A Influência dos mortos numa sociedade paralisada



UM IVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ – UVA

Centro de Filosofia, Letras e Educação – CENFLE

Disciplina: Literatura Inglesa IV

Professor: Marton Tamas Gémes

Acadêmica: Andréia Costa Pereira

A Influência dos mortos numa sociedade paralisada 

O Conto, os mortos de James Joyce, explora aspectos da sociedade irlandesa do início do século XX. É uma sociedade que se encontra paralisada socialmente e moralmente e que impede o progresso de tudo que há nela. É uma sociedade que ainda permanece presa a recordações e antepassados que já não existem mais.

O texto de Joyce divide-se em dois momentos: o jantar na casa das irmãs Morkans e a presença de Gabriel e Gretta no quarto do hotel. No primeiro momento temos a descrição da festa de confraternização que acontece todos os anos para os parentes e amigos na casa das Morkans:

 

O baile anual organizado pelas Morkans era sempre um grande acontecimento, todos os seus conhecidos compareciam: parentes, velhos amigos da família, membros do côro dirigido por Júlia, os alunos de Kate que tinham idade suficiente e mesmo alguns alunos de Mary Jane. O baile nunca fracassara. Ano após ano, o mais remotamente que se pudesse recordar, realizara-se esplendidamente. (JOYCE- p. 143).

 

 

 O segundo momento é quando Gabriel e Gretta ao se despedirem das tias tomam a charrete que os levará ao Hotel Gresham. Ao chegarem ao hotel ao sentir um desejo crescente por sua mulher, Gabriel tenta se aproximar dela, mas suas tentativas são inúteis, Gretta ao ser observada pelo marido, mostra-se distante e aparentemente inalcançável. E logo iniciam uma conversa sobre o dinheiro emprestado que Freddy lhe devolvera no passado.

 

 

Então, erguendo-se subitamente na ponta dos pés apoiando de leve as mãos em seus ombros, beijou-o.

_ Você é muito generoso, Gabriel.

Trêmulo de prazer por aquele beijo e pela frase inesperada, Gabriel começou a acariciar-lhe os cabelos, quase sem tocá-los com os dedos. Eram macios e brilhantes. Seu coração transbordava de felicidade. Ela viera espontaneamente, no próprio instante em que ele desejava. Talvez estivessem pensando as mesmas coisas. Talvez houvesse presentido o impetuoso desejo que o possuía e por isso se abandonara. Agora que se rendera docilmente admirava-se de ter sido tão tímido.

Segurou sua cabeça entre as mãos e depois deslizando um dos braços em volta do seu corpo, puxou a para junto de si, dizendo suavemente:

_Gretta querida, em que esta pensando?

Ela não respondeu nem se abandonou por completo em seus braços. Tornou a perguntar, brandamente:

_Conte-me Gretta. Creio que sei do que se trata. Não sei?

Ela não respondeu imediatamente. Então, numa torrente de lágrimas, murmurou:

_ Estou pensando naquela canção. The Lass og Aughrim libertou-se dele e correu para a cama. (JOYCE- p.177).

 

 

Durante esses dois momentos e o desenrolar do conto, podemos perceber o uso da ironia e do sentido figurado, e durante a leitura percebe-se uma exigência de interação com o texto, o leitor entra no jogo entre o real e o figurado e a acaba completando o sentido ao texto.

O cenário para esta história é Dublin a capital da Irlanda, é uma sociedade burguesa, que preza pela sua cultura, centro da paralisia, onde nada acontece,vivem presos no passado de acordo com uma cultura antiga, antepassada que está morta há anos. E durante alguns trechos do texto percebemos esta paralisação, onde as pessoas daquela sociedade vivem preza ao passado, relembrando feitos de pessoas que já morreram.

 

 

O assunto era a companhia de ópera que se apresentava no teatro Royal. Bartell D’arcy, o tenor, um jovem moreno com elegante bigode elogiou enormemente o primeiro contralto. Todavia a senhorita Furlong achara seu estilo tão vulgar. Freddy disse que havia um negro que cantava na segunda parte da pantamina Gaiety, cuja voz era uma das melhores que já ouvira.

_Você o conhece? _ perguntou o tenor.

_Não. - respondeu o outro, negligentemente.

_Gostaria de saber sua opinião sobre ele, - continuou Freddy- Acho que tem uma grande voz.

_É sempre Freddy que faz as grandes descobertas- disse Browne com familiaridade.

_E por que não pode ter boa voz? Retrucou Freddy secamente- só porque ele é negro?

Ninguém respondeu e Mary Jane procurou levar a conversa para a “legítima” ópera. Uma de suas alunas dera-lhe uma entrada para a representação de Mignon. Sem dúvida fora magnífica, disse ela, mas fizera a recordar da pobre Georgina Burns. Browne lembrava-se e tempos ainda mais remotos; das velhas companhias italianas que costumavam vir a Dublin: Tietjens, Ilma de Murzka, Campanini, o grande Trebelli, Giullini, Ravelli Arambuco. Nesses tempos disse ele, podia se ouvir em Dublin o que se chama cantar. (JOYCE- p. 162).

 

 

Durante esta conversa podemos perceber que a sociedade Dublinense está parada, vivendo algo que já não existe mais, e a partir de diálogos durante o conto percebemos o valor que os mortos têm diante essa sociedade. Eles vivem uma paralisia social e moral que impede o progresso da sociedade. E diante esse enorme valor que eles dão aos mortos, eles acabam tendo mais força e poder nessa sociedade do que os vivos.

É importante perceber que em alguns diálogos durante o texto, em que o assunto é polêmico, há cortes para que ele não seja levado adiante. Podemos ver isso no diálogo de tia Kate e Browne, ela faz uma crítica à igreja católica e logo sua sobrinha Mary Jane chama sua atenção, pois Browne é protestante e Tia Kate acaba se retraindo, pois não é bom que critique sua religião para um protestante.

 

 

Tia Kate voltou-se para Browne, que sorria da alusão feita a sua crença e disse precipitadamente:

_Não estou dizendo que o papa esteja errado. Sou apenas uma velha tola e não ousaria fazer uma coisa dessas. Mais existem a polidez e a gratidão. Se eu estivesse no lugar de Júlia, teria dito ao próprio Padre Heakey...

_Além do mais titia - acrescentou Mary Jane – estamos todos famintos e a fome nos torna briguentos. (JOYCE- p. 159).

 

 

Gabriel é um personagem diferente dos outros deste conto, pois está interessado no mundo moderno, ele é um homem culto, é o personagem principal e está presente na maior parte dos diálogos, ele tem opinião própria não se deixando levar pelo patriotismo, e manifesta sua opinião sobre os mortos, sendo a favor de resgatar os feitos destes, mas sem tratá-los com se ainda estivessem vivos:

 

 

Nossa passagem pela vida é marcada por muitas dessas recordações e se tivéssemos de pensar nelas todo o tempo, não nos sobraria forças para desempenhar corajosamente nossas tarefas entre os vivos. Todos nós temos deveres e afetos para com os vivos que com todo direito, reclamam nossa incansável dedicação. (JOYCE- p. 166).

 

 

Gabriel com crescente desejo por sua mulher (Gretta), não consegue ver a distância que há entre os dois, e quando Gretta revela a ele sobre o seu amante da adolescência, o desejo de Gabriel por ela transforma-se aos poucos em indiferença. Este é um ponto em que podemos perceber que até os sentimentos estão paralisados. “Ele observa enquanto dorme como se nunca houvessem vivido juntos”. (Joyce- p. 180). “e pensa que o rosto que vê agora na cama já não é o rosto pelo qual Michael Furey morrera”. (Joyce- p. 181). E logo depois da revelação ao observar Gretta já adormecida, Gabriel entrega-se a devaneios sobre a revelação, sobre sua figura de marido, sente-se humilhado diante dos sentimentos de sua mulher, por ser trocado por um morto, e além do mais que não tem cultura e nem educação, comparado a ele.

 

 

Gabriel sentiu-se humilhado pelo fracasso da ironia e pela evocação do morto, um garoto na companhia de gás. Enquanto estava pleno de íntimas recordações, repleto de ternura, alegria e desejo, ela comparava-o com outro. Uma humilhante consciência de si mesmo o assaltou. (JOYCE- p. 179).

 

 

 

Gabriel continua a ter devaneios, agora sobre a morte da tia Júlia, até que o ar gélido o leva a cama. Ele já deitado vê a imagem do amante adolescente encharcado numa árvore ansiando por sua amada, e lentamente sua alma é levada à região onde habitam os mortos. O mundo real parece fugir, mas Gabriel volta à janela quando leve batidas dos flocos de neve o chamam novamente a realidade. Gabriel permanece na janela a observar os flocos de neve que caem por toda a Irlanda sobre os vivos e os mortos, e por instantes em seu pensamento o branco da neve, vem para ele como uma premonição da morte.

Percebemos assim, neste conto que os mortos têm grande importância, pois dominam toda a sociedade irlandesa, têm grande influência sobre os vivos e por isso vemos uma sociedade tão paralisada, pois todos ali permanecem sempre presos a antepassados, não permitindo então que a sociedade tenha progresso. 

BIBLIOGRAFIA 

JOYCE, James. Os mortos. In: dublinenses, Trad. Hamilton Trevisan. Rio de Janeiro: Editora civilização Brasileira S.A., 1964, p. 143-182.


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