e impreciso.

REFERÊNCIAS

 

ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. São Paulo: Landy Editora, 2006.

PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica: nova retórica. 2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

RODRÍGUEZ, Victor Gabriel. Argumentação jurídica: técnicas de persuasão e lógica informal. 4ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.


* Trabalho apresentado para obtenção da 2ª nota da disciplina de Metodologia da Pesquisa em Direito e Processo de Conhecimento II, Ministradas pelos professores Rodrigo Raposo e professor Hugo Passos, respectivamente.

** Aluna do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, turno vespertino, 9° período. 2012.


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