O SURGIMENTO DA TRANSAÇÃO PENAL



O modelo de transação penal como conhecemos no Brasil foi importado do sistema jurídico italiano, que por sua vez extraiu tal idéia das cortes norte-americanas, partindo de preceitos forjados por acordos mútuos entre partes, sobretudo do uso dos verbos conciliar e transacionar, como uma forma de eficiência substitutiva de pena.[1]

No caso específico da Itália, o sistema originário da transação penal brasileira foi positivado através da Lei italiana n° 689/81, sendo a posteriori introduzida pelo artigo 444 do Código Penal italiano, de modo que, durante a vigência desta lei, foi instituída uma maior aproximação das partes, com a anuência de acordos extrapenais. Nos moldes do que ocorre no Brasil, o acordo era homologado por um magistrado, mediante a prévia manifestação do órgão inquisidor (similar ao Ministério Público), cujos efeitos se davam de maneira subsequente, inclusive com os mesmos mecanismos de extinção de punibilidade ao réu e registros do uso da transação como maneira de se evitar um novo benefício. [2]

Nos Estados Unidos da América a situação é um pouco distinta, pois as emendas V e VI da constituição do país asseguram ao individuo o direito de ser julgado e declarado culpado ou inocente pela justiça. Contudo, naquele sistema penal as pessoas tendem a admitir a culpa, evitando o enfrentamento do júri, cuja probabilidade de condenação é muito maior. [3]

No sistema norte-americano os acordos firmados entre as partes diretamente interessadas não possuem limites pré-estabelecidos em lei, tudo em prol de uma política criminal específica do país, que invariavelmente busca normas despenalizadoras, inclusive com a possibilidade de mudança na tipificação penal, angariando uma forma de culpabilidade menos gravosa ao réu. Nesta mesma esteira, ainda que haja naquele país uma evidente maior celeridade processual, não podemos olvidar o fato de que os juízes nos Estados Unidos são eleitos por comunidades, e que, portanto, há uma necessidade de satisfação ao público eleitor, surgindo frequentes dúvidas acerca da imparcialidade destes magistrados. [4]

Já no Brasil, a Constituição Federal de 1988 recepcionou no seu artigo 98, inciso I a criação dos Juizados Especiais para ações de pequenas causas, originando no posterior ano de 1995 a Lei nº. 9.099, que passou a dispor nos seus artigos 72 e 76 as regras sobre a transação penal, cujo objetivo inicial foi desafogar o sistema judiciário em virtude da gritante demora processual, pois milhares de processos (inclusive de crimes juridicamente irrelevantes) padeciam esquecidos sem qualquer resposta do poder judiciário.[5] Nestes termos: [6]

Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.

§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

§ 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz.

§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.

§ 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei.

§ 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível.

Posteriormente, a própria evolução desta modalidade sumaríssima de julgamento acarretou na perfeita compreensão de que a transação não fomenta em hipótese alguma a impunidade, pois ela é exclusivamente benéfica ao sujeito primário que pratica um crime “anão”, sendo fortificado o entendimento de que após esta medida o mesmo não voltará a transgredir regras, pois a reincidência nestes casos seria uma exceção. [7]


[1] GIACOMOLLI , Nereu José. Juizados Especiais criminais; 3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009,p.115.

[2] GIACOMOLLI , Nereu José. Juizados Especiais criminais; 3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009,p.115 P.116.

[3] GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais criminais; 3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 116, p. 117, p.118.

[4] GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais criminais; 3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 115 p. 116, p. 117, p.118.

[5] AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Informalização da Justiça e controle social. São Paulo: IBCCRIM, 2000, p. 12.

[6]BRASIL. Presidência da República. Lei dos Juizados Especiais. Disponível em: Acesso em: 21 out. 2012.

[7] AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Informalização da Justiça e controle social. São Paulo: IBCCRIM, 2000, p. 12.


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