A Bela Dandara



Dandara era uma menina muito linda, guerreira e altiva. Nasceu no dia em que se festejava Oxum, o Orixá de sua genitora, uma enérgica Iyalorixá, conhecida como Mãe Divina. Ao barracão, anualmente, acorria muita gente para as festas de Oxum. Mãe Divina, descendente de ex-escravos do reino de Daomé, onde se falava a língua iorubá, reunia em sua roça das simples às mais influentes e ilustres pessoas da cidade.

- Essa menina é muito convencida e vaidosa! - comentavam as pessoas amigas da família.

- Dandara – replicava, com ar de orgulho, Mãe Divina - será uma grande mulher na história. Seu nome já indica tudo: guerreira mulher, como foi a mulher do grande guerreiro Zumbi dos Palmares!

- Por que Iyá fala assim? – Interrogavam-lhe as filhas de santo.

- Ah, minhas filhas, as mulheres que nascem no dia de Oxum são elegantes, dengosas e sensuais! Oxum é símbolo de beleza! Ela expressa soberania e encanto! É um Orixá atraente e misterioso! Não se lembram que a Mãe Menininha do Gantois era filha de Oxum? Sou feliz porque minha filha, ainda criança, foi consagrada a Oxum!

- É verdade que pessoas de Oxum são vaidosas? – Perguntou Mãe Pequena Aninha.

- Sim, são muita vaidosas, adoram bons perfumes, jóias caras, colares, roupas bonitas, enfim, tudo que se relaciona com a beleza! Por isso, chamam a atenção dos homens - concluiu Mãe Divina.

- Já escutei que Oxum é também uma revolucionária; seria uma feminista, em termos contemporâneos (risos) – provocou Aqualtune.

- Aonde você ouviu essa história, Aqualtune? - Interrougou Mãe Divina, completando: realmente, Oxum seria, hoje, uma feminista, pois reivindicou assento nas reuniões onde somente os Orixás podiam deliberar. Conta que os Orixás, quando chegaram a terra, organizavam reuniões das quais mulheres não podiam participar. Oxum, revoltada por não poder participar, resolveu mostrar seu poder e sua importância.

- Não diga que ela lutou pela liberdade e igualdade de gênero? – Quis saber Luiza Mahin.

- Oh, Oxum foi muito mais além – narrou Mãe Divina. Revoltada, ela tornou estéreis todas as mulheres; depois, secou as fontes e a terra ficou improdutiva. E os Orixás, reconhecendo que Oxum tinha poder sobre a fecundidade, compreenderam que sem ela não poderiam se reunir e nem deliberar, por isso, aceitaram a sua presença nas reuniões. E a terra voltou a produzir, nas fontes não faltava água, as mulheres voltaram a ter filhos. Por isso se diz que as crianças lhe pertencem.

- Ah, agora posso entender por que Oxum é considera muito importante entre nós mulheres! – Completou Andressa.

- Sim, sem dúvida – disse Iyá Divina - Oxum é chamada Iyalodê (Iyáláòde), um título conferido à pessoa que ocupa o lugar mais importante entre as mulheres da cidade. Ela é poderosa, a deusa do ouro, da riqueza e do amor!

E Dandara, à medida que crescia, tornava-se mais bela! Tudo nela chamava à atenção das pessoas: corpo, olhos, nariz, pele, pescoço, pernas. Quando passava, distribuía charme e elegância. Seu sorriso contagiava o ambiente. Mas também era uma menina guerreira e bondosa. Na escola, as crianças não arredavam do seu pé. Ela atraia todos para si. Os garotos já a cobiçavam como mulher. Na roda de candomblé, dançava parecendo uma gazela. Os contornos do seu corpo faziam-na uma mulher adulta. De longe, achegavam jovens e homens para as festas somente para ver a divina mulher dançar para o Orixá. Quando Oxum entrava na roça, todos pasmavam diante dos seus lindos lençóis, com cores amarelo-ouro, conduzindo um leque (Abebé) com estrela, espelho, e um coração do qual nasce um rio. E Dandara, ao lado, usava uma sandália dourada e alta. Ao passar, todos a fitavam! E ela a distribuir charme e elegância! O rosto sereno e angélico a deixava mais atraente. E assim, noite adentro, a festa seguia em pleno embalo com três Ogans tocando os atabaques, enquanto um Ogan cantava aos Orixás. As filhas de santo repetiam os refrões dos cantos e dançavam para os Orixás. Nas pausas, as filhas se sentavam sobre o chão, outras conversavam com os visitantes e simpatizantes do Candomblé, uma festa de alegria e muita energia positiva. A Mãe Divina, orgulhosa e sorridente, fazia questão de apresentar Dandara aos convidados. Ao cumprimentá-la, todos beijavam sua mão. Outros pediam permissão para ser fotografados junto àquele encanto de criatura! Voz delicada, atenciosamente, falava com todos.

Comumente, em torno da Iyá Divina, as filhas se sentavam para escutar as estórias dos Orixás.

- Minhas filhas – disse Mãe Divina – quando Oxum constrói amizade com alguém, nada pode separá-la desse afeto. Ela é fiel companheira.

- Iyá, é magnífico essa relação de amizade! As pessoas poderiam muito bem aprender com Oxum - disse Corina.

- Conte-nos, Mãe – insistiu Beatriz – como foi a amizade dela com Exu!

- Ah, muito bem, sentem-se aqui, pois a nossa cultura é feita de grandes reis e rainhas, e essas histórias nós transmitimos através da oralidade, isto é, por meio das narrações contamos os feitos dos nossos antepassados, nossos Orixás. Com isso, precisamos ativar a memória, para que não esqueçamos nada sobre a história de um povo forte e altivo. Ouçam. Conta-nos que Oxum desejava aprender os segredos e mistérios da arte da adivinhação. Por isso, procurou Exu, que, muito sagaz, falou-lhe que poderia ensinar-lhe os segredos da adivinhação, porém, Oxum teria que ficar sobre o seu domínio durante sete anos. E o que ela deveria fazer? - Ah, nem pensem! Ela deveria lavar, passar, cozinhar e arrumar a casa de Exu. Por isso se diz que ela é uma excelente dona de casa e companheira.

- Mas Oxum aceitou tais serviços domésticos? - Interveio Quariterê.

- Minha filha tenha paciência! Nossa cultura diz que, quando os adultos ou velhos estão transmitindo a sabedoria, que é passada de pais para filhos, todos permanecem numa profunda atenção. Devemos, primeiramente, escutar bem! Voltando à nossa história. Então, Oxum se submeteu à vontade de Exu durante sete anos. Foi-lhe muito obediente. Assim, Ele a ensinava a arte da adivinhação, enquanto ela cumpria fielmente seu acordo, fazendo os afazeres domésticos na casa de Exu. Mas após os sete anos, os dois haviam se envolvidos numa funda amizade que Oxum resolveu ficar em companhia de Exu.

- Mainha, que história apaixonante e romântica! – Disse Dandara com os olhos brilhando de encantamento.

- Mas a narrativa não para por ai – observou Mãe Divina.

- O que aconteceu, então, Iyá? – Interrougou Mãe Pequena Nhá Chica.

- Meus amores – disse ela – aconteceu que certa vez, e vocês sabem que sempre aparecem coisas para atrapalhar nossas vidas, Xangô, ao passar próximo ao palácio de Exu, percebeu aquela linda donzela, parecendo uma gazela, que passeava pelas imediações de uma deslumbrante cachoeira. Vocês já sabem que Oxum é a senhora dos rios, cachoeira, lagos. Então, Xangô parou por um instante, e tocado pelo sentimento de paixão, foi até onde ela estava e manifestou-lhe o seu sentimento de amor, chegando a convidá-la para morar com ele em seu castelo.

- Mas que coisa idílica, Mãe Divina! – Disse, suspirando profundamente, Dandara.

- E será se ela foi morar no lindo castelo de Xangô! – Exclamou Luiz Mahin.

- Mas minhas filhas são curiosas! (Risos). Pasmem! Ela, mulher sábia e encantadora, foi também determinada, porque não se deixou impressionar por bens materiais. Ela disse não ao convite de Xangô, preferindo viver na companhia de Exu.

- E qual foi a reação de Xangô? – Perguntou Isadora.

- Deve ter ficado furioso e constrangido por ter recebido um não! – Completou a Ekedi Bárbara.

- Muito bem, Ekedi Bárbara, Xangô, Senhor do equilíbrio e da justiça, ficou irritado e chateado, e, por isso, resolveu seqüestrar Oxum, aprisionando-a na masmorra de seu castelo.

- Minha Iemanjá! – Exclamou Dandara – Exu deve ter ficado enlouquecido!

- Foi isso mesmo – disse Mãe Divina. Ele, ao perceber que Oxum não estava em seu palácio, saiu a procurá-la. Longa foi sua jornada, pois, andou por todas as regiões, pelo mundo inteiro, a procura da sua estimada e bela amiga de anos de companheirismo. Mas vocês sabem que quando a gente quer uma coisa, nada pode nos deter, sobretudo, ao se tratar de amor e amizade. Então, Exu, pressentindo que Oxum pudesse estar no castelo de Xangô, foi até lá, e surpreendido por um canto triste e melancólico que vinha do palácio do Rei de Oyó, da mais alta torre, logo sentiu que aquele canto seria de sua companheira, que chorava por sua prisão e não queria morar na cidade de Xangô.

- Meu Oxalá! – cortou a conversa Mãe PequenaAninha – deve ter se travado uma luta ferrenha!

- Eu acho que não – sugeriu Dandara – Exu deve ter feito algo mágico para trazer de volta sua companheira!

Todas riram pra valer.

- Vocês querem saber o fim desse drama, né? – Continuou Mãe Divina. Então, Exu, hábil e matreiro, procurou a ajuda de Òrùnmílá, que logo lhe cedeu uma poção de transformação cujo poder faria com que Oxum desvencilhasse do poder de Xangô. Daí Exu, através de uma magia, fez com que chegasse às mãos de sua companheira a tal poção. Oxum, rápida, tomou a poção mágica e transformou-se em uma linda pomba dourada, que voou e pode então retornar em companhia de Exu para sua antiga moradia. E ambos foram viver felizes!

- Linda lenda de Oxum! Iyá Divina merece uma salva de palmas! – Falou emocionada a Ekedi Bárbara.

Portanto, não devemos trocar as fiéis e antigas companhias por nada desse mundo, porque uma boa amizade não tem preço.


Antonio Leandro da Silva
São Paulo, 11 de dezembro de 2007


Autor: Antonio Leandro


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