Análise da figura feminina de “Senhora” e “Luzia-homem”



Análise da figura feminina de “Senhora” e “Luzia-homem”1

Dinelza Furtado Morais2

Resumo: 

O presente artigo consta-se de uma análise aprofundada da figura feminina de duas grandes personagens da literatura brasileira é desenvolvido um estudo a cerca do perfil feminino de cada personagem, no caso “Aurélia” e “Luzia”, para um melhor entendimento da construção e busca feminina de ambas as personagens, em seguida é desenvolvido um paralelo entre as duas, para obtermos com base nesse estudo um melhor entendimento a respeito da representação e construção feminina em estilo de épocas diferentes.  

Palavras-Chave: perfil feminino.  Amor. Contextos Sociais Distintos.

Introdução

 

A análise destas duas personagens é marcada pelas semelhanças e diferenças, constantes refletidos nas personalidades de cada uma. Sendo que ambos os autores não se esqueceram de revelar a beleza e a feminilidade da mulher, manifestadas através de valores presentes em atitudes que surpreendem aos leitores.

  Aurélia personagem do romance de José de Alencar é uma jovem de infância pobre, mas que passa por várias transformações e vivência diferentes realidades da sociedade fluminense da época. O amor que a personagem sente por Fernando Seixas é um fator marcante. Como mulher Aurélia é submetida a escolhas, mas não deixa perder sua feminilidade, dividida entre a vontade de viver seu grande amor e o seu desejo de vingança.

Luzia-homem é uma personagem marcante do romance naturalista de Domingos Olímpio, com personalidade forte, aspecto físico diferente, se comparado com as outras mulheres, mas é capaz de despertar o desejo dos homens. Tendo sua personalidade própria Luzia não se intimida com os comentários do meio e mantém seu comportamento e atitudes próprias, sua feminilidade é revelada diante do seu desejo de viver um grande amor.  Um fator relevante na caracterização desta personagem é a realidade vivenciada pela mesma, já que tinha comportamento contrário a das mulheres de sua época.

Ao comparar as duas personagens ambos os autores revelam a capacidade e a realização do perfil feminino através de uma personalidade forte diferente das mulheres de seu tempo, são mulheres que não se veem submetidas ao homem, mas que apesar desse diferencial, ambas as personagens sonham com um amor, apesar de todas as circunstancias, prevalecendo com isso seu aspecto feminino em ambas as personagens.

Materiais e Métodos

 

Ao tratar do perfil feminino de Aurélia de José de Alencar e Luzía-homem de Domingos Olímpio traçamos e analisamos com base em uma pesquisa analítica comparativa realizada a partir dos pensamentos dos teóricos Antonio Candido, (2006), Bosi (1994) e Douglas(1990) . Como foram construídas suas personalidades femininas desencadeando um possível paralelo entre essas duas personagens, as quais são de extrema relevância principalmente no aspecto da construção da personalidade feminina focados neste presente artigo.

Analisando a personalidade de Aurélia e Luzia, encontramos características diferentes em termos de condições financeiras e realidades distantes. A vivência de cada uma é totalmente diferente, mas ambos os autores colocam o amor que embalam os romances das personagens como fator determinante. Aurélia tem a oportunidade de viver em boas condições financeiras, é elevada de menina pobre a uma rica dama da sociedade, sendo capaz de ir em busca do seu amor, mais com um sentimento de vingança, mantido pela mágoa do abandono da juventude, o autor revela o poder do dinheiro em afastar as pessoas pela desigualdade social.

Luzia não teve a mesma oportunidade que Aurélia, conhecendo somente sua realidade pobre. Destaca-se o preconceito que a personagem sofreu por causa de sua aparência, Luzia é uma mulher guerreira que luta pela sua sobrevivência e como toda mulher se apaixona e sonha em viver um grande amor, é também desejada e acaba sofrendo, sendo vítima de um homem que ela não amava. Apesar de suas características masculinas Luzia é uma mulher bonita que chama a atenção pela sua beleza rustica e se destaca por ser uma mulher que não se submete ao contexto da época, onde as mulheres eram subservientes aos homens.

Ao traçar o perfil dessas personagens, principalmente na construção do perfil feminino, encontramos semelhanças, sendo o mais próximo de ambas, o amor mantido inalterado apesar de todas as circunstancias ocorridas no decorrer das obras. A feminilidade se revela através do sonho de viverem um grande amor.

Personagens brilhantes de obras que marcaram e destacaram a mulher como heroína, que luta, acredita por seus ideais. Destacando a essência da feminilidade e ao mesmo tempo cheias de personalidades. Apesar de todos os acontecimentos do enredo, Aurélia consegue viver seu amor, diferentemente da personagem Luzia que não consegue viver seu amor e acaba morrendo de uma forma trágica, porém heroica.

Resultados e Discussão

 

Analisando a personalidade de Aurélia Camargo do livro Senhora de José de Alencar, veremos que se trata de uma busca feminina, que parece em alguns pontos antifeminina, dando a impressão de transgressão por parte da heroína romântica. Estudando a personagem Aurélia na caracterização de sua busca como feminina e o porquê de ela assumir, em alguns pontos, a aparência de antifeminina, delinea-se mediante o estabelecimento, neste estudo, de três fases para a personagem, cronologicamente sucessivas apresentadas de modo parcialmente invertido pelo narrador coincidindo aproximadamente com as etapas de namoro, noivado e casamento da personagem com Fernando Seixas.

Como sabemos o romance de Alencar apresenta-se estruturado em quatro partes, nesta ordem “O preço”, “Quitação”, “Posse” e “Resgate”, que Antonio Candido analisou como “equivalentes aos movimentos de uma transação comercial” (CANDIDO, 2006, p. 15-18). Na primeira fase da personagem há um contraste de personalidades, na primeira iniciamos a obra com Aurélia rica, vivendo na alta burguesia, dotada de predicados, frequentadora de bailes chiques e desejada por todos, já na segunda parte da narrativa “quitação”, Aurélia é uma moça pobre e resignada, representando sua própria feminilidade tipicamente romântica assim como a sua mãe Aurélia, já órfã de seu pai, sonha com um amor, antes de senti-lo, associando-o vagamente a ideia de casamento. “O coração de Aurélia não desabrochara ainda, mas virgem para o amor, ela tinha, não obstante a vaga intuição do pujante afeto, que funde em uma só existência o destino de duas criaturas.” (ALENCAR, 1974, p. 63).

Aurélia é identificada pelo narrador como todas as mulheres de imaginação e sentimentos tipicamente a essência da feminilidade. “Como todas as mulheres de imaginação e sentimento, Aurélia achava dentro de si essa aurora d’alma que se chama ideal, é que doura ao longe (...) os horizontes da vida.” (ALENCAR, 1977, p. 63). A esse feminino, podemos observar o narrador associando o ideal do amor e o sonho do casamento, forjando, para Aurélia, uma figura de mulher assentada no desejo de união com um homem. Apesar de todas as peculiaridades do movimento romântico brasileiro e de seu incipiente público leitor (BOSI, 1994, p. 128-29), reflexo de um público letrado ainda em processo de consolidação, podemos afirmar que uma narrativa como Senhora, de José de Alencar, apresenta os mesmos matizes ideológicos no que se refere ao tratamento conferido ao amor.

A personagem Aurélia age movida pelo sentimento amoroso, o que é evidenciado em suas falas e na descrição minuciosa que o narrador faz dos sentimentos e das motivações mais íntimas da personagem. Pela voz do narrador, ficamos sabendo que é desejo da heroína unir-se para sempre, mediante um voto perpétuo, ao destino do homem por ela escolhido: nesse contexto, a mulher torna-se parte do homem, o seu outro.

           Assim, Aurélia é aquela mulher que sonha que espera. E é uma espera feita de tanta passividade, que só após muito lutar ela consente em se colocar à janela, à espera de um homem, satisfazendo o desejo da mãe, que queria vê-la casada. Ao fazê-lo, Aurélia está se colocando como alvo da busca masculina. É nesse momento, e nessas condições que surgirá o herói romântico na figura de Fernando Seixas, tornando-se único, entre muitos admiradores, na preferência da heroína. Fernando passa então a frequentar a casa de Aurélia, rendendo-lhe todas as homenagens do amor. “Durante um mês, Aurélia, inebriou-se da suprema felicidade de ser amada.” (ALENCAR, 1974, p. 69). Quando Fernando começa a se afastar, Aurélia não protesta vindo a aceitar docilmente a separação.

Nesta primeira fase, a passividade de Aurélia é tão grande, que só se pode falar na construção de sua personalidade feminina, devido à manifestação de sua subjetividade. O herói romântico a encontra, o amor acontece, mas o casamento, simbolizando a união definitiva, não. O mundo se interpõe entre o casal como um obstáculo, e caberá à heroína tentar removê-lo, movida pelo amor.

Aurélia inicia, então, uma nova etapa de sua busca feminina, caracterizada, neste estudo de análise como a segunda fase da personagem, a qual ocupa toda a primeira parte do livro “o preço” e o fim da segunda parte “quitação”, sendo também apresentada em retrospecto na terceira parte do livro “posse”.

Essa nova etapa da vida da personagem, é representado por um elemento externo, que representa uma grande virada no destino da personagem, sem esperar, Aurélia é reconhecida em testamento como herdeira única e universal de um homem muito rico, seu avô, tornando-se muito disputada pelos noivos disponíveis nos salões fluminenses, imediatamente, começa a dominar as pessoas, manipulando-as conforme seus interesses, submetendo-as a sua vontade. A moça modesta é rapidamente substituída pela moça voluntariosa e desdenhosa. Entretanto, o narrador acentua que Aurélia em essência não se modificou, mas apenas em suas atitudes.

 A riqueza, que lhe sobreveio inesperada, erguendo-a subitamente da indigência ao fastígio, operou em Aurélia rápida transformação; não foi, porém no caráter, nem nos sentimentos que se deu a revolução; estes eram inalteráveis, tinham a fina têmpora do seu coração. A mudança consumou-se apenas na atitude, se assim nos podemos exprimir dessa alma perante a sociedade.” (ALENCAR, 1974, p. 85).

Trata-se de uma mudança externa, e o principal objetivo de Aurélia será casar-se com Fernando Seixas, o homem que a rejeitou, oferecendo a ele o que anteriormente faltava dinheiro, o recurso financeiro, em forma de dote. Afinal, Aurélia não só não deixou de amá-lo, como permaneceu a mesma sua atitude perante o sentimento amoroso.

Em sua primeira fase, Aurélia dispensa seu pretendente Eduardo Abreu com esta resposta, “não me pertenço, senhor Abreu; se algum dia pudesse arrancar-me a este amor fatal, e recuperar a posse de mim mesma, creia que teria orgulho em particular a sua sorte.” (ALENCAR, 1974, p. 79). Mais tarde, já rica, a mesma resposta a Abreu é dada por Aurélia, acrescida por uma nota de renúncia. “Lembre-se do que lhe disse uma vez. Se eu remir-me de meu cativeiro, minha mão lhe pertence. Não querendo o senhor, ninguém mais o terá neste mundo.” (ALENCAR, 1974, p. 87). Aurélia submete-se ao destino que acredita ser o seu, no plano discursivo, essa situação, ao falar em “amor fatal”, em “cativeiro”, colocando-se como refém do destino.

Após guardar seus meses de luto da mãe, Aurélia, na condição de moça rica, aparece na sociedade fluminense, tomando conhecimento do retorno de Seixas de uma longa viagem. Começa, então a agir, criando toda uma situação em que Seixas, devido ao seu endividamento e à ameaça de pobreza, obriga-se em compromisso formal a casar-se com ela, sem saber que se tratava de sua antiga namorada.

Podemos perceber que a única semelhança que parece existir entre a moça pobre de Santa Tereza e a moça rica das Laranjeiras é o valor atribuído do amor. Por isso mesmo, esta nova fase de Aurélia é estreitamente feminina. Ao buscar Seixas, Aurélia está conduzindo a busca dele em direção a si própria, apresentando-se a ele, como na primeira fase. Se Seixas era um espírito aristocrático que fazia a questão do luxo e da elegância, ele agora poderá encontra-los em Aurélia. Estabelece-se, entre ambos, um compromisso formal de união futura, que se caracteriza com um noivado.

Aurélia é movida, em sua busca, pelo amor, apresenta-se, então, está segunda fase como um desdobramento da primeira, Aurélia continua a desempenhar o papel feminino a ela prescrito pela sociedade. Como na primeira fase, uma vez preparada para assumir o papel da mulher, o herói masculino aparece, e como agora Aurélia apresenta todos os requisitos desejados por Seixas, a união acontece, ou seja, o casamento se realiza. E a busca da figura feminina de Aurélia estaria encerrada nesse ponto com o casamento, se não houvesse um desnível entre o ideal de amor e o homem com quem ela efetivamente se casou.

Inicia-se então a terceira fase da personagem, com o “divorcio moral” imposto pela heroína na noite de núpcias. A terceira fase começa no fim da segunda parte “Quitação” e ocupa todo o restante da narrativa “Posse” e “Resgate”. Nessa fase, o homem aos poucos irá se elevar, terminando por se transformar no ideal desejado pela heroína. Aurélia parece antifeminina, devido à submissão imposta ao homem. Entretanto, não há uma inversão de papéis, e sim dominação propiciada pelo poder econômico. Se na segunda fase Aurélia admitia estar comprando sua felicidade, na terceira ela irá lembrar o tempo todo a Fernando a sua condição de marido comprado.

Aurélia é uma personagem sempre feminina o que ocorre é que sempre ela representará o papel do feminino, parecendo, então, antifeminina. E pela sua condição feminina Aurélia tentará seduzir Seixas. Podemos observar na obra que o casal, tem situações de avanço e recuo, esse avanço ocorre devido o afeto amoroso nutrido um pelo o outro, recuo pela desconfiança de ambos os lados.

A narrativa segue tornando os embates do casal cada vez mais irônicos, e ao mesmo tempo, promovendo momentos de intimidade cada vez mais ardentes. Um desses momentos acontece quando Aurélia retorna com o marido de um baile, deixando-se reclinar suavemente no seu ombro enquanto olha as estrelas. Aurélia começa então a discorrer sobre seus sonhos de menina. “Não sei o que tem as luzes das estrelas!... É uma coisa que notei desde menina. Sempre que fico assim a olhar para elas e a beber os seus raios sinto uma vertigem, que me dá sono. Quem sabe se a luz que elas cintilam não embriaga?” (ALENCAR, 1974, p. 144).

                Aurélia, desde menina, contempla as estrelas. Pode-se ver nisso a manifestação de sua feminilidade. A colocação dessa fala de Aurélia neste ponto da narrativa reforça esse significado. Aurélia nesta fase encontra-se entre a posição de poder em que se encontra, submetendo o homem que ama, e o amor que sente pelo ideal que ele representa, sentindo-se impedida de ir em sua direção. A emergência de sua subjetividade de menina neste ponto da narrativa que é feminina pode significar que Aurélia está tentando ser quem ela sempre foi, uma mulher doce que acredita no amor e deseja unir-se ao homem que ama para ser feliz. De fato afirma o narrador. “Com uma existência calma e um amor feliz, Aurélia teria sido meiga esposa e mãe extremosa. Atravessaria o mundo como tantas outras mulheres nesse cândido enlevo das ilusões...” (ALENCAR, 1974, p. 85).

Deparando-nos com essas palavras do narrador Aurélia, se não fossem as circunstancias ocorridas, teria sido como as outras mulheres sendo este o ideal da narrativa. A personagem foi desviada do destino desejado pelas circunstâncias, mas estas podem ser movidas, e ela então se reconciliara com seu destino de mulher. Com o decorrer da obra as circunstancias que o separaram são eliminadas, primeiro com o dote, depois com o perdão, e finalmente com a transferência de toda a sua fortuna para Seixas.

 No momento em que Aurélia se refere às estrelas representa uma trégua no duelo de amor e desejo de vingança. Com relação ao episódio das estrelas, podemos ressaltar o afloramento da feminilidade, que prepara a mulher para a entrega amorosa, e a afirmação concreta por parte de Aurélia, de construção do perfil feminino, resgatando assim a feminilidade que sempre a constituiu.

A personagem afirma que não é como as outras mulheres. Sua obsessão com o amor e seu desejo de unir-se ao homem que ama indicam, ao contrario, que ela a condensa em si, uma identidade feminina que a voz narrativa afirma ser comum a todas as mulheres. Ainda assim, Aurélia hesita e não move em direção a Seixas. É que ela deseja ser vencida, “tornar-se o universo dominado” (DOUGLAS, 1990, p. 71). Podendo, então definir definitivamente o seu perfil feminino, mas acaba hesitando, e a desconfiança com relação ao seu amor volta a prevalecer.

Não! È cedo! É preciso que ele me ame bastante para vencer-me a mim; (...) quando ele convencer-me de seu amor e arrancar do meu coração a ultima raiz desta duvida atrás que a dilacera, quando nele encontrar-te a ti; o meu ideal, o soberano de meu amor; quando tu e ele fores um, e eu não vos posso distinguir nem no meu afeto, nem nas minha recordações, nesse dia eu lhe pertenço... (ALENCAR, 1974, p.170-171).

Podemos destacar também outro fator complicador no desenrolar do romance, um ciúme de ambas as partes com relação a amores do passado, precipita o desenrolar dos acontecimentos. Fernando acaba devolvendo a Aurélia o dinheiro do dote. Nesta situação Aurélia poderá finalmente reconhecer o homem que idealizou.

O grande maior obstáculo que acabou distanciando os dois, a riqueza de Aurélia, é removido por ela na medida em que ela acaba transferindo ao marido o poder econômico que a sociedade espera de um homem, e não de uma mulher. Aurélia acaba se doando por completo a Fernando. A heroína do romance assume definitivamente uma identidade feminina, concretiza o amor que idealizava e acreditava quando conheceu Fernando.

As três fases de Aurélia repetem a construção do papel da mulher na época, preparada em sua feminilidade, espera o homem. Na primeira fase Aurélia namora Fernando, na segunda é sua noiva, na terceira sua esposa.

É interessante observar que a primeira fase de Aurélia, importantíssima para que compreendamos a permanência da mesma identidade feminina nas outras duas fases apresentada pelo narrador em retrospecto, entre a segunda e terceira fase, ambas as fases representada pela nova vida elegante de Aurélia com a aquisição da herança. A Aurélia pobre, moça modesta, aparece ao leitor como uma lembrança da Aurélia rica, o que acaba escondendo um pouco a feminilidade da personagem, fazendo com que o leitor, pelo desenrolar da trama e pelas sugestões do próprio narrador confunda Aurélia como uma feminista, mas que acabamos no final da obra comprovando a sua verdadeira identidade feminina.

Ao tratarmos e analisarmos o perfil feminino de Luzía-homem de Domingos Olimpio. Podemos observar que na obra naturalista é marca constante o narrador assumir uma atitude distante, agindo como um simples observador, pois nessa estética “desnudam-se as mazelas da vida pública e os contrastes da vida intima; e buscam-se para ambas as caudas naturais (raça, clima, temperamento) ou culturais (meio, educação)”. (BOSI, 1994, p.188). Todavia, é importante notar que tudo o que o leitor sabendo sobre a mulher é filtrado pelo olhar do narrador, um ser do sexo masculino, geralmente em terceira pessoa.

Significativas são as passagens abaixo em que o narrador fala da mulher, no caso em análise de Luzia-homem. ”Um dia visitando as obras da cadeia, escreveu ele, com assombro, no eu caderno de notas: Passou por mim uma mulher extraordinária carregando uma parede na cabeça. Era Luzia, conduzindo para a obra, arrumados sobre uma tábua, cinquenta tijolos.” (OLIMPIO, 1991, p. 13). Nos trechos acima, fica claro a descrição de uma mulher que foge completamente dos padrões estabelecidos de feminilidade, e por isso mesmo essa mulher que sai do padrão de formalidade fica marcada e passa a ser o centro das atenções. Luzia é vista como um ser estranho à sociedade por não obedecer aos padrões estabelecidos pela sociedade, uma mulher “pouco expansiva sempre em tímido recanto e que quase não conversava com as companheiras de trabalho”. (OLIMPIO, 1991, p. 13), ou seja, ela não se encaixava no perfil de mulher esperado pela sociedade descrita pelo narrador.

Luzia enquanto mulher mais com força masculina era vista com estranheza pelas demais do seu gênero “Mulher que tinha buço de rapaz, pernas e braços forrados de pelúcia crespa e entornos de força, com ares varonis, (...) deverá ser um desses erros da natureza (...)”. (OLIMPIO, 1973, p. 24). Entretanto noutra perspectiva, a donzela guerreira, tem seu discurso de gênero feminino mantido, pois sustenta valores femininos.

A figura da donzela-guerreira desconstrói os parâmetros sociais de gêneros já que permite que o feminino transmita no âmbito masculino. Com isso, é uma personagem que ganha destaque na atualidade, construindo a imagem de uma mulher perfeita que não possui as limitações do gênero.

Enquanto personagem-título, a mulher tem uma posição bem próxima à do homem. Como podemos observar em Luzia-homem. No entanto, durante o desenrolar da narrativa, podemos notar que a mulher no caso a personagem principal vai encaminhando-se para o destino da morte, tendo como um homem Crapiúna responsável pelo seu fatal e triste destino tipicamente uma característica do naturalismo.

Luzia, hirta e lívida, jazia seminua. Nos formosos olhos, muito abertos, parecia fulgir ainda o derradeiro alento. Os cabelos, numa desordem, escorriam pela rocha, forrada de lodo, e caíam no regato, cuja água, correndo em murmúrio lâmure, brincava com as pontas crespas das intonsas madeixas flutuantes. Raulino recuou, cortado de terror, ante o cadáver; e, num turbilhão de cólera, rugiu, arrepiado, apertando os dentes, e, com uns gestos, que eram crispações medonhas de fera, esquadrinhou o terreno, buscando e rebuscando o criminoso. Voltando, então, para junto do corpo de Luzia, Raulino curvou-se compungido; apalpou-lhe o peito, ainda morno; e, aproximando os lábios da divina cabeça da heroína, gemeu com intensa amargura, as palavras doloridas de unção aos moribundos:- Jesus!... Jesus!... Seja contigo!... Jesus, Maria e José!... (OLIMPIO, 1973, p. 192-193).

             Mas podemos observar também que em muitas obras naturalistas ser titulo não equivale a ser “herói”. No caso da mulher naturalista, ter o seu nome no título leva a personagem mais a condição de vitima ou vilã que à de heroína.

Analisando a figura de Luzia no drama regionalista da seca, Luzia-homem é a personificação da força feminina do sertão, é um misto de masculinidade desdobrada pelos sentimentos de uma mulher feminina. A temática principal construída sobre a força de Luzia e seus aspectos não trazem uma visão da personagem como uma figura de homem, já que ela nutre um sentimento sincero por Alexandre e no final da obra acaba admitindo esse sentimento, mas sendo impedida de viver seu amor devido seu fim trágico, mas que associados aos temas secundários é notório o entendimento desta denominação da mulher Luzia-homem.

Em meio ao cenário masculino do sertão é possível ver a força da mulher, que de perfil heroico se distingue das demais ou expõe desejos, embutidos, de tantas outras mulheres do seu tempo. Não é atoa que na obra a protagonista era odiada pelas outras mulheres, estas sempre subservientes aos homens, ao contrario de Luzia que expõe no delimiar de sua personalidade uma construção de aspecto feminino totalmente distante das demais, não depende de homem nenhum.

Luzia não se detém ao ritmo das costureiras atitudes de mulheres de sua época, ela cria sua historia sem medo de buscar a parte que melhor lhe cabe na defesa de sua pessoa e de sua família, no trabalho pesado e árduo, no drama dos retirantes, na vingança do homem e mulher sertanejos que dão à vida buscando a vida.

A obra na verdade remete diretamente a um perfil feminino da atualidade, coisa incomum para as obras naturalistas, uma mulher destemida, forte, determinada, inteligente e audaciosa.

Com base no aprofundamento da análise de Luzia-homem nos deparamos com uma mulher que apesar de ser comparada ao um homem, devido mesmo suas características e comportamentos, observamos uma mulher no real sentido da sua palavra, é bela e desperta atração e amor. “Em plena florescência de mocidade e saúde, a extraordinária mulher, que tanto impressionara o francês Paul, encobria os músculos de aço sob as formas esbeltas e graciosas das morenas moças do sertão” (OLIMPIO, 1973, p.11), embora com características muito diferentes do qual estejamos acostumados a nos deparar nas obras realista/naturalistas.

Luzia embora com todas as suas atribuições físicas diferentes dos padrões da sociedade, na sua essência possui sentimentos bem femininos, principalmente com relação ao amor que sentia pelo Alexandre que no final da obra acaba prevalecendo, mas que infelizmente não chega a concretizar esse amor devido seu fim trágico.

Sentindo Alexandre a seu lado, quando ele saiu do quarto, Luzia, arrancada de súbito à meditação, fez um gesto de susto. A atitude do moço era a de quem hesita em dizer alguma coisa, de abrir-lhe o coração, sufocado de ternura. Vencendo, por fim, o enleio, ele tirou do bolso os cravos murchos, e, como criança medrosa recitando um recado, murmurou: - Aqui estão estas flores, que a senhora esqueceu no baldrame da grade da cadeia... Adeus... Até outra vez..- Até... – suspirou ela arquejante, guardando as flores no seio, e apertando-as contra o peito, em frenético amplexo, enquanto ele lhe voltava as costas, e partia. - Seu Alexandre!...O moço estacou ansioso, não ousando encarar nela.- Quero pedir-lhe uma coisa – disse a moça, caminhando para ele, vagarosa e humilhada. – Não repare... no que tenho feito... Sou má de nascença... Minha sorte é fazer os outros padecerem... Tenha dó de mim... Peço... Peço-lhe que me perdoe...- Luzia! – exclamou ele, numa explosão de ternura, estendendo-lhe os braços para ampará-la, porque ela vacilava.- Perdoe-me – repetiu a mísera, vencida, com voz angustiada, quase à surdina, estacando diante de Alexandre, que sorria. (OLIMPIO, 1973, p. 177).

            Podemos observar que Luzia-homem a “donzela-guerreira”, é punida à medida que vai tornando-se feminina. Enquanto esta pseudo-masculinizada, é intocável, quando abre seu coração para o amor, morre com um fim trágico bastante característico das obras naturalistas, onde as figuras femininas acabam tendo sempre fins trágicos.

Considerações Finais 

Com base em tudo que foi discorrido sobre a construção do perfil feminino de “Aurélia” e “Luzia”, podemos constatar a partir da analise que tanto José de Alencar como Domingos Olímpio foram brilhantes na construção dessas personagens, pois apesarem de serem pertencentes a estilos de épocas diferentes, podemos traçar um paralelo, sendo uma característica bem próxima de ambas, o amor mantido inalterado apesar de todos as circunstancias ocorridas durante o decorrer das obras.

São personagens diferentes em contexto sociais diferentes, com condições financeiras muito diferentes, mas que possuem em comum, o amor sincero, tanto Aurélia como Luzia sentem um sentimento verdadeiro e no final acabam assumindo esse amor, apesar de Luzia no final ser impedida de viver esse amor. Podemos observar na construção do perfil feminino que tanto Aurélia como Luzia são dotadas de uma grande personalidade feminina e se destacam em ambas as obras, por esse aspecto determinante na construção do enredo.

A saga de ambas as personagens enaltece a feminilidade destacada pelos autores, os enredos se passam em contextos sociais diferentes, mas mesmo assim foi possível analisar minuciosamente os perfis de cada uma e estabelecer um paralelo.

Sem sombra de duvidas trata-se de grandes obras da literatura brasileira e trazem consigo grandes personagens que se destacam e encantam principalmente por suas personalidades e pela sua feminilidade, que embora diferentes não deixam de ser próximas, principalmente com relação ao amor, que por mais que Aurélia compre seu amado, lá no fundo do seu coração ainda carrega consigo esse amor, como também Luzia apesar de todas as circunstancias acabou assumindo o seu sentimento, enfim podemos afirmar que se trata de grandes heroínas da Literatura brasileira.

Referências Bibliográficas

ALENCAR, José Martiniano de. Senhora, perfil de mulher. Rio de Janeiro: Editora Expressão e Cultura, 1974.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 3ed. São Paulo: Cultrix, 1994.

CANDIDO, Antonio. Crítica e sociologia. In: ___. Literatura e sociedade. 9. ed. revista pelo autor. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.p. 13-25.

DOUGLAS, Ellen H. A busca feminista em Perto do coração selvagem. In: GOTLIB, Nádia Batella (Org.). A mulher na literatura. Vol. II. Belo Horizonte: UFMG, 1990. p.71-79.

OLIMPIO, Domingos. Luzia homem. 11ed. São Paulo: Ática, 1991.


1 Artigo elaborado como requisito necessário para aprovação na disciplina de Literatura Brasileira I

2 Aluna do 6º Período do Curso de Letras Habilitação Língua Portuguesa da Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA


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