O Bicho



Observei ao longe! Ele vem se aproximando, pàra, olha para os lados, dá um giro e vai ao local do lixo. Puxa pra cá, empurra lá, examinando direitinho tudo. Levanta a cabeça. Sai, atravessa a rua e vai procurar alguma coisa em outra lixeira. Faz o mesmo ritual. Segura algum objeto, mas solta. Levanta a cabeça, vê outro recipiente, dirigi-se para lá. Procura, não encontra nada que seja útil para si. Levanta a cabeça por alguns instantes.

Eu ali, em estado de inércia, assistia as cenas. Preferi não ir embora, enquanto não concluisse o resultado da minha curiosidade.

Ele caminha rápido para a próxima lixeira, evitando que um outro se aproxime antes que ele. Puxa pra cá, empurra pra lá, cheira, e se anima com a coisa! Ali sim, algo de bom teria encontrado. Cabeça enfiada na lixeira. Mexe com mais agilidade. Ah, eis, o prato delicioso! Passa a comer, come, come, come... Levanta a cabeça, olha para os lados, não liga para os transeuntes, que também passam calmos e indiferentementes. Não têm medo do bicho. Ele já se adaptou ao meio urbano. Todos olham-no com maior naturalidade, mas se assustam quando dele se aproxima. Ele baixa a cabeça, voltando a se alimentar. Demora mais alguns minutos. Levanta a cabeça. Será que já está saciado? Parece que sim. Agora, ele sai, vagarosamente. Ninguém se importa com o bicho. Caminha em direção a outro lugar: uma fonte de água poluída que jorra ao centro da praça.

Pessoas por todos os cantos: algumas sentadas, outras namorando, umas jogando cartas, pastores pregando a conversão dos pecadores, vendedores de objetos já usados, um mercado paralelo. Muitos corpos estendidos pelo chão. Sem nada a fazer. São homens e mulheres, crianças e jovens, negros e brancos. Todos disputando espremidos espaços.

Então, o bicho passa entre tais indivíduos. Não se incomoda com nada.

Observo para aonde ele está indo. Imaginei: para fonte d'água. Tinha razão.

Aproxima-se, encosta a boca, bebe, bebe, bebe... Levanta a cabeça, olha para os lados, bebe, bebe, bebe, parece estar saciado, mas não, volta a beber. Pronto, a refeição está completa. Mas o que ele teria comido naquela lixeira! Que tipo de alimento? Saudável? Quem e por que alguém despejou comida no lixo? Quando muitos passam fome! E a água poluída? Que doença poderia contrair dali? Mas ele se levanta, e caminhando satisfeito, vai adiante. Localiza um lugar. Puxa alguma coisa, espalha e deita. Pegou no suno tão rápido, que eu não pude nem imaginar. Plena tarde! O tempo cronológico dos homens de negócios e da produtividade não existe para ele. Desconhece as horas do mercado de trabalho.

Um bicho que já se adaptou a esse estado urbano. Todos os anos, meses e dias, repete o mesmo ritual. Bicho manso, solitário, associal parece ser um cão, um gato, um rato, uma barata, um inseto qualquer, mas não, é um ser humano totalmente desumanizado em seu estado de ser, vivendo pior do que cães e/ou gatos criados por muitas pessoas da metrópole paulistana.


Antonio Leandro da Silva 

São Paulo, 11 de dezembro de 2007.


Autor: Antonio Leandro


Artigos Relacionados


O Chão

Após Alguns Anos De Casados...

Via LÁctea (poesia)

Progresso

Morrer...

Um Breve Relato De Uma Adolescente Em Crise

O Reino De Lívia