O Bobo



Este trabalho tem como principal objetivo, mostrar uma relação entre a narrativa romântica "o bobo", de Alexandre Herculano e a narrativa pós-moderna "História do Cerco de Lisboa" de José Saramago, obras escritas por portugueses, que descrevem fatos da formação histórica da nação portuguesa. Nas obras, citadas, fica claro a grande inquietação com a História, admitindo assim uma ampla aproximação entre o ficcional e o real, nascendo um novo modelo de romance histórico, pois uma obra histórica que não tem ficção para a literatura não pode ser considerada um romance.

Em "o bobo" assim com em várias obras romantistas, pode-se perceber que o romancista cria cenários lúgubres e de dimensões trágicas, nos quais se movimentam românticos heróis torturados por paixões, mulheres-anjo e outros temas sobrepostos a um pano de fundo histórico reconstituído. Já o texto de José Saramago, na construção de seu universo ficcional, transforma a história em uma matéria da literatura, trazendo uma interação tensa com o passado, logo o narrador através de Raimundo Silva, desmonta e desmistifica todo discurso que se diz verdadeiro. A narrativa apresenta personagens do plano histórico e do plano ficcional. No plano histórico pode-se encaixar (o conde, D. Tereza e seu amante, Dom Afonso Henriques) e no plano ficcional (os personagens do drama amoroso e Dom Bibas). Partindo da idéia do escritor da Puc – Rio, Nelson Rodrigues:

O texto ficcional de Saramago ultrapassa a intenção de contar uma estória. Configura um espaço de questões relacionadas a paradigmas determinados e tornados convenção. Entre elas, a compreensão de processos historiográficos e ficcionais vinculados ao problema do tempo e da escrita, numa forma de auto-referencialidade e interdiscursividade, que põe em relevo a alusão, a citação, a inversão característica da paródia e da sátira, a encenação, enfim, da linguagem. (RODRIGUES FILHO)

Na obra de Herculano, o imaginário da ficção, em face do imaginário que se tornou determinação, volta-se para o passado, enquanto registro no presente, do que já não é apontar para o plano, a ilusão, de um tempo que poderá vir a ser. Tendo então como principal característica à busca das origens portuguesas como forma de reavivar o passado de êxito do país, sendo que esta busca pelo passado é um modo de captação e superação do presente. O conto "o bobo", recorda uma época de conturbação na nacionalidade portuguesa, sendo centrada em datas antecedentes a batalha entre o exército de D. Teresa e o de seu filho D. Afonso Henriques.

"Dos ricos - homens cavaleiros e clérigos, portugueses por nascimento, que ainda não seguiam abertamente o pendão de Afonso Henriques, alguns nesse momento decisivo mostraram a sua resolução firme de confiar na fortuna de D. Teresa" (HERCULANO. 1982, p.55)

O conto histórico, de Herculano é bem realizado, e a narrativa - casos de Saramago, com suas convenientes táticas, seguem direções com disparidade. Põe-se em destaque a fratura entre o ser e a representação, desvendando uma compreensão da História como discurso e este como definição e acontecimento, que normalmente é sempre submetido a uma reescritura do moderno. A manifestação de uma informação mediévica da História nacionalista imagina o discurso literário nas fronteiras simbólicas, que não tem um discernimento entre o consistir e a reprodução.

O romance de Saramago distancia-se da nascente épica da narrativa, para viabilizar um método satírico, desenvolvendo uma desconstrução do senso comum, sem mobilidade e grandiloqüencia, em favor de uma moral, cuja supervivência só se pode dar no diálogo que o texto procura gerar, pelo meio da dispersão que faz lembrar a ideologia de Sócrates. "A História do Cerco de Lisboa" é composta de duas histórias: a real, do cerco a Lisboa, e a fictícia, que surge aos poucos através da voz do narrador.

O fato histórico é que os cruzados depois que chegaram ao Porto partiram em apoio aos portugueses e isso foi decisivo para garantir que o cerco e a conseqüente queda de Lisboa se desse. Raimundo altera isso com o acréscimo do "Não". Raimundo Silva é revisor do livro e inicia num tratado de história (e dar ao título História do Cerco de Lisboa) um erro espontâneo: os cruzados não auxiliaram os portugueses a apropriar-se de Lisboa. É o "não" que desvirtua o acontecido, ao mesmo momento em que eleva o papel do escritor, hábil a modificar com facilidade o que se encontra consagrado. Para além das conseqüências dessa história, Raimundo Silva vai viver outra, com sua editora Maria Sara. Ligados, reproduzem uma história vivida por outro casal, há séculos, durante o cerco de Lisboa. Raimundo não retornará a ser o sujeito paciente que era, porque seu ato de rebeldia o faz assumir outro posto na vida.

Ao longo da prosa inimitável de um dos maiores escritores da nossa língua, são vários cercos, então, que vão caindo: tanto o cerco histórico da cidade de Lisboa como o imaginário recontado por Raimundo, e, afinal, o acessível, mas inaceitável cerco que o evita transmitir-se com a mulher do seu apego. A independência de Portugal e a história do cerco de Lisboa trazem um território que está dominado pelo grupo inimigo. A conquista de Lisboa acontece com o apoio dos cruzados.Terminada a revisão, Raimundo Silva entrega o texto, o "engano" não é descoberto e a editora opta por acrescentar uma errata corrigindo o erro da página. A editora que confiava na experiência de Raimundo, revisor há muitos anos, temerosa de que outros erros pudessem ocorrer, contrata uma senhora para supervisionar o trabalho dos revisores.

Em "O bobo", é inevitável não distinguir a visão para o passado com a finalidade de nele buscar ocasiões ou exemplos para a sociedade atual. Não há nenhuma problematização na obra que foi publicada no século XIX- 1842 e o narrador têm uma posição e ideologia bastante clara. A história como matéria de ficção fica nítida em "O bobo" através dos personagens, sendo que o principal fato histórico da época é a independência, seguida de muitas guerras, mas quando a rainha já foi deposta. O autor nos apresenta na obra, Dom Bibas, personagem tratado com desprezo, que ao decorrer da narração é tido como personagem principal para o final da história.O autor deixa claro nos seus escritos que a história não conheceu Dom Bibas (o bobo). Assim no decorrer dos fatos o bobo da corte se torna um herói, facilitando a fuga dos aliados de Dom Afonso pela passagem subterrânea que só ele conhece. Isso fica claro na narrativa com a fala da personagem: "- Está bom! Ninguém se compadece de mim! Serei açoitado como um vil servo judeu! O bobo receberá essa afrontosa pena; mas ele se converterá..."( HERCULANO, p.65)

A declaração lírica não se encaixa menos com os relatos da opressão miguelista, acompanhada de escaramuças que ora situava os liberais nas ilhas atlânticas, ora na Inglaterra e em França. Para rumor a este último país, onde convergem os exilados, entre os quais Herculano,nem sempre ele consegue esconder as suas convicções, por isso a narrativa traz a origem e individualidade da nação portuguesa ou a primeira pagina da sua história. O narrador apresenta os pensamentos de Herculano e está extremamente engajado na história.

Segundo Rodrigues Filho partindo das obras citadas pode-se concluir que "a comparação do texto de Herculano e o de Saramago evidencia duas concepções de História e de discurso, que se vão refletir nas respectivas formas romanescas. O primeiro revela uma noção medievalista da História nacionale concebe o discurso literário nos limites do símbolo, que confunde o ser e a representação. O segundo, ao pôr em evidência a fratura entre o ser e a representação, revela uma concepção da História como discurso e este como significação e evento". Os fatos históricos de Portugual narrados em o "O bobo" e a " História do cerco de Lisboa" trazem uma interação na construção da probabilidade, já que depois da independência de Portugual que foi conquistada por Afonso Henriques, Lisboa ainda estava sob a posse dos mouros. Assim, Dom Afonso com ajuda dos cruzados vai em busca e consegui reconquistar todo o sul português.


Autor: Isla Morgane


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